Friday, September 19, 2008

HAKIM BEY

Hakim Bey e a anti-representaçãoJulho 3, 2008
Peter Lanborn Wilson, ou Hakim Bey, teórico de um novo anarquismo, alcança popularidade através de meios que pareceriam abandonados pela política há poucos anos atrás: um espécie de boca a boca, fanzines, sites, edições “piratas” e o coroamento, lançamentos pela Conrad. Triunfo do Creative Commons, Hakim Bey é fruto do mesmo tempo de Luther Blisset (ou Wu Ming), embora o questionamento que estes fazem da noção de autoria seja muito mais radical que o daquele (deixo isto para outra hora).

Como convém a este tipo de publicação, não se deve espera teses acadêmicas em seus escritos. Como num blog, espaço informal, a escrita de Hakim Bey é direta; nem por isso, contudo, deve-se diminuir sua importância: seria sem sentido desqualificar Thomas Paine porque ele escreveu seu Common Sense como um folheto em favor de Alexander Hamilton, que legou suas reflexões num jornal, os Federalist Papers. A forma do que escreve Hakim Bey, o modo como é difundido, não devem ofuscar o arguto trabalho conceitual que opera. Não por acaso, Hakim Bey é o mais conhecido dos neo-anarquistas editados pela Conrad.

A contribuição mais significativa de Hakim Bey para o pensamento político contemporâneo é, além de seu “terrorismo poético”, sua formulação das Zonas Autônomas Temporárias (TAZ). Num mundo em que praticamente todos os espaços já foram tomados por alguma forma de poder institucionalizado, a TAZ define-se como uma brecha ou intervalo entre ou dentro de poderes que, temporariamente, podem restituir as noções de autonomia e liberdade. A inovação da TAZ é assumir em si a transitoriedade – como “utopias piratas”, a TAZ não é tanto um lugar físico como um modo de estabelecer relações. A zona, assim criada, independe de uma materialidade – pode se dar na internet, por exemplo – ou de uma institucionalização – identificada como o ponto em que fracassaram as revoluções do passado. O interstício de poder, em termos foucaultianos, define-se pela prática.

A viabilidade da TAZ se dá justamente porque ela não pode ser medida. Como prática, e temporária, ela se auto-consome num movimento visando a liberdade; ao não se institucionalizar, ela não perde seu caráter espontâneo ou, em palavra do próprio Hakim Bey, “a visão ganha vida no momento do levante – mas assim que a ‘Revolução’ triunfa e o Estado retorna, o sonho e o ideal já estão traídos” (TAZ – Zona Autônoma Temporária, p. 13). Ataque antigo este à prática revolucionária, é o mesmo que jacobinos e bolcheviques já enfrentaram: uma vez atingindo o poder, institucionalizando-se, a revolução começa a cortar – freqüentemente de maneira literal – seus inimigos tanto à direita como à esquerda. A formulação de Hakim Bey, então, é uma tentativa de colocar-se à parte da contradição inerente a qualquer movimento revolucionário.


Taz, o diabo da Tasmânia, exemplo de TAZ

A TAZ não advoga a revolução, mas sim a “intensificação da vida cotidiana”. Sua preocupação não é o Estado ou a sociedade. Dita desse modo, ela parece ingênua, o que não é – o problema está em outro ponto. A própria TAZ enquanto conceito reflete seu conteúdo. Hakim Bey furta-se a defini-la, ela é um chamado à prática (uma prática que nada tem a ver com a valorização da ação pelos fascistas, é preciso dizê-lo já). Como conceito que se define por sua prática, a TAZ implica, essencialmente, uma crítica à representação política; como intensificação do cotidiano ela é uma alternativa às representações que regulam a vida em sociedade. Como se sabe, a representabilidade política tem sido o dogma política ocidental, seja ela numa forma restrita ou ampla. A alternativa de Hakim Bey a coloca em xeque por sua delegação de poderes que os que vivem sob ela a ela fazem, perdendo assim sua autonomia. A autonomia, contudo, não deveria implicar necessariamente em anti-representação, uma vez que sem representações política é fácil questionar a validade de outras representações – a liberdade sendo uma delas –, num caso extremo, as representações artísticas sairiam prejudicadas.

Todavia criticar Hakim Bey por uma suposta ameaça que suas idéias contêm é uma tática traiçoeira e perversa. Coloco, então, o problema de outro modo: a TAZ vista como anti-representação perde sua força e torna-se um conceito vazio, de cuja prática e sentimento nada se apreende, ao formulá-la como abolição de níveis representacionais porque representações são tudo que se pode constituir pela política. A questão, então, é conectar essas representações à vida cotidiana, tornando-as válidas, caso contrário abole-se a própria prática política. O niilismo inconteste que lhe subjaz – o qual mesmo Hakim Bey vê em seu conceito – deve ser combatido com armas que não estão presentes no próprio conceito, isto é, por algo que o torne contraditório, que coloque a TAZ como prática representacional.

Alguns paradoxos bem interessantes decorrem daí: para se realizar como prática a TAZ teria de se irrealizar como formulação – que é o problema básico da revolução –, ou para se (ir)realizar como representação a TAZ teria de se abster da realidade – seria impossível um mundo-TAZ, a única possibilidade de sua ocorrência é a existência daquilo que a contradiz, zonas heterônomas permanentes. Um e outro paradoxo trazem o problema da continuidade da política tal como a conhecemos. É difícil pensar num mundo sem política ou poder, mas pode-se imaginar outros modos como estes podem se organizar – e seria muita ingenuidade crer que a TAZ é sempre um espaço sem poder, quando ela é, na verdade, outro poder. De qualquer modo, a TAZ é a idéia mais estimulante dessa política, que talvez não seja a nossa, ainda (ou não).

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