Thursday, September 18, 2008

HAKIM BEY- MITOS DO CAOS


Mitos do Caos

Caos invisível (po-te-kitea)

Indomável, intransponível

Caos da escuridão absoluta

Intocado e intocável

-- canto Maori
O Caos empoleira-se numa montanha de céu: um pássaro gigantesco, como uma asa-delta amarela ou uma bola de fogo vermelha, com seis pés e quatro asas - ele não tem rosto, mas dança e canta.

Ou o Caos é um cão negro de pêlos compridos, cego e surdo, sem as cinco vísceras. Caos, o Abismo, é anterior a tudo, depois vem a Terra/Gaia, e então o Desejo/Eros. Desses três surgiram dois pares - Érebo e Noite ancestral, Éter e Luz diurna.


Nem Ser, nem Não-ser

Nem ar, nem terra, nem espaço:

o que estava escondido? onde? sob a proteção de quem?

O que era a água, profunda, insondável?

Nem morte, nem imortalidade, dia ou noite...

mas o UNO soprado por si mesmo, sem vento.

Nada mais. Escuridão envolvendo escuridão,

água não-manifesta.


O UNO, escondido pelo vazio,

sentiu a geração do calor, tornou-se ser

na forma de Desejo, primeira semente da Mente...

O que estava por cima e o que, por baixo?

Existiam semeadores, existiam poderes:

energia embaixo, impulso em cima.

Mas quem pode ter certeza?

-- Rig Veda
Tiamar, o Oceano de Caos, expele lentamente de seu ventre Lama e Saliva, os Horizontes, o Céu e Sabedoria líquida. Esses rebentos crescem barulhentos e pretensiosos - ela pensa em destruí-los.

Mas Marduk, o deus da guerra babilônico, levanta-se em rebelião contra a Velha Bruxa e seus Monstros do Caos, totens infernais - o Verme, a Ogre Fêmea, o Grande Leão, o Cachorro Louco, o Homem Escorpião, a Tempestade Trovejante - dragões vestindo suas glórias como deuses - e a própria Tiamat é uma serpente marinha gigante.

Marduk a acusa de fazer os filhos se rebelarem contra os pais - ela ama Neblina e Nuvens, princípios da desordem. Marduk será o primeiro a reinar, a inventar o governo. Durante a batalha, ele trucida Tiamat e com o seu corpo encomenda o universo material. Inaugura o império da Babilônia - e então, com os miúdos e as tripas sangrentas do filho incestuoso de Tiamat, ele cria a raça humana para servir aos deuses para sempre e aos altos sacerdotes e reis sacramentados.

Zeus Pai e os deuses do Olimpo travam guerra contra Mãe Gaia e os Titãs, esses partidários do Caos, da velhas formas de caça e coleta, das longas andanças sem destino, da androginia e da licenciosidade das bestas.

Amon-Ra (Ser) senta-se sozinho no Oceano do Caos primordial da MADRE masturbando-se e criando todo os outros deuses - mas o Caos também se manifesta como o dragão Apophis a quem Ra deve destruir (juntamente com seu estado de glória, sua sombra e sua mágica) para que o faraó possa governar com segurança - um ritual de vitória recriado diariamente nos templos Imperiais para confundir os inimigos do Estado, da Ordem cósmica.

Caos é Hun Tun, Imperador do Centro. Um dia, o Mar do Sul, Imperador Shu, e o Mar do Norte, Imperador Hu (shu hu - relâmpago), visitaram Hun Tun, que sempre os recebeu bem. Desejando retribuir sua gentileza, eles disseram: ``Todos os seres têm sete orifícios para ver, ouvir, comer, cagar etc. - mas o pobre velho Hun Tun não tem nenhuma! Vamos perfurar alguns nele!'' E assim fizeram - um orifício por dia - até que, no sétimo dia, o Caos morreu.

Mas... o Caos também é um enorme ovo de galinha. Dentro dele, P’an-ku nasce e cresce por 18 mil anos - finalmente o ovo se abre, divide-se entre céu e terra, yin e yang. Então P’an-ku transforma-se na coluna que sustenta o universo - ou talvez se torna o universo (respiração - vento, olhos - sol e lua, sangue e fluídos - rios e mares, cabelo e cílios - estrelas e planetas, esperma - pérolas, medula - jade, suas pulgas - seres humanos etc.).

Ou, ainda, transforma-se no homem/monstro, Imperador Amarelo. Ou transforma-se em Lao-tsé, profeta do Tao. Na verdade, o pobre velho Hun Tun é o próprio Tao.

``A música da natureza não existe além das coisas. As várias aberturas, gaitas, flautas, todos os seres vivos, juntos, formam a natureza. O ‘EU’ não pode produzir coisas e as coisas não podem produzir o ‘EU’, que existe por si mesmo. As coisas são o que são espontaneamente, não por causa de alguma outra coisa. Tudo é natural sem saber por que o é. As 10 mil coisas tem 1o mil estados diferentes, todos em movimento como se existisse um Senhor Verdadeiro para movê-las - mas, se procuramos por evidências desse Senhor, não conseguimos encontrá-las.'' (Kuo Hsiang).

Cada consciência iluminada é um ``imperador'', cuja única forma de reinado é não fazer nada para não atrapalhar a espontaneidade da natureza, o Tao. O ``sábio'' não é o próprio Caos, mas um dos seus servidores leais - uma das pulgas de P’an-ku, um pedaço de carne do filho monstruoso de Tiamat. ``Céu é Terra'', diz Chunag-tsé, ``nasceram no mesmo momento em que eu nasci, e eu e as 10 mil coisas formamos um ser único''.

O Anarquismo Ontológico tende a discordar apenas da total quietude do taoísmo. Em nosso mundo, o aos tem sido destituído por jovens deuses, moralistas, falocratas, padres-banqueiros, senhores adequados para escravos. Se a rebelião provar-se impossível, pelo menos algum tipo de guerra santa clandestina deve ser iniciada. Que ela siga as bandeiras da guerra do dragão negro anarquistas, Tiamat, Hun Tun.

O Caos nunca morreu.

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