Wednesday, December 28, 2011

GORETI

Sou capaz de escrever textos muito bons, geniais segundo alguns. Mas também escrevo textos menores. Ou, pelo menos, repetitivos. Hoje ou amanhã, provavelmente amanhã, faz 19 anos que conheci a Goreti. Aquela menina mudou a minha vida. Para sempre. Aquela menina é um amor quando não desatina.

Monday, December 26, 2011

A MENINA


Uma menina ao fundo. Bonita. Come. Bebe meia-de-leite. Eu olho para ela. As obras na "Motina" nunca mais acabam. Fico-me pelos "Sonhos de Verão". Vai pagar a menina. Vai embora. Não sei o que lhe diria se me sentasse à sua mesa. Passa por mim. A imagem de Jesus na casa em frente. O jornal de hoje não me interessa. Só fala do Natal. A menina parte no seu carrinho. Não me sinto mal no dia a seguir ao Natal. Até julgo que me livrei de um fardo. Há quem comece a trabalhar bem cedo como o puto da confeitaria. Eu, definitivamente, não fui feito para isso. Apenas para escrever estas coisas e outras. Continuo a escrever no caderno. Continuo a escrever nos cafés e nas confeitarias. A ouvir as conversas do povo. A alimentar-me delas.

SOBRE A CRÍTICA DO ALEXANDRE TEIXEIRA MENDES A "CAFÉ PARAÍSO"

O Alexandre Teixeira Mendes situou-me entre o urbano, o beat, os situacionistas e a ebriedade. Penso que me situou bem. De facto, estou nos antípodas do lirismo e do bucolismo. Só uma parte dos meus escritos são realmente bons. Mas quem não tem escritos menores? Sim, sou essencialmente o poeta da urbe, dos cafés, da cidade, fundamentalmente do Porto e de Braga. A aldeia onde moro, Vilar do Pinheiro, é suburbana. Raramente canto as àrvores, as flores, os animais. Depois enquadro-me na filosofia beatnick, na rejeição do mundo do dinheiro, da gravata, do instituído, da norma. Estou com os situacionistas na rejeição da sociedade da troca e do tédio, na construção de um mundo livre, da liberdade absoluta em oposição às prisões quotidianas. Sou da ebriedade, de Dionisos, da loucura, da celebração, da festa, em ruptura com a normalidade, com o vazio deste mundo, com a ditadura dos mercados e da finança.

Saturday, December 24, 2011

TRIP NO PIOLHO

TRIP NO PIOLHO (texto de ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO)
[texto de antónio pedro ribeiro]

TRIP NO PIOLHO

Sou o maior poeta vivo. Poderia dizê-lo. Ainda estou vivo e não vejo outros melhores. Talvez esteja a exagerar. Mas o que é que me impede? Pelo menos, tal como Pessoa, escrevo a um ritmo frenético. Sou o maior poeta vivo. Bem, morto não estou. A médica fala-me de AVC's e de ataques cardíacos. Mas eu vou prosseguindo a viagem. Mesmo que venham dilúvios eu vou permanecer aqui. A conversa dos outros é a matéria-prima. Gostava das minhas primas mas já não as vejo há muito tempo. Segui o meu caminho. Para alguns, o caminho da perdição. Já me apelidaram de maldito. Os outros bebem e eu não. Não preciso. Estou com o pedal todo. D. Sebastião em Alcacer-Quibir com um exército de fantasmas. Sou o maior poeta vivo. O que ganho com isso? Ninguém paga a minha arte. Continuo a escrever. É isso que sei fazer. Poderia escrever continuamente durante horas e horas. Gasto tinta e papel. Têm um preço. Mas um valor muito superior. Porque raio é que uma maluca qualquer não vem falar comigo? Sou obrigado a ver jogos em cima de jogos? Sou o maior poeta vivo. Ser ou não ser, eis a questão. Só não utilizo palavras herméticas. Dama oculta, vem ter comigo esta noite. Dá-me o teu coração e a tua beleza. Estou no Piolho à tua espera, antes que chegue o chato do costume. Um homem puxa tanto pela cabeça e é esta a recompensa que tem? Estou lúcido como Álvaro de Campos. Pensar é a minha profissão. Passo os pensamentos para o papel. Hoje sou absolutamente capaz de o fazer. Não há limites, ó velhote do boné. No piolho escrevo o poema infinito. Escreverei até morrer. Emendo aqui e ali. Escrita automática et voilá. Eia, Breton, eia, Péret, eia, Artaud. Volto aos surrealistas. Por um lado, ainda bem que as mulheres não vêm. Nem elas nem ninguém. Produzo livremente. Olha, sou um trabalhador da palavra! E esta, ein, ó Fernando Pessa? Um operário da palavra. Um proletário, logo eu. Tantas vezes acusado de preguiça, de desleixo, de vadiagem. Sou vadio mas produzo. Vou montar uma fábrica. Empresário, eu? Deus me livre! E o que é que Deus tem a ver comigo? E o que é que é Deus? Porque se fala tanto em Deus? Deus morreu. Deus nunca existiu. Sou o maior poeta vivo. Bebo copos com ninguém. Estou em tertúlia comigo próprio. Olho as horas. Penso. Todo eu sou pensamento. Mas a miúda da mesa do lado fala. Existe. O velhote do boné também e o Adriano e os outros empregados e o sr. Martins e a Via Láctea e o Universo talvez até Deus
Poderia passar a vida a ler lia, comia, bebia, mijava, cagava e nem sequer fodia porque não me faria falta aliás, acho que se dá demasiada importância ao sexo posso viver como Fernando Pessoa posso julgar-me ao nível dele acho que vou voltar aos crofts e às macieiras há vinte anos em Ofir estava num determinado caminho de excesso a seguir uma via muito própria era único mas depois desviei-me as moedas em cima da mesa chegam para o café as duas miúdas que entraram são engraçadas o ministro das Finanças deprime-me se tivesse a carteira recheada ficava noite fora a beber tive dinheiro em Junho mas fiquei com tonturas por causa dos quadrados e dos rectângulos no chão ouço os meus semelhantes mas eles não me conseguem surpreender porra a merda do café também dá cá um speed imagina se passasse a tomar seis ou sete por dia o que não seria? Passar o dia inteiro a produzir sou o maior poeta vivo sou o pateta da caneta sou aquele que espera e não cai vou parar um pouco vou mijar interromper a obra-prima já disse, não vejo as minhas primas há muito tempo até gostava muito de uma mas enfim, não lhe liguei armei-me em poeta há qualquer droga que me faz escrever assim ou vem tudo da mente? Demente já fui agora sou um cidadão respeitável que vem escrever para o Piolho e que não deixa dívidas há 20 anos andei aqui aos berros por causa do Fidel o Tintin no ecrã o capitão Haddock com mil raios etc e tal chegarei a casa vivo ou desfalecerei exausto de trabalho? Tomai lá, ó obreiristas! Quem me explora? Onde está o meu salário?

[texto de antónio pedro ribeiro]

"CAFÉ PARAÍSO" NA "BRASILEIRA" DE BRAGA


As palavras são de António Pedro Ribeiro, na Brasileira de Braga, numa casa cheia, saboreando o “Café Paraíso” e partilhando poemas de café com amigos: “Faço declarações de amor a Braga e à Brasileira. Sou o poeta da Brasileira e do Piolho. (…) A cidade está viva e eu também.“. O jornalista Alexandre Praça contou histórias de tempos revolucionários e a fotógrafa Ângela Berlinde elogiou a poesia de António Pedro Ribeiro, o único poeta de café e um homem do mundo.

Friday, December 16, 2011

NA PÓVOA


Na Póvoa, de novo. Escrever é fazer parte do mistério. É cantar o mundo, cantar a vida. É estar aqui parado a puxar pela cabeça, é ir ao fundo do problema.
É também estar aqui a beber cerveja. A observar os outros. A agarrar a vida. Hoje tenho cacau nos bolsos para desbundar. Sou um escritor. Escrevo. Vivo das palavras. Venho ao local de encontro com duas horas de antecedência. Vou até Montalegre filmar. Bebo. Sou contra o mundo. Não aceito os mercados nem os governos dos mercados. Não tenho de alinhar com os alinhados. Sou um poeta maldito. Bebo. Estou à mesa. Começo a ficar farto dos poemas de café. Quero ser um poeta maior. Farto-me que digam que sou o último dos poetas de café. Quero ser maior. Como Rimbaud, como Shakespeare. Quero escrever como um bardo. Estou a caminho do reconhecimento em vida. Sim, agora sinto-o. Estou na via. Apesar das doenças, estou na via. Não me tirais isso, ó vendilhões. Não me tirais isso, ó merceeiros. Bebo. Estou ébrio de vida. Celebro a vida. Sou o poeta à mesa que aguarda o Conde Ferreira. Bebo porque tenho o direito de beber. Bebo porque estou à mesa vivo. Os outros abandonaram o café. Eu estou vivo. Mais vivo do que nunca. Escrever é a minha missão. Sou o homem que escreve em frente ao copo. Nada mais. Se tivesse mais dinheiro passava o dia a beber. Claro, conversava com as minhas amigas. Não, não alinho nessa estratégia de esconder-me do mundo, nesse colocar-me totalmente à margem. Sou de mim. Sou dono do copo. Escrevo o que me apetece, o que me dá na real gana. Não sou, de facto, inferior a alguns que andam por aí a pavonear-se. Venho dos grandes. Nada tenho a ver com o BPN nem com o Cavaco. Sou um homem livre, pronto a enfrentar o mundo. Estou aqui na Póvoa. A Póvoa já me deu muito. Estou como o Jaime com dinheiro para a cerveja. Já não sou do Bloco de Esquerda. Mas ainda tenho opiniões políticas. Não quero bancos. Não gosto de bancos. Nem sequer tenho conta bancária. Os mercados fodem-me a cabeça. A Europa a ruir e eu aqui. Sou louco, muito louco. Estou-me nas tintas para a Merkel! Quero a Europa a cair de vez. Esta Europa. Também não atino com governos de banqueiros e tecnocratas. Estou farto. O que é que o Lobo Antunes diz mais do que eu? Eu escrevo sobre mim próprio. Fernando Pessoa também o fazia. Não estou em crise. Não atireis a crise para cima de mim. Sou escritor. Publico livros. Ganho algum dinheiro com os livros. Não tenho que obedecer ao governo, não tenho de dar o benefício da dúvida ao governo. Odeio o governo. Defendo um golpe militar como o Otelo. Não me domesticais. Estou à mesa e escrevo. Faço disso a minha vida. Aqui na Póvoa, hoje, proclamo a minha soberania. Não me atireis Cavacos! Não me obrigueis a ouvi-lo. Estou farto desses chacais. Sou o homem do mundo. Sou o homem que dança. Bebo. Com todo o direito. Já não sou nenhum puto. Bebo, porra! Não me venhais dizer o que tenho de fazer. Bebo, sou bêbado, tenho todo o direito a sê-lo. Não me atireis cavacos. Não me atireis conversa fiada. Estou farto do Passos e do Cavaco. Quero que caiam! Estou farto do paleio da economia. Não, não conteis comigo. Eu estou na estrada certa. Eu estou na estrada larga. Sou de Whitman, de Miller. Não sou dos menores. Estou farto de menores. Escrevo. Faço horas neste café à espera do Conde Ferreira, como em Paredes de Coura. Vivo. Tenho palavras, solto palavras. Sou o anjo maldito. Não sou dos mercados. Quero que os mercados se fodam e o Paulo Bento também! Basta! Estou farto de mediocridades. Estou farto de poetas menores. Sinceramente, depois do décimo livro, já não me situo no clube dos poetas menores. Sinceramente já percorri um caminho. Não sou dos que se andam para aí a pavonear-se. Sou Deus. Eterno e omnipresente. Nada tenho a perder. Tenho tudo a ganhar. Não, não me atireis os escritores da moda. Estou farto deles. Escrevo melhor do que eles. Sou capaz. Eu sei que sou capaz. Não, nada de menoridades. Sinceramente, ao décimo livro, atingi um patamar. Não sou o poeta da moda. Não sou o poeta “in”. Vou até ao fim. Farto-me de futeboleiros.

Sunday, December 11, 2011

A LINGUAGEM DO INÍCIO DO MUNDO


A LINGUAGEM DO INÍCIO DO MUNDO

Pensar todo o pensável. Exercitar o pensamento. Poderia passar a vida a pensar. Mas depois há o amor, a liberdade. Acabo por não me fechar totalmente no meu pensamento. Lanço pontes para o mundo. Tenho necessidade de comunicar. Poderia passar os dias aqui em Braga com a Gotucha e dedicar-me ao livro. Ao livro que já está, em parte, em “Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller…” mas que importa continuar a construir. Ao livro que pretende construir o homem. O homem que, apesar das suas fragilidades, se eleva e se enobrece no café. O homem que aspira a ser santo. Que vê o mundo com novos olhos. Cujo pensamento se liberta. Que ainda é o poeta beat mas que dele se afasta. Sou feliz aqui em Braga. Posso dizê-lo. Não sinto isto em mais nenhum lugar. Espero a Gotucha. Ela dá-me o amor. Já não estou deprimido. Estou curado, ouço a voz do meu pai. Não te inquietes mais com o que tens de comer ou de beber. Segue a via. Continua na via que tens seguido e vai-te aperfeiçoando. Lê os mestres. Segue a via que conduz a si mesmo. Áquele que eras quando nasceste. Afasta-te da publicidade e da propaganda. Sê puro cada dia. Não ouças a voz da populaça. Bem sabemos que ainda ligas às glórias do mundo. Bem sabemos que amas o aplauso. Todavia, há em ti a sede de infinito. Há em ti o desejo de ser único. O desejo de beber o cálice sagrado, de o partilhares com as eleitas. Há em ti a vida abundante, a vida pela vida, fora do mercado, mesmo que aparentemente sejas apenas o homem à mesa. Vibras, explodes no acto da criação. Há espíritos que dançam em ti, ó poeta. Não, no fundo, nunca te deixaste enganar pelo ecrã. Não precisas de mediadores, tens-te a ti e à Gotucha. Tens um mundo dentro de ti. Estás inundado de vida plena. Hoje, 10 de Setembro, às 4:20 da tarde, no “Doce Convívio”. Compreendes a linguagem das crianças. Falas a linguagem do início do mundo. Tantas vezes não a conseguiste expressar, tantas vezes tropeçaste nas palavras e agora estás aqui com o olhar inaugural. Cedeste por vezes mas não caíste. Chegaste aqui. Estás no Uno. És único. Agarras a liberdade absoluta. Nada tens a ver, de facto, com os poetas menores. Conhecês-te-os, ouviste-os, mas não és deles. Nunca deste grande importância às flores mas agora começas a ama-las. És, de facto, o poeta. Aquele que vive a obra. Que não passa a vida a pensar na próxima refeição. Aquele que esquece as horas e está com a que esquece as horas. Aquele que toma café despreocupadamente porque está no início do mundo. Aquele que já não tem constrangimentos. Que pode ser aquele que realmente é, sem máscaras. Que tem o universo à sua mesa.

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Monday, December 05, 2011

O MEDO DE VIVER


O MEDO DE VIVER

por: António Pedro Ribeiro

A nossa sociedade está dominada pelo medo.
Como diz Joaquín EStefanía em "A Economia do Medo":
"hoje não se trata somente dos temores tradicionais da morte, do inferno, da doença, da velhice, do terrorismo, da guerra, da fome, das radiações nucleares, dos desastres naturais, das catástrofes ambientais, mas também do medo de um novo poder denominado de ditadura dos mercados, que tende a reduzir os benefícios sociais e as conquistas da cidadania do último meio século".
A ditadura dos mercados, entidade sem rosto, reduz-nos, via media, ao medo e à impotência.
Todos lhe prestam vassalagem, mesmo que aparentemente a critiquem, desde os governantes europeus e nacionais aos politiqueiros da oposição moderada.
E o medo impõe-se por todo o lado,
"o medo é uma emoção que imobiliza, que neutraliza, que não permite actuar nem tomar decisões com naturalidade",
ainda Estefanía:
"os que exercem o poder submetem os medrosos e injectam-lhes a passividade e a privatização das suas vidas quotidianas, levando-os a refugiarem-se no lar".
Daí que tenhamos uma sociedade ao estilo da do "Big Brother" de George Orwell onde todos desconfiam de todos, onde o companheirismo, a espontaneidade, o comunicar com o desconhecido começam a rarear.
Todos se fecham na sua concha.
É a sociedade-espectáculo de Guy Debord onde nos limitamos a ser espectadores de um filme que não controlamos, onde mulheres de sonho se passeiam pelos ecrãs sem que as possamos tocar.
É a sociedade da compra e venda em que por detrás de uma aparencia de alguma afabilidade se escondem os monstros da ganância, da rapina, da contabilidade, do economês, do medo: do medo de ficar desempregado, do medo dos jovens não arranjarem trabalho por muito que estudem, do medo de empobrecer, do medo de gastar o que temos porque aparentemente nem sequer é nosso.
Segundo Joaquín Estefanía:
"para nossa desgraça isto cada dia se parece mais com a Grande Depressão. Nunca antes tão poucos deveram tanto dinheiro a tantos".
Eis no que deu o capitalismo, eis no que deu a ditadura dos mercados: no medo de viver, no medo de existir.
É absolutamente trágico.

Saturday, December 03, 2011

SOPHIA

«Os ricos nunca perdem a jogada
Nunca fazem um erro. Espiam
E esperam os erros dos outros
Administram os erros dos outros
São hábeis e sábios
Têm uma larga experiência do poder
E quando não podem usar a própria força
Usam a fraqueza dos outros
Apostam na fraqueza dos outros
E ganham
Tecem uma grande rede de estratagemas
Uma grande armadilha invisível
E devagar desviam o inimigo para o seu terreno
Para o sacrificar como um toiro na arena.

Sophia de Mello Breyner Andersen
(Os Gracos. I Acto. II Cena – Obras completas - 1968)

Friday, December 02, 2011

A NOSSA HORA


A NOSSA HORA

Senhores sem escravos
eis a nossa sina
somos lúcidos, porra!
Discernimos
o bem da porcaria
vimos de outros lugares
da santa loucura
cremos na honra
cavaleiros do caos
e da nova aurora
não somos da moeda
mesmo que a usemos
somos lúcidos, porra!
Não vimos cantar as florzinhas
nada devemos a ninguém
caminhamos de cabeça erguida
bebemos o cálice da honra

cometemos erros, é certo
mas não temos
de carregar a cruz
bebemos com honra
nada temos que ver
com o vosso calendário
com o vosso quotidiano
com a vossa hora

fomos nobres outrora
reis, profetas
arautos da glória
odiamos o pequeno
a pequena intriga
vimos de Shakespeare, de Sócrates,
de Nietzsche
amamos a sabedoria
queremo-la como à mulher
ao balcão
que se insinua
loucos divinos
eis o que já disseram de nós
afastai de mim
esses versejadores menores
temos a honra, porra
Jaime, Carlos
temos a honra
meu pai
temos a glória
bem podem tentar
encerrar-nos no manicómio
bem podem tentar
converter-nos à máquina
nós fraquejamos
mas voltamos sempre
não somos da bola
somos eternos
magníficos
capazes da maldade
e da ternura
não, não nos confundais
com os menores
amamos o abismo e a loucura
combatemos ao lado
dos leões e das àguias
rompemos correntes
não, não espereis de nós
benevolência
sabemos ser amáveis, é certo
mas trazemos a espada
queremos as nossas damas de volta!
Queremos, como os aqueus,
a nossa Helena
estamos prontos para a guerra
tremei, ó menores,
chegou a hora.

Vilar do Pinheiro, Café Central, 1.12.2011



OS CEGOS E OS IMBECIS



Segundo a "Transparência Internacional", organização global da sociedade civil, a corrupção no sector público é um dos principais factores da crise da dívida em Portugal. Ainda de acordo com a organização, "os países da zona euro que sofrem crises da dívida, em parte devido à falha das autoridades públicas em combater o suborno e a evasão fiscal que são motores fundamentais dessa mesma crise" estão entre os estados da União Europeia com pontuações mais desfavoráveis.
Eis a origem da "nossa" dívida. Passos Coelho anda a sacar os subsídios aos reformados e aos funcionários públicos, anda a empobrecer os portugueses, em nome de dívidas contraídas por corruptos e burlões da política e da economia. Eis a moral dos governantes, dos mercados e dos banqueiros. Não temos de pagar dívida nenhuma. Não contraímos dívida nenhuma. Passos Coelho, Cavaco e os burlões que paguem a dívida. Deixemos, de uma vez por todas, em Portugal, como na Itália, como na Grécia, de acreditar nas patranhas que esses senhores nos vendem todos os dias. Deixemos de acreditar no Pai Natal e na banha da cobra. Acordemos de uma vez por todas. O império está a cair. Já mal disfarça. Deixemos de ser os cegos que se deixam dominar por este bando de imbecis, como dizia Shakespeare. Elevemo-nos, tornemo-nos senhores, cavaleiros, como outrora. Nada paga a nossa honra.


www.jornalfraternizar.pt.vu

Friday, November 11, 2011

A. PEDRO RIBEIRO NA WORLD ART FRIENDS


A. Pedro Ribeiro ou António Pedro Ribeiro nasceu no Porto no Maio de 68. Tem permanecido em Braga, Porto, Trofa e Vilar do Pinheiro (Vila do Conde). Está a lançar o livro de crónicas e pensamentos "Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os Mercados e Outras Conversas" (Corpos/World Art Friends" e publicou as obras de poesia "Um Poeta no Piolho" (Corpos, 2009), "Queimai o Dinheiro" (Corpos, 2009), "Um Poeta a Mijar" (Corpos, 2007), "Saloon" (Edições Mortas, 2007), "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" (Objecto Cardíaco, 2006), "Sexo, Noitadas e Rock n' Roll" (Pirata, 2004), "Á Mesa do Homem Só. Estórias" (Silêncio da Gaveta, 2001) e "Gritos. Murmúrios" (Com Rui Soares, Grémio Lusíada, 1988). É fundador da revista literária "Aguasfurtadas". Colaborou o colabora nas revistas "Piolho", "A Voz de Deus", "Cráse", "Bíblia", entre outras. Actuou como diseur/performer nos Festivais de Paredes de Coura de 2006 (ao lado de Adolfo Luxúria Canibal e Isaque Ferreira) e de 2009 (com a banda Mana Calórica) e nas "Quintas de Leitura" do Teatro Campo Alegre em Outubro de 2009 com o espectáculo "Um Poeta no Sapato", local onde regressa a 26 de Maio com a performance "Se me Pagares uma Cerveja estás a Financiar a Revolução", acompanhado de Susana Guimarães. Coordena, com Luís Carvalho, as sessões de "Poesia de Choque" no Clube Literário do Porto e tem dinamizado as sessões de poesia dos bares Púcaros e Pinguim, no Porto. Foi activista estudantil na Faculdade de Letras do Porto e no Jornal Universitário do Porto. É licenciado em Sociologia e é cronista em jornais. Há quem lhe chame provocador, agitador profissional.

És um dos poetas portugueses com maior ascensão mediática da atualidade. O que significa para ti estar na moda?


R:Eu não sei se estou na moda. Mas sei que nestes tempos de agitação nacional e internacional os meus poemas e textos têm uma maior receptividade, sobretudo junto da juventude. Julgo que fenómenos como os "Homens da Luta" ou os Deolinda não tem acontecido por acaso, se bem que não se possam comparar a Zéca Afonso, José Mário Branco ou, claro, aos Doors. Contudo, creio que não podemos andar sempre agarrados ao passado. Penso que estamos a atravessar uma fase é que há muita gente que se começa a fartar dos políticos cinzentos, escravos dos mercados e de Bruxelas e mesmo da própria linguagem financeira, que só alguns iluminados entendem. Daí que um certo tipo de escrita mais subversiva, que apele à liberdade e à vida plena, entre mais nas pessoas. Acrescento, no entanto, que a moda e a fama, como há vários exemplos na história da arte, podem ser perigosas e criar ilusões desmedidas.

Uma das tuas facetas mais conhecidas é a declamação. Consegues reunir à tua volta mesmo quem por norma não gosta de Poesia. Fala-nos deste fenómeno.

R: Penso que isso também tem que ver com a resposta anterior. Eu não escrevo só textos subversivos ou sarcásticos mas creio que no contexto actual há um conjunto de pessoas que não se revê em certa poesia mais lírica, que eu respeito, e que aderem mais a algo que tenha a ver com a revolução interior, com as questões que colocam a si próprias no dia-a-dia, com a revolta pura e simples perante um mundo que não serve. Digo poesia há mais de 22 anos, já fui vaiado, já tive recepções indiferentes, mas também tive, digamos assim, noites de glória, onde há pessoas que se comovem e que vem falar comigo no fim. Eu não vou dizer que falo a linguagem do cidadão comum, nem sequer ando atrás de maiorias, mas penso que, e este último livro é também um livro de reflexão, que a minha linguagem, talvez por influência do jornalista que já fui, não é hermética nem difícil e fala da vida concreta, não a vida da mecearia, mas, muitas vezes, a vida do homem que vai ao café ou ao bar e observa os outros, sendo também actor. Por outro lado, para dizer bem um texto meu ou de outro, eu tenho de senti-lo. Penso que é também por viver sobretudo os meus textos que as pessoas aderem mais.

Onde entra, na tua carreira artística, o A.Pedro Político?

R:A política, para mim, não faz sentido sem a arte. Como diziam os surrealistas é impossível separar os problemas do amor, da liberdade, da revolução. Fui militante do PSR e do Bloco de Esquerda e candidato a várias coisas mas fartei-me da separação dirigentes/dirigidos e duma linguagem eleitoralista, quase sempre económica, que não questiona o que estamos a fazer aqui, o sentido da vida. Eu intervenho na praça pública. Ainda há dias fui dizer poemas contra os mercados e os banqueiros para a Avenida dos Aliados. Tenho colaborado com organizações anarquistas. Mas sei que o essencial é a construção de um homem novo, na esteira de Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller e mesmo Jesus, um homem livre que dance e cante, que ultrapasse o homem pequeno dos mercados, da competição e da mercearia. É por esse homem que me bato

Qual foi para ti o momento mais alto, até agora, da tua carreira?

R: O momento mais alto da minha carreira foi a actuação no Festival de Paredes de Coura 2006 ao lado do Adolfo Luxúria Canibal e do Isaque Ferreira. Foi no Centro Cultural. Estavam 500/600 pessoas. Eu improvisei. As pessoas riam, divertiam-se, tive uma ovação enorme. Depois veio a bad trip. A fama subiu-me à cabeça...ouvia vozes, tive alucinações.

Fala-nos dos teus projetos futuros.

R: Quero que os meus livros andem por todo o lado, como a Bíblia.


Obras marcantes:
"Assim Falava Zaratustra", Nietzsche.
"Plexus", Henry Miller.
"Os Cantos de Maldoror", Lautréamont.

Fonte de inspiração:
Algumas mulheres.
Tudo o que me rodeia.

Filme Preferido:
"Appocalipse Now", Francis Ford Coppola.

Canção de Eleição:
"The End" dos Doors.

Imagem:
a morte de Che Guevara.

Palavra:
Livre.

Jantar:
com aquela que amo.

Thursday, November 10, 2011

OS CHACAIS E OS ABUTRES


"A crise continua a ser aproveitada pelos maiores investidores, entre os quais Warren Buffett. A Berkshire Hathaway investiu 23,9 mil milhões de dólares (17,4 mil milhões de euros) no terceiro timestre do ano, o montante mais elevado dos últimos quinze anos. Na informação revelada em comunicado à SEC, regulador do mercado de capitais norte-americano, a Buffett revela que a maior parte do investimento se concentrou em empresas cotadas dos sectores comercial, industrial e outros."
(Jornal de Notícias, 8/11/2011)

Eis os respeitáveis investidores. Eis o rosto dos mercados, as aves de rapina, os chacais, os abutres, que jogam no casino global e nos sugam o sangue. Warren Buffett, Berkshire Hathaway, afinal há nomes. É a estes senhores que os governos de Obama, Merkel, Sarkozy, Passos Coelho obedecem. É em nome destes senhores que nos pedem a pele e sacrifícios sobre sacrifícios. Que se sacrifiquem o Buffett, o Obama, a Merkel, o Passos, o Sarkozy. Deixemos de lhes confiar o voto e a carteira. Desobedeçamos de uma vez por todas. Declaremos-lhes guerra. Não podemos suportar mais facadas. Não permitamos que nos transformem em macacos iguais a eles. Esqueçamos os futebóis e a propaganda que nos vendem nos media. "O carvalhal é nosso!" Eles estão a roubar o que é nosso. "Contra a pilhagem da volúpia, a volúpia da pilhagem", como dizem os Mão Morta.

CAFÉ PARAÍSO


‎1- "Café Paraíso" surge no seguimento de outros livros que publiquei como "Á Mesa do Homem Só", "Saloon", "Um Poeta no Piolho", que têm como pano de fundo a vivência dos cafés e também dos bares. É uma homenagem às figuras do café: o gerente, os empregados de mesa, a mulher que passa, que se passeia ou que está ao balcão, a que às vezes ofereces poemas e que raramente é tua, o bêbado, os teóricos... de café, os revolucionários de café, as tertúlias com poetas, escritores e outros. É também o retrato da cuscovilhice das mulheres, dos homens que passam a semana a falar de futebol sem outro assunto, do louco que berra, dos programas da tarde imbecis que passam na TV. É também o homem à mesa, o poeta, que escreve, lê e observa, que se revolta com o mundo dos mercados e da finança.
LANÇAMENTO ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO, PIOLHO, SÁBADO, 12, 18,30H APRESENTAÇÃO CARLOS MAGNO

Friday, November 04, 2011

POETA MALDITO


Ei, tu aí, Wall Street,
julgas-te toda-poderosa
mas não passas de uma treta
ei, vós, bolsas, mercados,
não sois mais
que tigres de papel
ei, multinacionais,
telejornais,
políticos
eu estou aqui
não me deixo levar
pela conversa
o caminho é meu
sofro
mas depois subo
não me condenais
prefiro ir
até ao inferno
ao menos lá
sou autêntico
ao menos lá
sou sincero
parto vidros
ameaço
ponho o país a arder

prefiro ser só
único
irrepetível
vou até ao fim
não me levais
a Europa está perdida
atirais palavras
ao caos
morreis aos poucos
não tendes futuro
"no future"
com os Clash
e os Sex Pistols
agora sou punk
pilho supermercados
não espereis de mim
moderação
estou farto
daquelas histéricas
na televisão
o caos aí à porta
e elas a dar prémios
absurdo
é absurdo
tendes pés de barro
sou o poeta
que vos desafia
hoje, 4 de Novembro
de 2011
cuspo-vos na cara
atiro-vos pedras
como em Atenas
sou o único
basto-me a mim próprio
sou soberano de mim
e das minhas ideias
sou vontade
posso
possuo
crio
destruo
sou eu próprio Deus
não quero notícias
não quero marcas
não quero mentiras
deixai-me a sós
com o meu espírito
deixai-me a sós
com Hamlet
não vos reconheço
não vos cumprimento
na rua
sou de mim
regresso a mim
não trabalho
não quero trabalhar
ide vós trabalhar
16 horas por dia
para o governo
eu não vos pertenço
eu permaneço
aqui neste café às moscas
é noite lá fora
e eu estou iluminado
abençoado pelos deuses
a escrita flui
cavalga
hoje nem sequer espero a mulher
a potência voltou
não sou o Rodrigues dos Santos
nem o Sousa Tavares
eu sou a POTÊNCIA
embriago-me sem álcool
dialogo com Sócrates e Jesus

Ei, Wall Street
ei, Bruxelas
ei, Frankfurt
olhai, sou um pássaro
sou uma luz
bem sei que nem sempre
dou importância à forma
mas este é o poeta maldito
não o queríeis?
Pois, é ele
aqui está
a assustar as velhinhas
e as vizinhas
ele aqui está
mais saudável do que nunca
mais lúcido do que nunca
o café é o seu castelo
daqui combate os inimigos
daqui abraça os amigos
a sua arma é a caneta.

UM ESCRITOR QUE SE PREZE

Um escritor que se preze deve aproveitar a inspiração. Um escritor que se preze deve fazer a revolução. Um escritor que se preze deve permanecer à mesa, deve escrever para o mundo em redor. Um escritor que se preze deve cantar o amor.

Wednesday, November 02, 2011


Poderia talvez escrever um texto épico mas não sei se sou capaz. Poderia invocar os deuses, iluminar-me a meio da tarde chuvosa.
Não consegui passar da segunda página do Lobo Antunes. Não sei se tenho algum problema com o homem. Serei "o homem livre na terra livre"? Não sei, há coisas que me reprimem. As iluminações não vêm. Tenho de escrever o que vem. A mente está bloqueada. Deseja a mulher ao balcão. Poderia escrever um texto épico. Tomei quatro cafés mas não fazem efeito. Estamos a meio da tarde e eu aqui. Acordei demasiado cedo. A Gotucha diz que faço bem em dedicar-me à filosofia e à literatura. O "Café Paraíso" está quase pronto. Não há motivos para andar deprimido. Está um pouco mais de luz lá fora. Não suporto o pimba televisivo da tarde. Possivelmente serei candidato à presidência de uma Câmara. Escrevo desta forma, aparentemente desconexa, como alguém disse. É a minha forma de escrever, pronto. Que querem? Não sou o Lobo Antunes. Tenho lido mais filosofia do que literatura. Procuro um livro que me encante. Sou único. Não sou o homem. Escrevo ao sabor dos ventos. Escrevo porque nada mais há a fazer. Escrevo porque não quero morrer. Estou aqui. Existo. Tenho todo o direito a estar aqui. Sou o único, porra. Outros trabalham, eu dedico-me à literatura. Escrevo. Não sou menos do que ninguém! Antes pelo contrário. Olho as horas. Gasto a caneta. As horas vão passando. Mais logo dá o Benfica. Não gosto de fado. Sou louco. Nada a fazer. Sou louco, porra! Não me barres a entrada, ó Sampaio! Estava alucinado, porra. é proibido ter alucinações? O país cai e eu subo. O país arde e eu também. Vou para a rua dançar.

REGRESSO À ALDEIA


O poeta regressa à aldeia. Escreve. Ninguém o ameaça. O "crash" das bolsas fá-lo feliz. A chávena de café à sua frente. Está ainda sonolento. Pensa na Gotucha. Pensa passar a tarde a ler e a escrever. É capaz de actos de loucura como recentemente em Braga. Não esperem dele respeitabilidade permanente. Já teve várias namoradas. Funga o nariz. Está constipado. É único, segundo Stirner. A televisão foi à vida. O poeta rejubila. Prefere o silêncio.

Sunday, October 30, 2011

FILHO DO SOL


A agitação mantém-se. Não consigo dormir. Escrevo para mim e para os deuses. Sou o intérprete da palavra divina. Não sou quem era mais. Sou o novo homem. O anunciado por Zaratustra. Olho a janela em busca da manhã. Ela ainda não vem. Uma parte de mim boceja mas não é suficiente para conseguir dormir. Sou do dia que principia. Sou filho do sol. Do Grande Meio-Dia. Ouço os galos. Nego Jesus. Terei algo a ver com ele. Também eu sou um pregador. Não da morte, mas da vida. Da vida que brota e se anuncia com a manhã. Da vida que é vontade e movimento. Celebro o triunfo da arte sobre a sobrevivência. Sou eu mesmo o artista/criador. Não quero sobreviver, sub-viver, quero viver. Quero a celebração permanente.

Saturday, October 29, 2011

TRIP NO PIOLHO


TRIP NO PIOLHO (texto de ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO)
[texto de antónio pedro ribeiro]

TRIP NO PIOLHO

Sou o maior poeta vivo. Poderia dizê-lo. Ainda estou vivo e não vejo outros melhores. Talvez esteja a exagerar. Mas o que é que me impede? Pelo menos, tal como Pessoa, escrevo a um ritmo frenético. Sou o maior poeta vivo. Bem, morto não estou. A médica fala-me de AVC's e de ataques cardíacos. Mas eu vou prosseguindo a viagem. Mesmo que venham dilúvios eu vou permanecer aqui. A conversa dos outros é a matéria-prima. Gostava das minhas primas mas já não as vejo há muito tempo. Segui o meu caminho. Para alguns, o caminho da perdição. Já me apelidaram de maldito. Os outros bebem e eu não. Não preciso. Estou com o pedal todo. D. Sebastião em Alcacer-Quibir com um exército de fantasmas. Sou o maior poeta vivo. O que ganho com isso? Ninguém paga a minha arte. Continuo a escrever. É isso que sei fazer. Poderia escrever continuamente durante horas e horas. Gasto tinta e papel. Têm um preço. Mas um valor muito superior. Porque raio é que uma maluca qualquer não vem falar comigo? Sou obrigado a ver jogos em cima de jogos? Sou o maior poeta vivo. Ser ou não ser, eis a questão. Só não utilizo palavras herméticas. Dama oculta, vem ter comigo esta noite. Dá-me o teu coração e a tua beleza. Estou no Piolho à tua espera, antes que chegue o chato do costume. Um homem puxa tanto pela cabeça e é esta a recompensa que tem? Estou lúcido como Álvaro de Campos. Pensar é a minha profissão. Passo os pensamentos para o papel. Hoje sou absolutamente capaz de o fazer. Não há limites, ó velhote do boné. No piolho escrevo o poema infinito. Escreverei até morrer. Emendo aqui e ali. Escrita automática et voilá. Eia, Breton, eia, Péret, eia, Artaud. Volto aos surrealistas. Por um lado, ainda bem que as mulheres não vêm. Nem elas nem ninguém. Produzo livremente. Olha, sou um trabalhador da palavra! E esta, ein, ó Fernando Pessa? Um operário da palavra. Um proletário, logo eu. Tantas vezes acusado de preguiça, de desleixo, de vadiagem. Sou vadio mas produzo. Vou montar uma fábrica. Empresário, eu? Deus me livre! E o que é que Deus tem a ver comigo? E o que é que é Deus? Porque se fala tanto em Deus? Deus morreu. Deus nunca existiu. Sou o maior poeta vivo. Bebo copos com ninguém. Estou em tertúlia comigo próprio. Olho as horas. Penso. Todo eu sou pensamento. Mas a miúda da mesa do lado fala. Existe. O velhote do boné também e o Adriano e os outros empregados e o sr. Martins e a Via Láctea e o Universo talvez até Deus
Poderia passar a vida a ler lia, comia, bebia, mijava, cagava e nem sequer fodia porque não me faria falta aliás, acho que se dá demasiada importância ao sexo posso viver como Fernando Pessoa posso julgar-me ao nível dele acho que vou voltar aos crofts e às macieiras há vinte anos em Ofir estava num determinado caminho de excesso a seguir uma via muito própria era único mas depois desviei-me as moedas em cima da mesa chegam para o café as duas miúdas que entraram são engraçadas o ministro das Finanças deprime-me se tivesse a carteira recheada ficava noite fora a beber tive dinheiro em Junho mas fiquei com tonturas por causa dos quadrados e dos rectângulos no chão ouço os meus semelhantes mas eles não me conseguem surpreender porra a merda do café também dá cá um speed imagina se passasse a tomar seis ou sete por dia o que não seria? Passar o dia inteiro a produzir sou o maior poeta vivo sou o pateta da caneta sou aquele que espera e não cai vou parar um pouco vou mijar interromper a obra-prima já disse, não vejo as minhas primas há muito tempo até gostava muito de uma mas enfim, não lhe liguei armei-me em poeta há qualquer droga que me faz escrever assim ou vem tudo da mente? Demente já fui agora sou um cidadão respeitável que vem escrever para o Piolho e que não deixa dívidas há 20 anos andei aqui aos berros por causa do Fidel o Tintin no ecrã o capitão Haddock com mil raios etc e tal chegarei a casa vivo ou desfalecerei exausto de trabalho? Tomai lá, ó obreiristas! Quem me explora? Onde está o meu salário?

[texto de antónio pedro ribeiro]

Friday, October 28, 2011

O HOMEM DO ESPÍRITO E DO CORAÇÃO


O HOMEM DO ESPÍRITO E DO CORAÇÃO


O poder foi tomado por um bando de mentirosos" (Vasco Lourenço)


O poder foi tomado por um bando de mentirosos que nos roubam os subsídios, as conquistas de dezenas de anos, e o próprio ser. O governo de Passos Coelho está ao serviço do poder financeiro, dos "mercados" e dos banqueiros que sacam à vez, da ditadura de Obama, Merkel e Sarkozy e da máquina infernal de propaganda, vulgo media. O hom...em e a mulher, reduzidos a escravos e macacos, afundam-se cada vez mais na depressão, em doenças mentais, no suicídio. O homem está a ser assassinado na sua essência, privado dos seus direitos fundamentais, está a tornar-se num sub-homem com uma sub-vida. Contudo, ao mesmo tempo, vemos as revoltas na Grécia, em Itália, em Inglaterra e mesmo em Portugal. Começa a ser a hora do tudo ou nada, do agora ou nunca, acabou o tempo das "risadas e das doces mentiras". Um novo homem está a nascer dos escombros do capitalismo, um homem que questiona, que cria, que sai para a rua, que parte os bancos e as montras das lojas de luxo. Esse homem não aceita mais as patranhas da TV e dos comentaristas do regime. Esse homem sabe que chegámos a um ponto onde estamos entre a revolução e a barbárie. Esse homem é capaz de interpretar o mundo de hoje e de transformá-lo. Não suporta mais ver o seu irmão cada vez mais a dormir nas ruas, a pedir nas ruas. Não aceita mais ser governado por macacos e imbecis, que nada têm na mente, a não ser números e finanças. Não se identifica com o sub-homem, que se reduz à bola e à intriga. Esse homem diz "merda para Deus" e para todos os deuses, a começar pelo dinheiro. Esse homem vale por si mesmo e é a medida de todas as coisas. Não aguenta mais ser enganado, escravizado. Esse é o homem do espírito e do coração.



ELES ROUBAM-NOS A VIDA


Não, não me venham com histórias. Há dias em que estamos embriagados, dias em que estamos sob o "efeito coca", mágicos, triunfantes, mas isso é sempre passageiro e este mundo de tédio e castração que nos vendem todos os dias vai-nos assassinando, não presta. É o dia dos horários de trabalho, do lazer consumista, do tempo que nos roubam, da vida que nos roubam. São as notícias e a programação imbecil que nos espetam nos cornos e que nos fazem a cabeça. São as relações de tédio, sem amor, que imperam entre as pessoas dentro e fora do trabalho. É a escola que reproduz relações mecanizadas e de subserviência. São as relações de mercado, de compra e venda generalizadas. É a competição e a luta pela sobrevivência. Não, de facto, isto a que chamam "vida" em pleno sec. XXI, em pleno capitalismo dos mercados fede, não presta. Importa dizer que o ser humano está a ser assassinado na sua essência. O sentido da festa, da celebração perde-se em comemorações artificiais ou futebolísticas. A felicidade é uma miragem. A liberdade é sempre condicionada. Importa que o ser humano se consciencialize, que seja capaz de se bater por um mundo de espírito e de coração e não de luta desenfreada. Importa que todos os entediados e todos os deprimidos tomem consciência de que estão a ser oprimidos e que se levantem contra essa opressão. Porque a infelicidade não pode ser mais aceite como uma fatalidade. Porque alguns, os que lideram a máquina, são responsáveis pela nossa infelicidade e pela nossa morte em vida. Não tenhamos dúvidas. Eles roubam-nos a vida. Os macacos da propaganda e dos mercados e todos os que os servem violentam-nos todos os dias.

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Wednesday, October 26, 2011

HÁ DIAS, NOITES


Há dias, noites
em que escrevo
sem limites
em que me atiro
de caras
ao infinito
todo eu sou loucura
embriaguez
estou-me nas tintas
para a vossa tranquilidade
há dias, noites
em que tenho asas
em que navego
por mares revoltos
em que sou
vontade e potência
em que canto
o caos e a barbárie
não, não espereis
de mim o homem tímido
nem a concórdia
sou a viagem
e o delírio
aquele que vem
dos santos
e dos séculos
o ouro primordial.

VIVO


Eles tentam dizer-me
que a vida é agradável
eles tentam dizer-me
que nada se paga
eles tentam vender-me
os sorrisos da treta
as mulheres inacessíveis
que surgem no ecrã
eles tentam alterar-me
o raciocínio
fazem-me cair
deprimido
sem alma
não vão conseguir
não podem conseguir
eu estou vivo.

Tuesday, October 25, 2011


Tremo. Afasto-me do mundo. Estou cada vez mais louco. Cada vez mais longe da minha espécie. Tão longe. Vejo um anjo. Atravesso a aldeia. Sou espírito. Voo. Tudo em mim é excesso. Quero escrever como Zaratustra.

Monday, October 24, 2011

ANIMAL DE PALCO


Nos últimos tempos, apesar de ter vários amigos e amigas, João continuava a ser um solitário. Na aldeia onde morava, João só falava com três ou quatro pessoas: o barbeiro, a D. Rosa, o intelectual da aldeia, o gerente do hipermercado. Como não se metia nas conversas do futebol, como não se dava a conhecer, como raramente apanhava bebedeiras na aldeia, João mantinha uma relação distante com as pessoas: bom dia, boa tarde, mais nada. João era profundamente urbano. Tinha as tertúlias, com outros poetas e escritores no Piolho, tinha as noites de poesia no Púcaros e no Pinguim, tinha as amigas. A aldeia aborrecia-o, enchia-o de tédio, nada se passava. As mulheres, quando apareciam, pareciam já tomadas. É claro que João ocupava o tempo a ler e a escrever, sobretudo na confeitaria "Motina", onde não havia televisão, e cujo gerente viria a suicidar-se. Há muito que João havia abandonado as ideias de suicídio, sentia-se pleno de auto-estima, com as revoltas anti-capitalistas no país e no mundo e também com o ritmo da sua escrita, com os livros publicados e a publicar. Na esplanada da confeitaria "Ni", que tinha uma empregada linda com uma voz muito doce, joão olhava as àrvores e sentia o vento de outubro, desejoso de uma mulher para fecundar. Era o poeta à mesa, o Peter Owne que ele desenhava aos 15 anos, o poeta beat das barbas. Lembrou-se do Carlos Pinto, o antigo gerente do Púcaros, que foi um exemplo de camaradagem, afectividade e de busca do verdadeiro socialismo. "Aqui, no Púcaros, não há classes", proclamava. João cresceu com essas noites de poesia, onde a palavra se inflamava sem censuras. Conheceu grandes ovações, pessoas que o vinham felicitar no fim da performance mas também recepções frias, fracassos. Contudo, não há dúvida, tornou-se um animal de palco. Agora queria mesmo uma mulher para fecundar, para criar o homem novo, fora da máquina. João acreditava no super-homem de Nietzsche. Pensava que ele só poderia vir dos artistas, dos verdadeiros criadores. E ele era, naturalmente, um deles. Quão distantes pareciam os tempos da depressão. Agora todo ele era tempestade, brilho, fogueira. Até esquecia o tédio da aldeia. Começava ali um novo ciclo, um novo mundo, um novo paradigma.

Saturday, October 22, 2011

LIVROS COM RUM


Esta semana recebemos António Pedro Ribeiro. Fundamentalmente Poeta, mas não só. É autor do livro de crónicas e textos filosóficos "Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os Mercados e Outras Conversas" (World Art Friends, 2011) e dos livros de poesia "Um Poeta no Piolho" (Corpos, 2009), "Queimai o Dinheiro" (Corpos, 2009), "Saloon" (Edições Mortas, 2007), "Um Poeta a Mijar" (Corpos, 2007), "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" (Objecto Cardíaco, 2006), "Sexo, Noitadas e Rock n' Roll" (Pirata, 2004), "Á Mesa do Homem Só" (Silêncio da Gaveta, 2001) e "Gritos. Murmúrios" (com Rui Soares, Grémio Lusíada, Braga, 1988). É fundador da revista literária "Aguasfurtadas". Tem publicado em diversas revistas e colectâneas como "Piolho", "Portuguesia", "Da Gaveta", "Bíblia", entre outras.

RÁDIO UNIVERSITÁRIA DO MINHO

DEMONÍACO


Nunca me vieram as personagens à cabeça. Nunca consegui escrever uma estória. Mas há algo em mim, uma pulsão primordial que me empurra para a escrita. Não tenho dúvidas de que escrevo melhor do que alguns a quem chamam consagrados. Há em mim torrenters, fogos, escrevo com a loucura. Sou um escritor demoníaco. Não é apenas o estar à mesa e escrever. É a paixão da escrita. As palavras explodem. É uma experiência mediúnica. Às vezes tenho visões. Vejo o além-Deus. É muito mais do que contar uma estória. É muito mais do que vender livros. É dizer o que há muito não é dito. É viver e sofrer com a criação as dores do parto. É celebrar o milagre da vida. Sim, recupero o fôlego de segunda-feira. Todo eu sou vertigem. Não aceito que governos e patrões a abolir o meu eu. Amo verdadeiramente a terra. Voo. Tenho asas. Atingo as alturas. Não me atires televisões. Esta é a minha hora. Tenho o sangue sagrado.

Friday, October 21, 2011

DO NOVO HOMEM


Não suporto mais estes políticos e economistas que nos atiram para a barbárie. Não suporto mais os discursos deles. Não acredito neles. Acredito, sim, no renascimento intelectual de alguns homens. Acredito que poderá nascer um novo homem sobre a terra. Apesar de tudo. Apesar de tudo empurrar para a competição, para a ganância, Não sou desse mundo. Canto a canção do homem livre, da Criação. Sou este que vedes agora. Raramente tenho ocupações remuneradas. Sou o poeta. Assim me tratam. Posso não estar completamente solto mas prossigo viagem. Escrevo as palavras da loucura. Vivo. Olho as miúdas. Assisto à ruína do país. Uma multidão sai do Alberto Sampaio. Não tenho horários a cumprir.

MARIA


Hoje fui acariciar a Gotucha à cama. Nunca deixam ficar bem aquela menina. A gaja do beijo na boca apareceu no café. Se ela soubesse...de qualquer forma, escrevo. Se não escrevesse não seria o mesmo. Dedico-me à escrita. É a minha missão. Dizem que sou o único poeta a escrever nos cafés. De qualquer modo, o café sabe bem na boca. E desenvolve o intelecto. Também eu combato os meus demónios. Há dias em que eles sobem à cabeça. Que tomam conta de mim. Que me infernizam a vida. Agora estou mais sereno. Enviei o poema de amor à Maria e não sei a reacção dela. A Maria é bonita e muito engraçada. E eu aqui a olhar para as liceais. Sou do mundo, sou do grande poema. Sou capaz da vertigem, da escrita vertiginosa. Regresso a mim mesmo. A gaja do beijo na boca vai embora. Tenho de voltar à escrita do "Á Mesa do Homem Só".

Tuesday, October 18, 2011

FALA COMIGO


Fala, fala comigo
conta-me tudo
diz-me quem és
por onde tens andado
o que fizeste na infância
celebra comigo
vamos noite fora
fala, fala comigo
somos loucos
conta-me os sonhos
vive
dá-te
és linda
vem
bebe comigo
vamos até ao fim
acredita
a mente abre-se-me
quero dar-te o trono
a minha glória
fala, fala comigo
não me abandones
bebe da taça
sê como és
um anjo na terra
fala, fala comigo
não receies seguir-me
em tempos caí
andei cabisbaixo
mas agora
sou aquele que era
que dança na pista
que vem do ouro
que faz a festa.

Sunday, October 16, 2011

A MISSÃO


A minha missão é, de facto, escrever. Estou aqui para isto. Não para fazer contas. Estudo. Avalio. Faço perguntas a mim mesmo. Não sou macaco. Sei ser amável e educado. É claro que, às vezes, não aguento e rebento. Torno-me arruaceiro, armo estrilhos. Incendeio. Mas seria capaz de ensinar as crianças. Seria mesmo. Já o fiz durante um mês em Lagos. Agora tento ser um filósofo. Penso que quase ninguém escreve ao ritmo a que eu o faço actualmente. E escrevo cada vez melhor. Nada tenho a ver com a conversa dos mentecaptos. Estuda-se na escola e depois abandona-se totalmente o estudo. Platão dizia que deveríamos estudar continuamente até aos 40/50 anos.
Já vi tanta coisa que quase nada me surpreende. Mas enfim, este pessoal lá vai falando e sub-vivendo. Não quer saber de manifestações. É só bola na tola.
A minha missão é escrever. Estou como o Lobo Antunes. Aprecio a conversa do homem, apesar de nunca ter lido um romance dele. Todavia, não há dúvida que estou com um nível de produção fantástico. Não é por mim que o país vai à falência. Eh!Eh! Era mesmo genial ocupar a "Casa dos Segredos". Fazer a revolução em directo na televisão. Ah!Ah!Ah! António Pedro, começa a chegar a tua hora. O PRL vai ser legalizado. A revolução começa a estar nas ruas. A missão é escrever e agitar. Sou um agitador profissional. É o que sou. Acredito cada vez mais. Tenho vários livros para publicar. Não posso morrer nos próximos anos. Tenho de estar aqui, vivo, no meu país. Não vou fugir. Tenho uma missão. Não paro de escrever. Obedeço ao além, aos reis do além. Estou em Jesus. Descendo dele.

FAROL


Regresso ao "Farol". O café da Sónia e a Sónia foram à vida. Emprestei-lhe livros, oferecia-lhe poemas, falava com ela. É pena. O "Farol", por sua vez, foi outro dos meus cafés dos 17/18/19 anos. Fica a marca. Estas memórias entravam bem no "Café Paraíso" mas agora já não dá. Estou condenado a olhar para as vedetas televisivas. Sorrisinhos. Ride-vos, ride-vos que os bancos estão a rebentar. Ride-vos, ride-vos, que o capitalismo vai acabar. Curiosamente agora falam de um filme sobre o "Uivo" de Allen Ginsberg. O caos está mesmo aqui. AH!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah! Não há escapatória. O poeta não encontra ninguém para falar mas também não faz diferença: assim produz mais. Está fresco. Pede mais um café. Sem café o poeta não produz. Talvez comece a escrever sobre a composição e as características do café. Não há dúvida que aqui no "farol" é saboroso.

Friday, October 14, 2011

O POETA É UM INCENDIÁRIO


O POETA É UM INCENDIÁRIO



Os poetas, alguns poetas, são incendiários. São capazes de pegar fogo ao mundo. Quer através da palavra escrita, quer através da palavra dita. Aliás, na antiga Grécia, havia poetas que eram requisitados para animar as tropas para a guerra. O poeta, não o poeta lírico, não o poeta da corte, tem uma grande responsabilidade entre mãos. Pela palavra pode incendiar os que o lêem ou os que o ouvem, pode provocar a guerra ou a revolução. Não o esqueçamos. Além de médium, de mago, pode ser o incendiário. Há exemplos na História. A forma como certos poetas, certos bardos, acabam por influenciar muita gente. Não é nada de desprezível. Sobretudo nos tempos que vivemos, nos tempos de quase caos e barbárie. Não é necessário estar sempre a dizer: "Vem aí a revolução! Vamos todos para a rua!" Basta dizê-lo duas ou três vezes. O poeta dito maldito tem, de facto, uma missão, se calhar mais eficaz do que a dos partidos ou de outras organizações, a de acordar as pessoas, sobretudo os jovens. "We want the world and we want it now!", gritou Jim Morrison. "Merda para Deus!", como proclamou Rimbaud. "Nem Deus nem amos", berram os anarquistas. O poeta não está à venda, está cá para incendiar. O país e o mundo já ardem e o poeta deve atear ainda mais o incêndio. "Vamos pegar fogo à noite", ainda os Doors. Ao pegar fogo também a si próprio, ao incendiar-se, o poeta deve igualmente cantar a mulher, deve provocá-la, trazê-la para o fogo. O que não é fácil, porque se bem que a mulher seja selvagem, natural, ela também procura a segurança, o conforto, o sustento, o lar, a protecção de si e das crias. Mas o poeta, tal como Dionisos, deve ser capaz de arrastar consigo as bacantes. Deve amá-las. Não é como os outros. Provoca. Incendeia. Traz a luz. Rouba o fogo e a arte aos deuses, como Prometeu. O poeta é um incendiário.

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CAÇADORES DE PRÉMIOS

Há poetas e escritores que não vivem o que escrevem. Limitam-se a inventar personagens e estórias, a fazer ficção, não são realmente actores do seu drama, não vivem em si mesmos, não se expõem. Não vivem o fogo e a embriaguez, nunca desceram aos infernos, nunca viram Deus. Caçadores de prémios, artistas menores. Resumem-me a isso.

Primitivos. Ignorantes. Desconheceis tudo o que é grande, fugis dele a sete pés. Nunca tereis um pensamento sublime. Nunca atingireis Nietzsche, Holderlin, Shakespeare. Tudo quanto tendes é pequeno, medíocre. Sabe a contas, mexericos, servidão. Não mereceis sequer a liberdade. Limitai-vos a vegetar sem uma ideia própria, sem um demónio ou anjo que vos chame. Não mereceis sequer a vida.

Wednesday, October 12, 2011

WALL STREET


SEIS DA MANHÃ


São seis da manhã. Dói-me a cabeça. Estive a contar as estórias da minha vida. Estive a vivê-las nestas três horas de sono. Fui à "Filantrópica" à Póvoa falar com os putos e a chama começou a acender-se. Sabes como é. Começas a lembrar-te da infância e a mente abre-se. Há qualquer coisa que explode. As palavras surgem em catadupa. Torno-me o médium, o mago, aquele que interpreta. Dói-me a cabeça ainda. Dizem que a minha poesia é diferente das outras. É ácida, beatnick, sei lá. Talvez, como alguém disse, alguns poemas sejam quase pessoanos como a "Ilídia no Velvet". Mas dizem que ela é diferente. Talvez porque eu sou mesmo louco e procuro o que não há. O ouro perdido, o reino de aquém e de além. Sou esse poeta. O poeta que continua a ir aos bares e que faz a festa. O poeta que provoca as mulheres bonitas porque as quer dentro e fora do poema. O poeta que sabe ser insolente como o Joaquim Castro Caldas mas que se fecha em copas a escrever e a ler na mesa do canto. São seis da manhã e dói-me a cabeça.



INSULTAIS O ÁRBITRO



Insultais o árbitro
mas não insultais o grande papão
há manifs e detenções em Nova Iorque
no coração do império
olhai o vosso paraíso
olhai as pessoas felizes
no supermercado
olhai como dão vivas à vida
como saltam de alegria
olhai que as revoluções
não são só no Egipto e na Líbia
olhai o coração do império
olhai o império a cair
olhai Wall Street,
ó comentadores da bola
e do regime
falai de Wall Street
olhai a vitória do capitalismo
de pantanas
olhai a felicidade que fabricastes
olhai a treta do Obama
pois, Jesus está aqui
acreditemos nele
ó pregador de terceira
"Yes, We Can"
vendes banha da cobra
olhai a democracia global
a globalização redentora
ó benfeitores,
ó beneméritos,
olhai a felicidade dos dormitórios
olhai para as vossas conversas
maldizeis o Chávez e o Fidel
o comunismo acabou, ´não é?
O anarquismo não chegou a nascer.
Que tendes em casa?
A barbárie
o medo
a loucura
nunca mais comereis sossegados
as pilhagens estão aí à porta
the doors are open,
my friend
estou a falar do princípio
estou a falar dos homens livres
da idade do ouro
quando dançávamos
em redor da fogueira
quando celebrávamos o dia
e bebíamos até cair
não este tédio
não a lei de Wall Street
não uns a vigiar os outros
não todos a fingir
que estão vivos
não todos a fingir
que estão sãos
olhai o império a cair
falta pouco
a coisa está a explodir
na minha cabeça
não me faleis no Porto
não me faleis no Benfica
é a única conversa
que tendes?
Que o Porto joga às 8,15
que o Benfica ganhou ontem
olhai que as vossas conversas
vão ter que mudar
olhai que a vossa sanidade
está a dar o berro
olhai que a poesia
está a deixar de ser lírica
olhai que, aos 43,
finalmente dão-me razão
nem sequer preciso
de ir atrás dos partidos
nem sequer preciso
de ser de companhia
olhai como sou leve
como danço na pista
como sou verdadeiramente
um mago
não preciso de jogos
nem de resumos
não sou nenhum pateta atrasado mental
o Ronaldo foi mais para trás,
o Messi foi mais para a frente,
continuai
continuai assim
isto vai ser a doer
lembras-te de quando
querias que a noite
não acabasse mais?
Isso sim, era a vida
a vida na sua exuberância
não este corte
não esta corte
dos direitinhos
ides apanhar
com tudo nos cornos
Wall Street
vai rebentar.

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Thursday, October 06, 2011

A ARTE DE VIVER

A ARTE DE VIVER


A arte de viver, eis o essencial. Neste momento, não posso viver plenamente porque o olho esquerdo está vermelho e não o posso forçar. De qualquer modo, ainda posso expressar as minhas ideias e trocar impressões com os empregados do "Guarda-Sol". Expressar ideias, cultivar-se e trocar opiniões, eis três aspectos fundamentais da arte de viver. Não é apenas o activismo, é o facto de estar à mesa, beber um copo e trocar impressões. Ouvir os outros que mostram preocupação pela evolução catastrófica da sociedade, eis outro aspecto a ter em conta. Mas estaria sem dúvida melhor se pudesse ler à vontade a "Carta a Louis Pauwels sobre as Pessoas Inquietas..." de Paul Sérant. Porque também estou inquieto. Porque sou um homem que se preocupa com a sua felicidade e com a dos outros. Mas o mundo de hoje afasta a felicidade dos homens, da esmagadora maioria dos homens. Uns porque, como diz Nietzsche, apenas se dedicam à sobrevivência e ao sustento, outros porque são exigentes mas todos os dias são atacados pela máquina de propaganda capitalista. É difícil assim conduzir a arte de viver, a menos que nos tornemos loucos. Recomendo ainda assim o máximo de folia com amigos e amigas, o filosofar espontâneo, a convivência com os mestres e com aqueles que nos ensinam alguma coisa. Se o conseguirmos, já estaremos a desafiar a máquina de propaganda e a ditadura dos mercados e da linguagem da economia.





O APROFUNDAMENTO DO VIVO


Raoul Vaneigen tem razão. Temos de aprofundar o vivo em detrimento da economia. Nascemos para a vida. É ridículo passar a vida num emprego entediante, atrás de um salário que cada vez dá para menos. Nós viemos para o conhecimento, para o auto-conhecimento e para a bondade, não para o negócio. Temos de viver em função da vontade de viver, do viver por nós mesmos. Vaneigen abre-me a mente. A economia faz-se em função da redução, da austeridade, da poupança, da culpa, da mesquinhez, e contraria tudo o que é exuberante e grandioso. O capitalismo rouba-nos a infância, a juventude, a descoberta, a própria vida. "Nada mata mais uma pessoa do que contentar-se com sobreviver", diz Vaneigen. É da arte de viver que falamos. Da arte de gozar o instante, de o eternizar. Por isso, somos também poetas vadios. Construimo-nos na vida quotidiana. Às vezes, como agora, atingimos a criança sábia. às vezes parece que há anjos que nos tocam, que somos tocados pela beleza. Então amamos desesperadamente a vida, o milagre de estarmos aqui vivos. Não o cumprir um trabalho ou uma tarefa mas o estar aqui, sem castrações nem regras. É também o acto de dar a nossa arte ao mundo. A dádiva. Sem exigir quaisquer recompensas.

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Saturday, September 24, 2011

TRANQUILIDADE


A tranquilidade
a gata branca
que sobe à mesa
e que vem ter
comigo
a Vita
para os animais
não há stress
nem pressa
somente o estar vivo
andar de um lado
para o outro
enquanto eu
como tostas
e os observo
antes que
a noite caia.

A DEPRESSÃO

A DEPRESSÃO

Sair de casa era um pesadelo naqueles dias. Jorge comprou o jornal e dirigiu-se a um café onde, à partida, não havia perigo de ser reconhecido. A leitura do jornal era a única forma de se ocupar, de afastar da mente aqueles pensamentos mórbidos obsessivos. Depois pegava no caderno mas as palavras que saíam eram sempre as mesmas. Estava ali no café, com o terror de que algum conhecido aparecesse. Se tal viesse a acontecer, Jorge não seria capaz de manter uma conversa, limitava-se a soltar monossílabos. Era a incomunicabilidade. Era incapaz de comunicar, mesmo com os seus melhores amigos, que evitava. Faltava às aulas da Faculdade. Os dias repetiam-se vazios, iguais. Passavam-se meses e o inferno da depressão sempre ali, não passava. Quando se deitava na cama pensava em dormir para nunca mais acordar. Outras vezes lembrava-se dos dias em que a palavra fluía, dos dias em que comunicava com os amigos,. em que tinha uma vontade e era capaz de proferir opiniões sobre as coisas. Como tudo isso parecia longínquo. Jorge pensava em desaparecer, em atirar-se da Ponte D. Luís mas nem forças para isso tinha. Tudo era negro. O próprio raciocínio tornou-se muito lento. Era como se vivesse morto.

O APROFUNDAMENTO DO VIVO


Raoul Vaneigen tem razão. Temos de aprofundar o vivo em detrimento da economia. Nascemos para a vida. É ridículo passar a vida num emprego entediante, atrás de um salário que cada vez dá para menos. Nós viemos para o conhecimento, para o auto-conhecimento e para a bondade, não para o negócio. Temos de viver em função da vontade de viver, do viver por ñós mesmos. Vaneigen abre-me a mente. A economia faz-se em função da redução, da austeridade, da poupança, da culpa, da mesquinhez, e contraria tudo o que é exuberante e grandioso. O capitalismo rouba-nos a infância, a juventude, a descoberta, a própria vida. "Nada mata mais uma pessoa do que contentar-se com sobreviver", diz Vaneigen. É da arte de viver que falasmos. Da arte de gozar o instante, de o eternizar. Por isso, somos também poetas vadios. Construimo-nos na vida quotidiana. Às vezes, como agora, atingimos a criança sábia. às vezes parece que há anjos que nos tocam, que somos tocados pela beleza. Então amamos desesperadamente a vida, o milagre de estarmos aqui vivos. Não o cumprir um trabalho ou uma tarefa mas o estar aqui, sem castrações nem regras. É também o acto de dar a nossa arte ao mundo. A dádiva. Sem exigir quaisquer recompensas.

Sunday, September 18, 2011

DO HOMEM LIVRE


DO HOMEM LIVRE


O homem nasce livre, da dádiva. Não nasce para comerciar, para usar a moeda. O homem nasce também para se construir, para procurar o conhecimento. Nasce também para pensar, para se questionar a si próprio, não para ser envenenado pelos media. O homem nasce para ir às profundezas de si mesmo, para criar, para ir de encontro à beleza. O homem é também o poeta, aquele que foi abençoado pelos deuses, entre os animais. O homem tem em si o céu e as estrelas. É capaz, ele próprio, de fazer nascer estrelas. Não pode reduzir-se ao macaco mercantil. O homem é divino. Capaz de obras magníficas. Não se pode reduzir ao cálculo, ao contar dos trocos. O homem nasce livre, não tem limites, atira-se de cabeça. O homem é o super-homem. Dança sobre o abismo. Rompe fronteiras. Descobre-se a si próprio. Ama. Gera.

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Saturday, September 17, 2011

POETA LOUCO


Poeta louco,
os céus chamam por ti
poeta louco,
bebeste com os versejadores
da corte
mas fartaste-te
da sua lira

és uno, és único
escolheste a dama branca
por isso és maldito
o rei não reconhecido
o amante da grande solidão.

Monday, September 12, 2011

DO PIOLHO

Tertúlia de poesia no café universitário do Porto
O emblemático café Piolho, inspiração de poetas portugueses
Publicado em 26 de Setembro de 2009
Jornal i

Um dos mais emblemáticos cafés da cidade do Porto, o Piolho, foi hoje palco de um encontro de poetas que, entre versos lidos, partilharam experiências e vivências daquele local onde um dia se inspiraram para escrever.

Fernando Morais, João Gesta, Rosa Alice Branco, João Habitualmente, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Teixeira Guedes, Alberto Miranda, José Soares Martins, Filipa Leal, Pedro Ribeiro, João Ulisses e Marta Bernardes juntaram-se hoje à mesma mesa para dissecar o espaço que este ano comemora o seu primeiro centenário.

“O Porto sem o piolho seria uma careca calva. O Piolho é maior que o Porto”, sublinhou o poeta João Habitualmente, para quem aquele espaço é dado mais “à conversa, ao fino e ao tremoço” que propriamente à poesia.

Um sentimento não partilhado pela maioria dos restantes convidados, muitos dos quais leram poemas que escreveram dentro das paredes espelhadas do agora centenário Piolho D’Ouro.

“O poeta está com sede [e] o mundo assim não avança”, leu Pedro Ribeiro, autor de um poema dedicado “à gaja da mesa do fundo”, escrito ali mesmo, no Piolho, no momento em que lhe “ia oferecer um poema” mas “a gaja” foi lá para fora: “que pena!”.

O café tornou-se assim “sala de estar, abrigo das investidas cobardes da polícia fascista e um espaço de fruição e liberdade” onde também se despertava para os primeiros amores, os “beijos ortopédicos e os charrinhos libertadores”, recordou o poeta João Gesta.

De palco de resistência a ponto de encontro, o café “é um lugar emblemático, de cultura e de construção do raciocínio e liberdade”, referiu Daniel Maia-Pinto Rodrigues. Talvez por isso, destacou Teixeira Guedes, “quem frequenta o piolho tem atitude poética”.

Mas o Piolho não é só feito de passados e tempos idos. A comprovar isso estiveram as poetisas Filipa Leal e Marta Bernardes, que contam estórias de presente, de cidades e memórias que a nova geração precisa de criar.

“Ser poeta é ter experiência do indizível e correr atrás do horizonte”, descreveu Marta Bernardes, 26 anos, que defende que “toda a arte encerra um verso” e que “Portugal é, sobretudo, um país de poetas”.

Já a professora e poetisa Rosa Alice Branco, para quem a vida sem Piolho “poderia ter sido muito triste”, acredita que em Portugal “há a mania que este é um País de poetas” e que “não se deve escrever se não houver coisas para dizer”.

Mas “os poetas não são portugueses, são de todo o mundo” frisou João Ulisses, que viu o café contribuir-lhe “um pouco para a cirrose” e para quem ser poeta “é estar contra tudo”.

O encontro de hoje esteve integrado nas comemorações do centenário do Piolho cuja organização tem sido levada a cabo pela Escola Artística Profissional Árvore e pelos responsáveis Raúl Simões Pinto e Sílvia Silva.

Sunday, September 04, 2011


Não, não concordo com o aventureirismo militante, com o voluntarismo que vai atrás de causas sectoriais perdidas. Penso o homem na sua globalidade. Penso a espécie humana em perigo, a essência do homem violentada. Por muito que venhais, com uma aparente serenidade, buscar o pão à confeitaria, por muito que vos agarreis ao sustento, sei que estais doentes. Muitos e muitas de entre vós estão mergulhados na depressão, no desejo da morte. Outros deixam-se bombardear diariamente pela máquina de propaganda do capitalismo dos mercados, via TV, via telejornais, via comentadores do regime. É isto que é preciso dizer, para lá da economia. O homem está em perigo. O homem está a destruir-se. É esta a mensagem que é preciso passar. E é preciso passá-la em todos os lugares. Procuramos o homem nobre, o homem livre. Aquele que odeia os comentadores e os telejornais. Aquele que insulta o homem pequeno, do sustento, que não vai atrás dele. Aquele que cai e se levanta. Aquele que afirma a verdadeira vida. Aquele que dança e ri.

Monday, August 15, 2011

SUZANA GUIMARAENS


Suzana Guimaraens Agora sabes e agora és. És o graal que caminha, o ouro que contém vidas, a Vida, todos os reflexos do teu rosto no teu próprio sangue. E se a ilha tremer, desta vez não temerás o caos e também sabes porquê. Assim são os profetas.

Wednesday, August 10, 2011

HÁ 20 ANOS EM OFIR


Regresso a Braga. Ao homem que bebe à mesa. Não preciso de praia nem de estar estendido na areia. Quando muito, punha-me a olhar para as gajas de biquini. Não, não compreendo os meus compatriotas. Tanta coisa só para estarem estendidos na areia. Há 20 anos estava em Ofir. Conheci o Zé Né e o Paulo Bonito. Foi um ano de descobertas. Estava solto, dizia asneiras. Era a liberdade absoluta. Agudizei a panca. Era um puto diferente dos outros. Fui de manhã beber vodka comemorar o golpe contra o Gorbatchov e a "perestroika". Contou-me o Zé Né há dias. Já não me lembrava. Era um puto com alma. E, se calhar, até tinha razão. O Zé Né confessou-me que eu o influenciei. Depois houve a estória do bar que fechou na Apúlia. Os pescadores destruiram o bar supostamente na sequência de uma discussão acalorada que eu tive com o gerente após ter desfeito as pernas do porteiro ao pontapé. Estava cheio de forças. E agora durmo agarrado ao aparelho da respiração e tenho de suportar a arrogância da pneumologista. Eu era um puto com personalidade. Pena foram as grandes depressões que me deitavam por terra. Não, eu não era da norma nem do mercado. Eu construi uma imagem, uma identidade. Sim, eu caio e volto a levantar-me, Rui. Parece que me deixo levar mas depois liberto-me, revolto-me, e quem se mete comigo, mais tarde ou mais cedo, nem que seja 10 anos depois, leva troco. Sim, eu sou do mundo, não apenas do livro. Não devo nada a ninguém. O mundo é que está errado, não eu.

Wednesday, July 27, 2011

CHOMSKY

DESTAQUE

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Frank Barat Entrevista Noam Chomsky Como superar o sectarismo na esquerda?

Para sua segunda entrevista em menos de um ano com o professor Noam Chomsky (a primeira ocorreu em Cambridge, em setembro de 2010), Frank Barat pediu a renomados artistas e jornalistas que cada um lhe enviasse a pergunta que gostaria que fosse formulada a Noam.

Frank Barat: A prática política surpreende frequentemente pelo seu vocabulário político. Por exemplo, diz-se que a recente revolução no Oriente Médio se produz para exigir democracia. Podemos encontrar palavras mais adequadas? Não é, por acaso, a utilização das velhas e tão frequentemente traiçoeiras palavras uma maneira de absorver o impacto, no lugar de reuni-lo e seguir transmitindo? (Coordenador do Tribunal Russel sobre Palestina)

Para começar, acredito que a palavra revolução é um pouco exagerada. Talvez possa converter-se em uma revolução, mas, no momento, é um apelo a uma reforma moderada. Há vários elementos, como o movimento de trabalhadores, que tentou seguir mais além, mas ainda está por se ver até onde chega. A questão é correta, mas também não é fácil de sair dela. Não ocorre somente com o termo democracia, mas também com cada palavra que tenha que ver com a discussão de assuntos políticos. Há dois significados. Um significado literal e um significado que se estabelece com respeito ao bem-estar político, à ideologia, à doutrina. Portanto, ou deixamos de falar ou tentamos utilizar as palavras de forma consciente. Como digo, isto não ocorre somente com a palavra democracia.

Tome uma palavra simples, como "pessoa”. Parece simples. Dê uma olhada. É muito interessante ver o que ocorre com essa palavra nos EUA. Os EUA garantem direitos pessoais que talvez cheguem mais longe que em qualquer outro país. Mas aprofunde-se neles. As emendas da constituição afirmam muito explicitamente que não se poderá privar nenhuma pessoa de seus direitos sem o devido processo legal. Isso volta a aparecer na 14° emenda, mas foi a 5° emenda que tratou de aplicar aos escravos libertos, sem êxito. Os tribunais vêm reduzindo e ampliando seu significado de forma crucial. Ampliaram o significado para incluir as corporações: entidades legais fictícias estabelecidas por um poder estatal. Portanto, concederam-lhes os direitos das pessoas, inclusive direitos que iam mais além dos das pessoas. Por outro lado, também reduziram seu alcance porque o lógico era pensar que o termo "pessoa” seria aplicado, igualmente, a essas criaturas que caminham em nossa volta fazendo os trabalhos sujos da sociedade e que não dispõem de documentação. Mas não foi assim, porque era necessário privar-lhes de seus direitos. Portanto, os tribunais, em sua infinita sabedoria, decidiram que não são pessoas. As únicas pessoas são aqueles que têm cidadania. Assim, as entidades corporativas não humanas, como o Barclays Bank, são pessoas, com direitos de grande alcance. Mas os seres humanos, a gente que varre as ruas, não são pessoas, não têm direitos e o mesmo ocorre com cada termo que seja examinado.

Tomemos agora a expressão "acordos de livre comércio”. Por exemplo: há um Acordo de Livre Comércio Norte-Americano: Canadá, Estados Unidos e México. O único termo exato que há aí é "norte-americano”. Não é realmente um "acordo”, se considera que os seres humanos formam parte de suas sociedades, porque a população dos três países estava contra o mesmo. Portanto, não é um acordo. Tampouco se trata de "livre comércio”, é protecionista em grau extremo, estabelece tremendas proteções aos direitos de monopólio nos preços das corporações farmacêuticas, etc. Uma grande parte de tudo isso não é um comércio em absoluto. Na realidade, o que chamamos "comércio” é uma espécie de piada.

Por exemplo, na antiga União Soviética, se certas peças eram fabricadas em Leningrado e eram enviadas à Varsóvia para que fossem montadas e depois fossem vendidas em Moscovo, eu não chamaria a isto de comércio, ainda que cruzasse fronteiras nacionais. Eram interações dentro de uma economia de comando único. E ocorre exatamente o mesmo se a General Motors fabrica algumas peças na Índia, as envia ao México para que sejam empacotadas e as vende em Los Angeles. Isto seria comércio em ambos os sentidos. Na realidade, se busca a parte comercial, somente representa 50%. O que é bastante pouco. E grande parte do acordo tem a ver somente com direitos de investimento: garantir a General Motors, por exemplo, os direitos das companhias nacionais no México, coisa que os mexicanos não conseguem nos EUA. Tomem o termo que quiserem. Irão se deparar sempre com exatamente o mesmo. Portanto, sim, isso é um problema e temos que afrontá-lo tentando esclarecer de que modo utilizamos uma terminologia equivocada.

Chris Hedges: Julien Benda, em The Treason of Intellectuals defende que somente quando os intelectuais não perseguem objetivos práticos ou vantagens materiais é que podem servir como consciência e sanção. Você poderia abordar o tema da perda de filósofos, líderes religiosos, escritores, jornalistas, artistas e acadêmicos que em algum momento viveram suas vidas em oposição direta ao realismo das multidões e o que isto implicou para nossa vida moral e intelectual? (Jornalista estadunidense especializado na cobertura de conflitos)

Posso compreender os seus sentimentos e compartilhá-los, mas não sei que perda foi essa. Alguma vez isso foi certo? Que eu lembre não houve nenhuma época; o termo intelectual chegou a ser de uso comum em seu sentido moderno geral na época dos partidários de Dreyfus. Era uma pequena minoria. Uma minoria pequena e impopular. A massa de intelectuais apoiava o poder estatal. Durante a primeira guerra mundial e pouco depois, em cada um dos países, os intelectuais apoiavam apaixonadamente ao seu próprio estado e sua própria violência. Houve um punhado de exceções, como Bertrand Russel na Inglaterra ou Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht na Alemanha ou Eugene Debs nos Estados Unidos, mas todos eles foram para a prisão. Eram marginalizados e jogados na prisão. No círculo de John Dewey, os intelectuais liberais dos EUA que eram fervorosos partidários da guerra, houve um de seus membros, Randolph Warren, que se manteve aparte. Não lhe colocaram na prisão, EUA é um país bastante livre, mas lhe tiraram das revistas, ficou intelectualmente exilado, etc. Assim é como sempre ocorreu.

Dê uma olhada cuidadosa nos anos sessenta, um período de grande ativismo: os intelectuais apoiavam muito a Martin Luther King e o movimento pelos direitos civis sempre e quando se limitasse a atacar alguém. Enquanto o movimento pelos direitos civis perseguia xerifes racistas no Alabama, era extraordinário. Todo mundo o exaltava. Quando se ocupou de questões de classe, ele foi marginalizado e suprimido. As pessoas costumam esquecer que Martin Luther King foi assassinado quando tomava parte em uma greve dos trabalhadores do setor sanitário e que ia a caminho de Washington para ajudar a organizar o movimento popular dos pobres. Bem, isso supunha cruzar um limite, isso fazia sentir que ia por nós. Ia contra os privilégios e o norte, etc. Por isso os intelectuais desapareceram.

Com relação à guerra do Vietname, ocorre exatamente o mesmo. Quase não houve nada entre os intelectuais conhecidos –houve desde cedo pessoas à margem da sociedade, jovens e demais – mas entre os intelectuais com prestígio, praticamente nada. Já no final, após a ofensiva de Tet em 1968, quando a comunidade empresarial se voltou contra a guerra, então tu poderias ver aparecer pessoas dizendo "Sim, sempre estive contra a guerra”... Mas não há nem o menor indício disso, nada em absoluto.

Na realidade, há que recorrer à história mais antiga. Vamos à Grécia Clássica, quem bebeu a cicuta? Ao indivíduo se lhe acusou de corromper os jovens de Atenas com falsos deuses. Tomem os registos bíblicos. Não aparece o termo "intelectual”; mas há um termo que significa o que eles entendiam por intelectual, o de "profeta”. É uma má tradução de uma obscura palavra hebréia. Havia os chamados profetas, intelectuais, que formulavam a crítica política, condenavam o rei por provocar desastres, condenavam os crimes do rei, pediam misericórdia para os viúvos e os órfãos, etc. Bem, estas pessoas nós poderíamos chamar de intelectuais. Como os tratavam? Eram denunciados como pessoas que odiavam Israel. Essa é a frase exata que se utilizava. Essa é a origem da frase "auto-ódio judio” no período moderno. E os aprisionavam, deixavam-lhes no deserto, etc. Mas bem, haviam intelectuais que eram elogiados: os aduladores da corte. Séculos depois, chamaram-se de "falsos profetas”. Mas não neste preciso momento. Desde então, ocorre quase sempre a mesma história.

Há umas quantas exceções. No período atual, a principal exceção que conheço é a Turquia. É o único país onde eu sei que importantes artistas, académicos, jornalistas e editores – uma gama muito ampla de intelectuais – não somente condenam os crimes do Estado, mas também se envolvem em constantes desobediências civis contra ele. Enfrentando e suportando frequentemente castigos muito duros. Dá-me vontade de rir quando chego à Europa e escuto as pessoas queixarem-se de que os turcos não são suficientemente civilizados para se incorporar à sua avançada sociedade. Poderiam aprender várias lições com a Turquia. E isso é bastante incomum. Na realidade, é tão incomum que apenas se conhece, não é possível nem sugeri-lo. Mas, à parte da palavra "perdida”, creio que os comentários de Chris Hedges são exatos, mas eu não consigo perceber nenhuma perda.

Acredito que quase sempre aconteceu o mesmo. Desde cedo, o que varia é a forma com que se trata esses intelectuais. Digamos que pode ser que nos EUA sejam difamados ou algo assim, na antiga União Soviética, na Checoslováquia nos anos sessenta e nos setenta, podiam ser presos, como prenderam Havel. Se nessa época te encontravas nos domínios americanos, como El Salvador, o batalhão de elite treinado na escola especial de guerra dos EUA podia arrebentar-te a cabeça. Portanto, sim, dependendo do país, tratam-se as pessoas de forma diferente.

Amira Hass: Os levantes dos países árabes fizeram-lhe mudar ou revisar as suas antigas análises? Afetaram, e como, as suas ideias sobre, por exemplo, massas, esperança, Facebook, pobreza, intervenção ocidental, surpresa? (Jornalista israelense que vive na faixa de Gaza)

Amira e eu nos reunimos na Turquia, há um par de meses, tivemos um par de horas para falar e nenhum de nós previu nada, talvez ela sim, mas se o previu não disse nada, certamente eu não previ nada, não estava sucedendo nada no mundo árabe, portanto, sim, mudei de opinião a esse respeito porque foi algo inesperado. Por outra parte, quando olhas para trás, não há diferença com o que ocorria antes, exceto que no passado os levantes eram violentamente reprimidos, e isso foi o que ocorreu em novembro, no início dos levantes, no Saara Ocidental que Marrocos invadiu há 25 anos, violando as resoluções das Nações Unidas e ocupando brutalmente.

Em novembro se produziu esse primeiro protesto não violento que as tropas marroquinas controlaram violentamente, que é algo que há 25 anos seguem fazendo; foi bastante grave como para que se apresentasse uma petição de investigação nas Nações Unidas, mas então a França foi e interveio. A França é o principal protetor de atrocidades e crimes na África Ocidental, são as velhas propriedades francesas, por isso bloquearam a investigação das Nações Unidas do que foi o primeiro protesto. O seguinte foi na Tunísia, de novo mais ou menos uma zona francesa, mas teve êxito, derrubaram o ditador. E depois veio o Egito, que é o mais importante devido a sua relevância no mundo árabe, que foi imensamente notável, uma imensa demonstração de valor, dedicação e compromisso. Tiveram êxito ao se desfazerem do ditador, ainda que o regime não tenha, todavia, mudado. Talvez mude, mas ainda segue aí, diferentes nomes, mas nada novo; esse levante, do 25 de janeiro, foi dirigido pelos jovens que se autodenominaram como o Movimento do 6 de abril.

Bem, o seis de abril se chama assim por uma razão, eles elegeram esse nome porque foi a data de uma ação importante de luta um par de anos antes, no complexo industrial têxtil de Mahalla, e que se acreditava que seria uma greve importante, levaram-se a cabo atividades de apoio e outras. Bem, foram reprimidos violentamente, isso foi em 6 de abril e essa foi uma da série de greves. Certo é que pouco depois da repressão do levante de 6 de abril, o presidente Obama foi ao Egito dar seu famoso discurso sobre a aproximação ao mundo muçulmano e os demais. Solicitou-se a ele em uma conferência de imprensa que dissesse algo sobre o governo autoritário do presidente Mubarak e disse que não, que Mubarak era um bom homem, que estava fazendo coisas boas mantendo a estabilidade e derrotando a greve de 6 de abril e que isso estava bem.

O mais chamativo é Barein. O que aí sucede está alarmando o Ocidente, em primeiro lugar porque Barein alberga a quinta frota americana, uma força militar importante na região. Segundo, porque é de maioria xiita e se chega até ali justamente através de uma estrada construída desde o leste de Arábia Saudita, que tem também uma população de maioria xiita, e sucede que é onde se encontra a maior parte do petróleo. Durante anos, os planejadores ocidentais se preocuparam pelos incidentes históricos e geográficos dali, porque a maior parte do petróleo mundial se encontra nas zonas xiitas, justamente ao redor desta parte do Golfo, Irão, sul do Iraque, leste da Arábia Saudita. Bem, se o levante de Bahrein se estende à Arábia Saudita, as potências ocidentais vão se ver realmente em dificuldades e de fato Obama modificou a retórica que utilizava oficialmente para falar dos levantes. Durante um tempo falou de mudança de regime, agora fala de alteração do regime. Não queremos que haja mudanças, é extraordinário poder contar com um ditador que nos faça o trabalho sujo.

Na atualidade, um facto bastante surpreendente sobre tudo isto é que..., dê uma olhada nos vazamentos de WikiLeaks, é muito interessante. Os mais conhecidos no Ocidente, as grandes manchetes, os vazamentos dos embaixadores que diziam que o mundo árabe nos apoia contra Irã... Mas havia algo que faltava nessas reações nos jornais, nos colunistas e outros, a saber: a opinião pública árabe, o que queriam dizer com isso de que os ditadores árabes nos apoiam? O que se passava com a opinião pública árabe? Não havia nada, não se informava nada. Nos EUA: zero, creio que há um informe na Inglaterra, de Jonathan Steele, e provavelmente nada na França, não sei. Mas sabe-se bem, e muitas agências prestigiosas publicaram que os árabes que pensam que Irão é uma ameaça representam 10%.

A maioria, a imensa maioria, pensa que a maior ameaça vem dos EUA e Israel. No Egito, 90% dizem que os EUA é a maior ameaça, na realidade a política dos EUA é tão dura que eu acredito que no Egito quase 80% pensam que o regime seria melhor se Irã tivesse armas nucleares. Por toda a região, a maioria pensa assim. Voltando a John Berger e ao termo democracia, a valorização dos intelectuais ocidentais da democracia é tão profunda e está tão profundamente arraigada que a ninguém ocorre perguntar o que pensam os árabes; quando nos sentimos eufóricos de que os árabes nos apóiem, a resposta é que não nos interessam, enquanto estejam quietos e submetidos e controlados, enquanto há isso que chamamos de estabilidade, não importa o que pensam. Os ditadores nos apoiam e ponto, sentimo-nos eufóricos perante este tipo de vínculos, junto a uma boa quantia de questões... Mas, voltando ao comentário de Amira Hass, o sucedido deveria nos levar a pensar no que esteve sucedendo não somente no mundo árabe, mas em mais lugares e que muito frequentemente está motivado por uma razão essencial: a de terem sido submetidos com violência e assim ocorreu ao longo de todo um século.

Quero dizer que os britânicos estiveram reprimindo o movimento democrático no Irã há mais de um século. No Iraque, houve um levante xiita e, tão logo como os britânicos improvisaram o país após a primeira guerra mundial, reprimiram violentamente os grandes levantes; um dos primeiros usos da aviação foi para atacar os civis. Lloyd George escreveu em seu diário que isso foi algo grandioso porque tínhamos que nos reservar o direito de bombardear os "negros”. Continuou em 1953 quando os EUA e a Grã Bretanha se uniram para derrotar no Irã o governo parlamentarista. De 1936 a 1939, houve um levante árabe na Palestina contra os britânicos que foi violentamente combatido.

A primeira Intifada foi de novo um levante popular muito importante. Não foi violento em absoluto, mas sim, um verdadeiro movimento popular, com grupos de mulheres protestando contra a estrutura feudal, tentando destruí-la. Foi combatida sem piedade. Tão logo sucediam coisas como essas, elas eram combatidas. O que é incomum nesta ocasião é que na maioria dos países são suficientemente fortes como para poder sustentar-se. Não sabemos o que sucederá no Barein e Arábia Saudita. Na realidade, não sabemos o que vai suceder no Egito. O exército, que conservou até agora ao menos o controle e o alto comando militar, está profundamente embutido no velho regime opressor. Haviam se apoderado de grande parte da economia, eram os beneficiários da ditadura de Mubarak, não vão ceder facilmente, por isso nos resta ver o que vai suceder ali.

Ken Loach: Como superar o sectarismo na esquerda? (Cineasta britânico)

Não acredito que consigamos algum dia. Há uma forma de sectarismo que é bem vinda, a saber: a discrepância. Há muitas coisas pouco claras, deveríamos discutir, buscar diferentes opções e, além disso, ver o que quer expressar Ken com sectarismo e o que significa em geral; são uma série de iniciativas que algumas vezes tentam, e frequentemente conseguem, dividir os movimentos populares. As pessoas individuais ou os grupos políticos que têm sua própria agenda e querem se construir com o controle se convertem em pequenos Lénin. Não acredito que algum dia esse tipo de sectarismo seja eliminado. Pode-se marginalizá-lo, como por exemplo, durante os levantes do mundo árabe, ou seja, Egito, a Praça de Tahrir, eles foram surpreendentemente muito pouco sectários e havia muitos pontos de vista diferentes, mas havia unidade e um objetivo comum. Lamentavelmente, isso está começando a alterar-se.

Justamente ontem houve uma manifestação de mulheres para exigir seus direitos. Foram reprimidas. É uma sociedade muito sexista e atacaram as mulheres. Ok, isso é sectarismo. Agora, há também um sectarismo religioso em desenvolvimento, quero dizer que quando um objetivo comum já não serve para unir as pessoas em luta, então te deparas com o sectarismo. Essa é a forma de unir as pessoas. Por exemplo, no movimento de trabalhadores nos EUA. A força trabalhadora foi extremamente racista e não necessariamente só contra os negros; por exemplo, no final do século XIX, tratavam-se igualmente os irlandeses e os negros. Quero dizer que podias passear por Boston e ver cartazes que diziam "Nem cachorros nem irlandeses”, etc.

Éramos chamados de hunos, isso significa alguém que vem da Europa Oriental, um amargo racismo contra os bárbaros, contra os italianos, estendia-se até onde alcançava a vista. Mas quando começam as ondas de greves nos fins do século XIX e vão adquirindo importância, houve lugares como os centros mineiros do carvão e do aço no oeste da Pensilvânia, nos quais as pessoas tomaram as cidades e as governaram. Neste ponto, o sectarismo desapareceu, o racismo desapareceu e se uniram para tratar de conseguir algo. O mesmo ocorreu com a organização CIO na década de 1930, superou o racismo contra os negros e trabalharam juntos. Essa é a única forma que eu conheço de conseguir as coisas. O mesmo aconteceu no movimento pelos direitos civis. Se tiveres um objetivo comum e podes coordenar-te para tentar alcançá-lo, então se deixam de lado os esforços sectários, não é que desapareçam, há pessoas que seguem manobrando na periferia e talvez se os motivos e os compromissos se suavizam, elas podem começar a tentar fazê-lo com o todo, como começamos a ver no Egito, mas não conheço outra forma de consegui-lo.

Paul Laverty: Provavelmente não houve nunca uma época na qual tenha ocorrido tanta concentração da riqueza e de poder em tantas poucas mãos. Os poderosos utilizam sistemas sofisticados para manter este estado de coisas, mas talvez nós, na esquerda, utilizamos isto também como desculpa para ocultar nossas deficiências. O que você pensa que falhou em nosso esforço imaginativo para construir uma campanha de massas internacional que democratize os recursos e desafie o poder corporativo? Você pode imaginar uma época na qual possamos organizar com êxito nossas vidas e economias sobre uma base de cooperação ao invés de uma base competitiva? (Advogado e cineasta escocês)

Claro que posso imaginar e, na realidade, houve diversos experimentos com êxito, alguns deles justamente agora. Nenhum deles utópico, nenhum deles do tipo que eu ou você ou outros aspirariam, mas não foram insignificantes. Tomemos, por exemplo, o sistema de Mondragón, na Espanha, gerenciado pelos trabalhadores. É uma forma de cooperativa que teve muito êxito, com um êxito muito amplo.

Se olha ao redor dos EUA, há provavelmente centenas de empresas autogerenciadas, não são imensas, ainda que algumas, sim, são bastante grandes, mas estão tendo êxito. Tomemos justamente agora o Egito, uma das coisas mais interessantes que estão sucedendo no Egito é que o movimento dos trabalhadores, que se manteve militante durante anos (como mencionei antes, este levante não saiu do nada), em alguns dos centros industriais, como o caso de Mahalla, ao que tudo indica os trabalhadores tomaram a empresa e a estão dirigindo. Bem, se isso é verdade, esse poderia ser o começo de uma revolução, para voltar às palavras de Berger. Portanto, sim, é perfeitamente factível.

O comentário sobre a desigualdade é muito real. Não conheço as estatísticas detalhadas de outros países, mas nos EUA a desigualdade está justamente agora no nível mais alto de sua história desde a década de 1920. Mas isso é enganoso, porque a desigualdade nos EUA está muito concentrada, no alto temos exatamente 1% da população. Observe a distribuição dos ingressos, vai de forma muito aguda até o extremo superior e é, literalmente, a décima parte do 1% da população. Aí se dá uma riqueza extraordinária. De fato isso está impulsionando a desigualdade, se tomas essa parte, vês que é desigual, mas não pode se ocultar totalmente. Quem são? São os gestores de fundos de cobertura, os diretores executivos, os banqueiros, etc. Bem, algo muito grave esteve acontecendo.

Desde os anos setenta, a economia mudou de forma significativa, "financiarizou-se”. Voltando aos setenta, as instituições financeiras, os bancos, as empresas de investimento representavam uma pequena percentagem dos benefícios corporativos. Agora, em 2007, por exemplo, alcançaram 40%. Não beneficiam à economia, na realidade provavelmente a prejudicam, não têm utilidade social, mas são poderosas. Com poder económico se controla o poder político. Por razões bastante óbvias. Por isso conseguiram um extenso poder político, por exemplo, as instituições financeiras que colocaram Obama no poder, é delas que procede a maior parte de seu financiamento.

Com poder político tens a oportunidade de modificar o sistema legislativo e isso é o que estiveram fazendo. Portanto, sobretudo desde os anos oitenta, modificaram-se as políticas fiscais, as políticas tributárias, para assegurar uma muito alta concentração da riqueza. Modificaram-se as normas da governação corporativa. Permitem, por exemplo, que o diretor executivo de uma corporação selecione a junta que vai determinar o seu salário. Bem, tu podes imaginar quais são as consequências de tudo isso. Na atualidade, lemos todos os dias nos portais dos jornais, lemos sobre os imensos bónus que são dados aos encarregados da gestão, daí é de onde sai.

Toda a regulação veio abaixo, com efeitos muito destacados. Isto se generaliza pelo resto do mundo. Estou falando dos EUA porque é o que melhor exemplo que conheço. Realmente, a regulação do New Deal impediu até os anos oitenta que surgisse uma crise financeira. Desde a década de 1980, crise após crise, várias durante os anos de Reagan, bastante graves, de fato Reagan deixou o poder com a pior crise financeira desde a depressão. O escândalo de Sayings & Loans, depois chegou Clinton, depois esta crise da moradia, malditos oitocentos bilhões de dinheiro desapareceram, a economia devastada. Bem, tudo isso é fruto de decisões políticas.

Enquanto isso, o custo das campanhas eleitorais segue incrementando-se e isso obriga as partes a irem profundamente aos bolsos dos setores corporativos onde está o dinheiro. Espera-se que as próximas eleições, em 2012, custem ao redor de 2 bilhões de dólares. Dê uma olhada na administração Obama e se dará conta que esteve incorporando executivos ao seu governo. São os que têm acesso ao financiamento das corporações que vão comprar as eleições. As eleições estão convertendo-se em uma mera farsa dirigida pela indústria das relações públicas. É um esforço de marketing, estão dizendo abertamente. Na realidade, Obama ganhou o prémio da indústria da publicidade pela melhor campanha de marketing em 2008, sabe-se exatamente do que se trata o assunto. Bem, tudo isso é uma espécie de círculo vicioso. Aumenta a concentração da riqueza, incrementa o poder político, que atua para aumentar ainda mais a riqueza.

Por que não há reação? Agora, sim, está havendo reação, pela primeira vez, o que está sucedendo em Wisconsin é uma reação muito importante. Há dezenas de milhares de pessoas nas ruas, dia após dia, com muito apoio popular, talvez lhes apóiem as duas terceiras partes da população. Estão tentando defender os direitos dos trabalhadores, o direito à negociação coletiva, que está sob ataque. Refiro-me ao fato de que o mundo dos negócios compreende muito bem que a única barreira perante a sua total tirania corporativa é o movimento organizado de trabalhadores. Por isso há que destruí-lo. A história do movimento dos trabalhadores nos EUA foi extremamente violenta, mais que na Europa e ali se fizeram esforços e mais esforços para acabar com os sindicatos, mas seguem renascendo. Agora há um esforço importante contra, mas está se resistindo. Os grandes movimentos populares resistem.

Mas onde está a esquerda? É interessante o que está sucedendo agora com a esquerda. Depois da década de 1960, na qual houve um grande renascimento, não houve grande ativismo na esquerda. Há agora muito jovens mais ativistas que nos anos sessenta. Mas os problemas mudaram. Algumas vezes são denominados como pós-materialistas. São temas importantes, não os deprecio. Os direitos dos homossexuais, os direitos ambientalistas, os direitos das mulheres, são todos importantes, mas não chegam a preocupar as pessoas que estão sofrendo um desemprego em níveis de época de depressão. Não chegam aos 20% da população que necessita de bónus de ajuda alimentícia. Não houve este tipo de difusão e organização. Por isso, quando começaram há umas duas semanas os protestos em Wisconsin, não houve praticamente nenhuma iniciativa da esquerda. Bom, um par de personalidades bem conhecidas chegou para dar uma palavra, mas nada mais, não estava organizado por grupos de esquerda que deveriam estar no mesmo coração de tudo. Mas estão por aí e é melhor que se apresentem ou vamos ter problemas.

Ainda que o ativismo de esquerda seja importante, muito importante, está bastante divorciado da luta diária pela sobrevivência e uma vida decente da maioria da população e essa é uma brecha que deve ser superada de algum modo.

Alice Walker: Creio que é inevitável a solução de um único Estado ao impasse Palestina/Israel, e que é mais justa do que poderia ser a solução dos dois estados. Isto se deve ao fato de que não acredito que Israel deixe alguma vez de tentar ter sob seu controle os palestinos, sejam já cidadãos de Israel ou vivam nos territórios ocupados. Com a solução dos dois Estados haveria um estado israelita e um bantustão palestino. (Escritora estadunidense e autora do livro A Cor Púrpura)

Surpreendeu-me muito seu rechaço à ideia de um Estado como algo quase absurdo e gostaria de entender por que pensa assim. Não há nenhuma esperança de que israelitas e palestinos possam viver juntos como os brancos e negros após a caída do apartheid, na África do Sul?

É uma pergunta interessante. Ela é uma mulher maravilhosa, faz um bom trabalho, está realmente comprometida com a causa palestina, mas a pergunta diz algo sobre o recente movimento de solidariedade palestino. Quero dizer, se eu tivesse lhe feito a pergunta, digamos, por que pensa que é absurdo tentar defender direitos civis para os negros nos EUA? Ela ter-se-ia sentido desconcertada, dedicou grande parte de sua vida nisso. De fato, a única resposta possível seria: De que planeta você saiu? Isso é o que estive fazendo toda a minha vida.

É exatamente o mesmo aqui. Já faz setenta anos que estamos defendendo o que na recente ressurreição recebe o nome de um acordo para Um Estado. O acordo para Um Estado, que não é solução. Esse Acordo de Um Estado chama-se, frequentemente, de um acordo binacional e se se pensa nele, sim, terá de ser um acordo binacional. Isso foi o que eu estive fazendo quando era um jovem ativista nos anos quarenta, em oposição a um Estado judeu. E assim continuarei sempre. E é duro perder isso. Desde os últimos anos da década de 1960 escrevi toda uma série de livros, um número imenso de artigos, palestras constantemente, milhares delas, entrevistas, sempre ao redor do mesmo. Tentando trabalhar por um acordo binacional, em oposição a um Estado judeu.

Fiz toneladas de trabalhos sobre este tema, trabalho ativista, escrevendo, etc. Mas não é somente o slogan e acredito que é por isso que alguém como Alice Walker o desconhece. Não é somente um slogan, "vivamos juntos e felizes”. Trata-se de enfrentar seriamente o problema. Quando és sério sobre isso, pergunta-te "como podemos conseguir?” Bem, depende das circunstâncias, como todas as opções táticas. No período anterior a 1948, era simples, não queremos um Estado judeu, tenhamos um Estado binacional. De 1948 a 1967, dizias a ti mesmo que não era sensato eleger essa posição. Em 1967 abriu-se de novo a possibilidade. Houve uma oportunidade em 1967 de avançar para algum tipo de sistema federal para depois chegar a uma integração mais estreita, talvez um autêntico Estado laico binacional.

Em 1975, cristalizou o nacionalismo palestino e se introduziu na agenda, e a OLP ponderou um acordo de dois estados, com o imensamente doloroso consenso internacional dessa época para um acordo de dois estados na forma que todo o mundo conhece. De 1967 a 1975 era impossível defendê-lo diretamente e era um anátema, algo odiado, denunciado porque era ameaçador. Era ameaçador porque podia cumprir-se e isso prejudicaria a formação política. Portanto, enquanto se davam conta, denunciava-se e difamava-se. Desde 1975 podias ainda manter esta posição, mas tinhas de enfrentar a realidade, que teria que se alcançar por etapas. Há somente uma proposta que nunca escutei, a de que vivamos todos juntos em paz; a única proposta que conheço, começando com o consenso internacional, é a do acordo de dois Estados. Reduzirá o nível de violência, o ciclo de violência, abrirá possibilidades para uma interação mais estreita que já se produz em algum nível, inclusive nas circunstâncias atuais, comercial, cultural e outras formas de interação. Isso poderia levar a desgastar as fronteiras. Isso poderia levar a uma maior interação e talvez a algo como o velho conceito de Estado binacional.

Chamo agora de acordo porque não acredito que este seja o final do caminho. Não vejo razão particular alguma para render culto às fronteiras imperialistas. Assim que quando minha esposa e eu nos voltamos para quando éramos estudantes e íamos com a mochila pelo norte de Israel, e sucedia que cruzavas o Líbano, porque não há uma fronteira marcada, já se sabe, aparecia alguém nos gritando e nos dizendo para voltar. Por que deveria fazer uma fronteira ali? Foi imposto mediante a violência francesa e britânica. Tínhamos que avançar até uma maior integração de toda a região, não se fazia um acordo de um Estado se é que falamos da palavra. De qualquer forma, há uma série de coisas equivocadas com respeito aos Estados, por que deveríamos prestar culto às estruturas estatais? Teríamos de miná-las. Mas bem, em uma série de passos. Se alguém pode pensar em outra via para chegar até aí, então deveria nos contar. Podemos lhe escutar e falar sobre isso. Mas não sei de outra via. Portanto, tudo o que estive escrevendo e falando é demasiado complexo para colocá-lo em uma mensagem de twitter. Nesta época, isso significa que não existe. Tens de apoiar tanto o acordo para dois Estados como o acordo para um Estado. Tens de apoiar ambas as coisas, porque uma delas é o caminho para conseguir a outra. Se não fazes o primeiro movimento, não vai a lugar algum. Agora Alice Walker diz que Israel não aceitará um acordo de dois Estados. Tem razão. Tampouco vai aceitar o acordo de um Estado. Portanto, se esse argumento tem alguma força, sua proposta está fora de lugar, a minha também.

Por esse mesmo argumento, poder-se-ia tratar de demonstrar que o apartheid nunca teria fim. Que os nacionalistas brancos nunca aceitariam por fim ao apartheid, o que é verdade, então, Ok, renunciamos a luta contra o apartheid. Indonésia nunca renunciaria a Timor Leste, os generais diziam alto: "é uma província nossa e vamos mantê-la”. Isso tinha sido verdade se as ações tivessem se produzido no vazio. Mas não havia tal vazio, havia outros fatores implicados. Um dos fatores, que é importante, e de fato nestes casos é decisivo, é a política norte-americana. Bem, isso não está gravado em pedra. Quando a política dos EUA mudou sobre a Indonésia e Timor Leste, tomou-se literalmente uma frase do presidente Clinton para conseguir que os generais indonésios se fossem. Em um determinado momento ele disse: "Acabou-se”. E se retiraram.

No caso do apartheid, foi um pouco mais complicado. Cuba desempenhou um grande papel. Por exemplo, Cuba expulsou os sul-africanos de Namíbia e protegeu Angola. Isso teve um grande impacto. Mas foi quando mudou a política dos EUA, até 1990, quando esse movimento, o apartheid, veio abaixo. Agora, no caso de Israel, EUA é decisivo. Israel não pode fazer nada sem contar com o apoio dos EUA. Proporciona-lhe apoio democrático, militar, econômico e ideológico. Quando esse apoio se retira, fazem o que os EUA dizem. E assim sucedeu realmente uma e outra vez.

Portanto, se fosse verdade que se estivesse atuando em um vazio, nunca teriam aceitado algo que não fosse o que estão fazendo agora. Apoderando-se da prisão que é a Gaza, apoderando-se de todo o território que lhes dá vontade, já se sabe, e assim seguirão. Mas não estão atuando em um vazio. Há coisas que podemos fazer, como em outros casos, para mudar isso. E neste caos, penso que pode se considerar e, inclusive, traçar-se um plano para poder avançar em direção ao acordo de um Estado como um passo até algo inclusive melhor; há que seguir. Pelo que se pode ver, o único caminho para conseguir isso é apoiando o consenso internacional como primeiro passo. Um passo, um prelúdio para mais passos. Isso significa ações muito concretas. Não temos de organizar um seminário para discutir as possibilidades abstratas. Há passos muito concretos que podemos dar.

Por exemplo, retirar o exército israelense da Cisjordânia. Essa é uma proposta concreta e há toda uma série de medidas a adotar para levá-la a cabo. Por exemplo, a Anistia Internacional, que não é precisamente uma organização revolucionária, pediu um embargo de armas sobre Israel. Bem, se os EUA, Grã Bretanha, França e outros, se os povos podem pressionar os seus governos para que aceitem essa proposta e dizer que haverá um embargo de armas ao menos que retires o teu exército da Cisjordânia, isso teria efeito. Há outras ações que poderiam ser feitas. Se o exército sai da Cisjordânia, os colonos irão também com eles. Subirão nos caminhões que lhes facilitem e se transladarão desde suas casas subvencionadas na Cisjordânia para as suas casas subvencionadas em Israel. Da mesma forma como fizeram em Gaza, quando lhes foi dada a ordem. É provável que alguns fiquem, mas isso não importa, se querem seguir em um Estado palestino, isso é assunto seu. Portanto, há coisas muito concretas que podem ser feitas. Sei que não é questão de estalar os dedos e já está, mas não é pedir muito mais que o tipo de coisas que sucederam em outras partes quando a política das grandes potências mudou, sobretudo a dos EUA.

(In Adital. Tradução Gabriela Blanco)