Wednesday, February 29, 2012

A MÚSICA DAS ALMAS


Há ainda música em algumas almas. Para lá da vida quotidiana há um mundo elevado, como se depreende das peças de Shakespeare e dos escritos de Allan Bloom. É a música dos grandes livros que coloca alguns de nós acima do sustento e da vulgaridade do intelecto. É aí que somos deuses dançarinos, super-homens, criadores de vida. Só atravessando para o outro lado alcançaremos esse estado de beatitude.

Tuesday, February 28, 2012

A MENINA DA CONFEITARIA


A menina da confeitaria
traz-me o café
e sorri graciosamente
para mim
a menina da confeitaria
é simpática
com toda a gente
a menina da confeitaria
é um anjo
e merece o poema.

Sunday, February 26, 2012

EU SOU A REVOLUÇÃO!


"Todo o escritor que, pelo simples facto de escrever, não é levado a pensar: "eu sou a revolução!"...na realidade não escreve." (Blanchot)

De facto, porque não ser ousado, porque não assumir aquilo que somos, aquilo que queremos provocar. Se pensamos que, ao escrever, estamos a mudar o mundo ou, pelo menos, parte dele, se pensamos que o estamos a incendiar, porque não dizer claramente: "eu sou a revolução!". Se a vida é um milagre, se a passagem do macaco ao homem é um espécie de milagre, porque não sermos nós próprios escritores, poetas revolucionários e criadores de vida. Porque não sermos anjos e magos, como dizia Rimbaud ou, pelo menos, porque não o tentamos ser. Não há qualquer presunção, qualquer arrogância nesta magia. Somos a revolução.

O AMOR, A MULHER E A POESIA


Do lado da poesia, do lado do amor, do lado da mulher, eis onde tenho estado. Não sou definitivamente do económico, do útil, do cronometrado. Penso como Edgar Morin, como os surrealistas que o amor é "a nossa religião mais verdadeira". Daí que não me possa reduzir a um discurso marxista ou anarquista. Daí que tenha arriscado, que tenha partido vidros, que tenha afrontado o poder. Daí que rejeite a linguagem dos economistas.
A poesia não é apenas o acto de escrever poemas ou de os dizer, é uma forma de vida, é o gratuito, a dádiva, a generosidade, o desperdício propositado, o contrário da economia. Funde-se com o amor e com a liberdade. Por outro lado, há a mulher, "a obra mais bela da natureza", segundo Agostinho da Silva. Mesmo que ela muitas vezes se refugie no conforto e na segurança, compete ao poeta cantá-la e amá-la, compete ao poeta trazê-la para a poesia, pois ela já tem em si o amor e a loucura. E estes voltam a ser tempos de amor e de loucura.

Saturday, February 25, 2012

A ALMA

A ALMA

António Pedro Ribeiro

Afinal em Vilar do Pinheiro há quem teorize acerca da ganância, dos malefícios do dinheiro e da economia de mercado. Bastou voltar ao velho "Pinha Doce", junto à estação do metro. Afinal nem tudo se resume à luta de todos contra todos, ao amealhar dos trocos ou dos milhões para fazer a vidinha. Existe a alma, caro professor Allan Bloom. É a alma que nos faz viver, que nos torna capazes de criar. Tão pequenos são esses economistas da TV, que tudo reduzem ao cálculo interesseiro e à circulação de mercadorias. Ainda existe o homem capaz de pensar o homem, de fumar um cigarro no pátio e de contemplar o universo, de admirar a criança, de ter paixões que não sejam ridículas.

Tuesday, February 21, 2012

COMO MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO, COMO FERNANDO PESSOA


Como Mário de Sá-Carneiro
como Fernando Pessoa
no café, na mesa do fundo
no café, à mesa do mundo
os livros, o caderno,
a chavena de café, a cerveja
em vez da aguardente
como Sá-Carneiro, como Pessoa
assisto ao espectáculo do mundo
observo as crianças
a jogar no computador
a mulher a brincar com o bebé
que provavelmente
não virá a ser alguém brilhante
um artista
os pais são simpáticos
mas limitados
não têm elevações
nem saem da pasmaceira
mas, enfim, talvez destas crianças
que brincam á guerra no computador
talvez uma de entre elas
venha a questionar a máquina
e se torne sublime
daqui a uns anos
aos 15, aos 17, aos 18
talvez comece
a ler os grandes livros
bem sabemos que o caminho
será àrduo
que terá de ficar só
de se afastar do rebanho
mas esse é o caminho
da sabedoria
o caminho da alma
o romper com o cálculo interesseiro
com a ditadura da economia
o seguir em busca do eu
como em Mário de Sá-Carneiro
como em Fernando Pessoa.


Vilar do Pinheiro, Vip, 21.2.2012

Saturday, February 18, 2012

NICO

Nico a cantar "The End"
belíssima
tem orgasmos ao piano
belíssima
a voz soturna
os olhos tristes
porque partiste?

Nico
o coração está vazio
o cigarro na mão
à espera do homem
Nico
esse jeito só teu
de arrastar a palavra
de interpretar a canção
os olhos brilhantes
à espera do homem
belíssima
em transe
femme fatale.

Wednesday, February 15, 2012

MIGUEL ESTEVES CARDOSO, DO AMOR

Só um Mundo de Amor pode Durar a Vida Inteira Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'

Monday, February 13, 2012

O MUNDO DO CORAÇÃO


Não sou deles
definitivamente não sou deles
recuso o sacrifício
a poupança
o dirigismo
quando tenho dinheiro
estoiro-o
gasto-o
não sou do acumular
do anular
do homem pequeno
tenho um deus
dentro de mim
prefiro andar à solta
sem leis
sem limites
sem compromissos
sou este que sou
sem vergonhas
sem soluções miraculosas
mas aqui vivo
não tenhas medo
eu venho da Grécia
conheço a liberdade autêntica
sou capaz de te dar tesouros
não riquezas materiais, claro,
mas impérios de luz
estão para lá
da mediocridade
do homem comum
ouve,
há um mundo
um mundo em nós
que a economia não mede
que a economia teme
um mundo que une
a beleza e a criação
um mundo de amor
um mundo de dádiva,
do espírito
e do coração.

Friday, February 10, 2012

ATENTADO À PEDRADA


"Sete estabelecimentos comerciais da Rua D. Diogo de Sousa, no centro histórico da cidade de Braga, foram "atacados" à pedrada na madrugada de ontem, tendo ficado com os vidros das montras partidos.
Um acto de vandalismo com assinatura já que a pedra alegadamente utilizada para partir as várias montras foi embrulhada num papel A4 com os dizeres: "revoltem-se"; "andam a roubar o nosso dinheiro", entre outras frases".
("Correio do Minho", 6.2.2012)