Sunday, September 14, 2008

SURREALISMO


ARTES: SURREALISMO, O SONHO DO SONHO
Por Renato Roschel
07/10/2004
Divulgação

Guerra Civil, de Salvador Dalí

O surrealismo nasceu da constatação da crise da razão e do sistema lógico feita por alguns artistas do século XX. Ao perceberem tais problemas, eles propuseram uma fuga para o inconsciente, o qual, segundo os surrealistas, possibilitaria a única saída para a encalacrada que a razão humana havia se metido. Com isso eles pretendiam anular a contradição entre sonho e realidade.

O surrealismo, para esses artistas, começou com o quadro “As Tentações de Santo Antão” , do holandês Hieronimus Bosch, que viveu no século XVI. O quadro de Bosh mostra uma visão das tentações do santo, que viveu no século III. É um conjunto de paisagens interiores, corpos transformados, hermetismo, melancolia e saturnismo. Surrealismo puro. Depois, os surrealistas chegaram até as obras de François de Nomé, pintor do século XVII. As cenas noturnas de Nomé foram consideradas metaforicamente por psicólogos e historiadores de arte como uma ilustração de esquizofrenia atribucionista. Depois de Nomé e Bosh, vieram as iluminuras herméticas de Francisco de Holanda e as gravuras criadas pelo escritor inglês William Blake.

Blake, autor do Livro de Job e o Livro Primeiro de Urizen, criou uma técnica própria para as gravuras que imprimia nos seus livros. Suas gravuras parecem relatar experiências com oabsoluto.

Após Blake, veio Goya, já no final do século XVIII e começo do XIX, com suas gravuras de tom moralista, recheadas de imagens de seres deformados como galinhas depenadas com rostos de pessoas. Porém, Goya, talvez, não concordasse com os surrealistas, pois foi ele quem, em uma de suas obras, escreveu que “o sonho da razão produz monstros”. Polêmicas à parte, toda esta redescoberta feita pelos artistas surrealistas do século 20, como Max Ernst, Picabia, Salvador Dalí, Pablo Picasso, André Breton, Joan Miró, entre outros, trazia consigo uma nova maneira de compreender e fazer arte: o surrealismo.

Na verdade, os artistas dos séculos XVI, XVII, XVII e XIX sequer imaginavam que suas obras seriam consideradas surrealistas um dia, mas o que é inegável é que, após o surrealismo, toda obra que remete ao mundo dos sonhos não consegue mais fugir à conceitualização ou ligação com a arte e com as idéias surrealistas.

As Origens

O surrealismo começou como uma moderna escola de literatura e arte, iniciada em 1924, pelo escritor francês André Breton. Suas principais características eram o desprezo dasconstruções refletidas ou dos encadeamentos lógicos e, ao mesmo tempo, o apreço pela ativação sistemática do inconsciente e do irracional, do sonho e dos estados mórbidos, valendo-se, para tal, do uso freqüente da psicanálise, que estava então surgindo com toda força.

O surrealismo visava, em última instância, uma renovação total dos valores artísticos, morais, políticos e filosóficos, ou seja, o movimento sempre teve como perspectiva uma mudança completa da arte, da cultura e da vida. Como já foi dito, seu nascimento ocorreu, pra valer, nos anos 20, mas seu fundador, André Breton, veio para este vale de lágrimas em 1896, para desaparecer, depois de muitas criações, brigas e paixões, em 28 de setembro de 1966.

Para os jovens burgueses que viviam em Paris no início do século, as primeiras imagens sem razão nasceram das matanças produzidas pela Primeira Guerra Mundial. É exatamente que os surrealista e Goya não concordam, pois se para Goya a guerra é o sono da razão, para os surrealistas, é exatemente no âmbito do sonho, isto é, do inconsciente onde está a possibilidade de mudança do real.

Portanto, depois da morte dos amigos dos surrealistas na Primeira Guerra e da falência das instituições, não era mais possível esperar que a arte continuasse estática e racional, era preciso que ela transcendesse coisas como a razão instrumental, a lógica, que ultrapassasse a falência do racional em relação à barbárie que guerra representou.

Nessa época do pós-guerra, Breton “recruta” os rapazes que compartilhavam com ele o desejo de fazer um animado cruzamento entre as recentes descobertas de Sigmund Freud (o inconsciente, os sonhos, a libido etc) e as vítimas da barbárie praticada no mundo moderno em que eles viviam. Aproximaram-se então de Breton o dramaturgo Antonin Artaud(1896-1948) e o poeta e cineasta Jean Cocteau (1889-1963), entre os inúmeros garotos que acabariam por se tornar, a nova intelectualidade da França. Além da França, artistas de outros países se encantaram com as propostas de Breton; entre os muitos artistas que vieram se juntar a Breton e sua turma, destacam-se os espanhóis Luis Buñuel e Salvador Dalí.

O primeiro, cineasta, fez entender que o surrealismo poderia ser também cinematográfico. O outro, pintor, que o surrealismo poderia ser um negócio muito lucrativo. Breton que havia iniciado sua carreira artística como poeta e escritor, apesar de ter uma formação acadêmica na área de medicina.

Após 1920, data da recepção do dadá em Paris, por Breton e seus amigos, começam a tomar corpo as idéias surrealistas. Artaud chega em Paris neste ano, 1920. Imediatamente articula-se com as pessoas ligadas ao teatro. Logo estará com Charles Dullin no Théâtre de l‚Atelier. Firma-se assim desde o início como um homem do teatro, da representação. Suas participações também como intérprete no cinema são conhecidas, cobrindo praticamente a década de 1924 a 1935; começara em papéis para Abel Gance, Claude Autant-Lara e René Clair, (em Entr´acte,1924). Ao mesmo tempo que Artaud escrevia suas primeiras poesias_datadas de 1920/1921. Breton está fundamentando suas idéias sobre o surrealismo.

La Coquille et le Clergyman, filme baseado em um texto de Antonin Artaud é unanimamente considerado o primeiro filme surrealista. Porém, certos surrealistas como André Breton afirmaram que a diretora do filme Germaine Dulac havia traído Artaud e “feminizado” o roteiro.

Em 1929, surge “Um Cão Andaluz”, filme considerado como um clássico do surrealismo, feito por Buñuel e Dalí.

Surrealismo e dadá

À negação como um fim em si do dadá, o surrealismo apresenta uma perspectiva humana, almejava também uma solução do real e seus terrores através do inconsciente.

O surrealismo que aparece no Primeiro Manifesto do Surrealismo é uma arte recheada de esperança no ser humano. Os surrealistas foram grandes admiradores da figura da mulher. A poesia de André Breton, desde o “Poisson Soluble”(Veneno Solúvel) que acompanha o Manifesto, está cheia de exaltações do feminino e da presença desejável e tangível da mulher, da mulher-mediadora, da mulher-tesão, da mulher-libertadora dos desejos e da libido humana. A libertação do espírito em que se empenha o surrealismo, seus reenvios constantes ao "racional desregramento de todos os sentidos", ao desvelamento das vias reais do desejo e da imaginação da matéria, já bastaria para o diferenciar do episódio dadá. E dos vanguardismos do momento.

O Surrealismo e o Partido Comunista

A ligação do grupo surrealista com o Partido Comunista durará dos anos 20 até os episódios de 1930/31, com a ruptura do affaire Aragon (Front Rouge, 1932) e a denúncia do dirigismo que se instalara no comunismo soviético. Logo depois, o grupo surrealista formalizará a denúncia e a recusa do totalitarismo stalinista. Mais tarde, a questão ficará completamente esclarecida com a publicação do Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente, feita em 25 de julho de 1938, e firmada por Breton e Leon Trotsky, no México.

Os anos que se seguem são marcados por uma grande efervescência internacional do surrealismo (com atividades múltiplas, além de Paris, em Barcelona, Málaga, São Paulo e Rio de Janeiro, Lima e a revista Que em Buenos Aires; além de Praga, Bucareste, Tóquio, Cuba etc.).

Em 2 de fevereiro de 1937, Breton publica "L‚Amour Fou" (O Amor Louco).

1937 também é o ano de exposições em Tóquio, Londres, Santiago (logo seguidas das duas grandes mostras internacionais em Paris e Amsterdã, em 1938). Note-se que as exposições do movimento nunca foram montadas nos moldes tradicionais (só artes plásticas), visto incluírem poesias,textos, fotos, projeções, objetos e, via de regra, serem montadas numa instalação inédita para cada evento.

Os anos de 1939 a 45 (Segunda Guerra Mundial) são marcados pelo exílio de boa parte dos surrealistas. Embora as atividades grupais continuem em Bruxelas e mesmo Paris, iniciam-se as ativações no Chile, México e em todo o Caribe; em Nova York, Québec, Londres, Bucareste, Praga, Rio de Janeiro e Buenos Aires são reativadas. Exposições internacionais no México e em NovaYork, revistas etc. André Breton fala aos estudantes na Yale University — Situation du Surréalisme entre les Deux Guerres (Situação doSurrealismo entre as Duas Guerras)— e publica: Fata Morgana, Pleine Marge, Arcano 17. Reedita Le Surréalisme et la Peinture (O Surrealismo e a Pintura), seguido de Genèse et Perspective Artistiques du Surréalisme et Fragments Inédits (Gênese e Perspectiva Artísticas do Surrealismo e Fragmentos Inéditos); além da Anthologie de l´Humour Noir (Antologia do Humor Negro), em 1940, cuja edição fora interditada pela censura do governo de Vichy. De volta da América, no fim de 1946, Breton trará os textos de Ode a Charles Fourier (1947), Martinique Charmeuse des Serpents" (Martinica Encantadora deSerpentes) e Poèmes (Poemas) só foram editados em 1948.

Em Paris, Breton participa ativamente da campanha para angariar recursos e condições com vistas à liberação de Artaud do asilo de Rodez — realiza-se um ato público em 14 dejaneiro de 1947, com leitura de uma homenagem a Artaud, feitapor todos os colaboradores desta causa (lida em público porBreton) e uma sessão especial com o próprio Artaud. Data também de toda uma série de publicações, a partir de Artaud le Mômo, como Van Gogh, o Suicidado da Sociedade, La Culture Indienne (A Cultura Indiana), exposição de retratos e desenhos de seu período recluso etc.

Em 4 de março de 1948, Artaud é encontrado morto, sentado aolado de sua cama. Em 17 de março de 1947, ao assistir uma palestra de Tristan Tzara, na Sorbone, na qual Tzara faz críticas a algumas posturas do surrealismo, Breton inconformado na platéia, não aceita ouvir as, segundo ele, “mentiras de Tzara” e parte para as vias de fato. Por causa dessa briga e de seu não apoio a Artaud, quando este estava internado num asilo, Tzara passou o resto de sua vida num relativo ostracismo, à margem de qualquer vínculo com o movimento.

Tristan Tzara morreu, em Paris, no ano de 1963.

Em 1961, André Breton voltará a dirigir uma revista do grupo, "La Brèche", na qual propõe num de seus editoriais — Perspective Cavalière — a necessidade de se passar a dimensionar o movimento surrealista a partir da sua presente atualidade e não mais em função da primeira revista, La Révolution Surréaliste.

Em 1961, Breton publicou sua última coletânea de poesias: Le la. Ele ainda participou de mais três mostras internacionais, de 1961 a 1966. Reeditou os Manifestes du Surréalisme(1962), "Nadja" (1963), Le Surréalisme et la Peinture (1965)e a Anthologie de l‚Humour Noir (1966).

Em 28 de setembro de 1966, André Breton morre no hospital Lariboisière, Paris.

Surrealismo no Brasil

Aqui no Brasil, quando os dadaístas e surrealistas, à luz da “descoberta” do inconsciente e das teorias freudianas, começam a decretar o primado das formas livres, da inconsciência se sobrepondo aos apelos da razão e do cotidiano, Durval Marcondes, por sua vez, iniciava sua descoberta de Freud. Marcondes fez parte do movimento modernista brasileiro, chegando a publicar um poema na revista Klaxon, em agosto de1922 —quase seis meses depois da Semana de Arte Moderna.

Quando Durval Marcondes e Franco da Rocha fundaram a Sociedade Brasileira de Psicanálise, em 1927, vários escritores, como Menotti del Picchia, estavam inscritos entre os 24 primeiros membros, tamanha era a ligação entre os artistas e a pscanálise.

Em 1954, surge, em Paris, o movimento outsider Phases. O grupo não definia qualquer estética e propunha, grosso modo, apenas a liberdade para a manifestação do inconsciente. Anos mais tarde, mais precisamente em 1967, Walter Zanini, o primeiro diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP, organizou o Grupo Austral de pintura, o qual era umrepresentante do Phases no Brasil.

Surrealismo hoje

Em 1996, quando o surrealismo completava 100 anos de existência, foram feitas uma exposição em Nova York, uma série de lançamentos literários na Europa e, ainda, uma montagem surrealista, em palcos brasileiros. O museu Guggenheim, em Nova York, recebeu obras da artista Meret Oppenheim.

Na Europa, houve uma enxurrada de biografias e ensaios sobre o surrealismo, enquanto em São Paulo o diretor José Celso Martinez Corrêa estréiou, no dia 25 de setembro, a peça Para Acabar com o Juízo de Deus, do dramaturgo francês Antonin Artaud.

1996 foi, para o mundo, o ano do centenário do surrealismo. Agora, em 2004, o Instituto Tomie Ohtake faz uma interessante mostra "Sonhando de Olhos Abertos - O Dadaísmo e o Surrealismo na Coleção de Vera e Arturo Schwarz", abrigadas no Museu de Israel, em Jerusalém.






Fontes:
Folha de S.Paulo
www.itaucultural.org.br

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