Sunday, August 30, 2009

OFERECER O POEMA À MENINA


Não perco nada
em oferecer um poema
à menina da "Cristina"
os poetas,
pelo menos aqueles de que descendo,
sempre ofereceram poemas às meninas
não é um gesto antiquado
nem fora de moda
a gaja não me vai insultar
nem fazer cara feia,
espero eu
posso não alcançar
os efeitos pretendidos
mas não perco nada
em oferecer o poema
já o fiz no passado
muitas vezes
porque não voltar a fazê-lo?
Afinal de contas, já nem sou
um poeta qualquer
publicam-me livros
convidam-me para debates e espectáculos
de vez em quando
até apareço nos jornais
porque raio não hei-de
oferecer o poema?

Wednesday, August 19, 2009

POESIA DA CAGADEIRA

Poesia da Cagadeira


Obrar é lei do mundo,
Cagar lei do universo,
E foi assim, cagando,
Que eu fiz este verso

Sentado na cagadeira,
Sinto uma emoção profunda
A bosta bate na água
E a água bate na bunda

Por que mijas fora
se no entanto cagas dentro?
Ou tens o pau torto
ou o cú fora do centro!

Pego no papel higiénico,
Passo a lixa na bunda
Aperto o botão da descarga,
Mas a merda não afunda

Bosta não é tinta
Dedo não é pincel
Para limpar o cú
É favor usar papel

Xkutiv

Tuesday, August 18, 2009

BOLAS NO POSTE


Ouço Nietzsche de novo
lá dentro
os homens olham para a bola
alimentam-se dela
eu tenho a minha filosofia
penso no sentido da vida
tenho levado uma vida solitária
com as minhas festas
os meus banquetes
segui o caminho da liberdade
isso ninguém me tira
mesmo que fique na merda
mesmo que caia em desgraça
segui o caminho
que conduz a mim mesmo
há salvas de canhão
dentro da minha mente
procuro a eternidade
do instante
não me adaptei á vida burguesa
às conversas do senso comum
à vulgaridade do intelecto

a bola acaba
os homens abandonam o café
nada de profundo
nada de sublime
só golos
e bolas no poste.

Monday, August 17, 2009

BUKOWSKI

OH SIM

há coisas piores do que
estar só
mas costuma levar décadas
até que o percebamos
e frequentemente
quando o conseguimos
é demasiado tarde
e nada pior
do que
ser demasiado tarde.


Charles Bukowski
(tradução de Tiago Nené)

CHARLES BUKOWSKI

O CORAÇÃO QUE RI


A tua vida é a tua vida
Não a deixes ser dividida em submissão fria.
Está atento
Há outros caminhos,
Há uma luz algures.
Pode não ser muita luz mas
vence a escuridão.
Está atento.
Os deuses oferecer-te-ão hipóteses.
Conhece-las.
Agarra-las.
Não podes vencer a morte mas
podes vencer a morte em vida, às vezes.
E quanto mais o aprendes a fazê-lo,
mais luz haverá.
A tua vida é a tua vida.
Memoriza-o enquanto a tens.
És magnífico.
Os deuses esperam por se deliciarem
em ti.


Charles Bukowski
(Tradução de Tiago Nené

BUKOWSKI

Um poema de amor

todas as mulheres
todos os beijos delas as
formas variadas como amam e
falam e carecem.

suas orelhas elas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.

principalmente
as mulheres são muito
quentes elas me lembram a
torrada amanteigada com a manteiga
derretida
nela.

há uma aparência
no olho: elas foram
tomadas, foram
enganadas. não sei mesmo o que
fazer por
elas.

sou
um bom cozinheiro, um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar — eu estava ocupado
com coisas maiores.

mas gostei das camas variadas
lá delas
fumar um cigarro
olhando pro teto. não fui nocivo nem
desonesto. só um
aprendiz.

sei que todas têm pés e cruzam
descalças pelo assoalho
enquanto observo suas tímidas bundas na
penumbra. sei que gostam de mim algumas até
me amam
mas eu amo só umas
poucas.

algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
malucas mas nenhuma delas é
desprovida de sentido; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre
são as melhores em
outras coisas; todas têm limites como eu tenho
limites e nos aprendemos
rapidamente.

todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos de dormir
os tapetes as
fotos as
cortinas, tudo mais ou menos
como uma igreja só
raramente se ouve
uma risada.

essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
sustentaram.

BUKOWSKI

Poema nos meus 43 anos

Terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida —
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter
um quarto.

… de manhã
eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores, médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…

e você se vira
para o lado esquerdo
pra pegar o sol
nas costas
e não
direto nos olhos.

Tuesday, August 11, 2009

CHARLES BUKOWSKI

CHARLES BUKOWSKI

UM POEMA CRUEL

eles continuam a escrever
a despejar poemas –
jovens rapazes e professores universitários
mulheres que bebem vinho toda a tarde
enquanto os maridos trabalham,
eles continuam a escrever
com os mesmos nomes nas mesmas revistas
cada ano a escreverem pior,
publicam colectâneas de poesia
e despejam mais poemas
parece um concurso
é um concurso
mas o prémio é invisível.

eles não escrevem nem contos nem ensaios
nem romances
apenas
despejam poemas
todos parecidos com os dos outros
e cada vez menos originais,
e alguns dos rapazes cansam-se e desistem
mas os professores nunca desistem
e as mulheres que bebem vinho toda a tarde
nunca, mas mesmo nunca, desistem
e chegam outros rapazes com novas revistas
e há troca de cartas entre poetas e poetisas
alguns chegam a foder
e tudo é exagerado e aborrecido.

quando os poemas saem
eles reescrevem-nos
e enviam-nos para a próxima revista na lista,
e fazem leituras
todas as que conseguem fazer
a maior parte de borla
na esperança que alguém repare neles
que alguém os aplauda
lhes reconheça o talento
os felicite
eles estão convencidos da sua genialidade
há muito poucas dúvidas,
e muitos vivem no Grande Porto ou Grande Lisboa,
e as suas caras são como os poemas que escrevem:
semelhantes,
e conhecem-se uns aos outros e
reúnem e odeiam e admiram e escolhem e expulsam
e continuam a despejar mais poemas
mais e mais poemas
mais e mais poemas
o concurso dos pasmados:
tap tap tap, tap tap, tap tap tap, tap tap…

Monday, August 10, 2009

ENTRE A NOVA ONDA E A PADEIRINHA


Entre a "Nova Onda" e a "Padeirinha"
a televisão incomoda
e até vejo aqui gajas boas
aparte as que a televisão mostra
em biquini
as empregadas estão sempre a mudar
tal como na "Nova Europa"
e o homem que se dá com toda a gente
fala com toda a gente
e lê o jornal
as boazonas desfilam
de biquini na televisão
que já não incomoda
e a miss que ganhou
nem é grande coisa.

O VELHOTE E O ROCHA

O velhote fuma cá dentro
parece que tem dívidas
ao Arlindo
que o manda fumar
lá para fora
o velhote fala
no outro mundo
e o Rocha não está cá
para comentar.
Venho ao "Nova Europa"
o Rocha uma vez mais
não está
que será feito do Rocha?
O Arlindo saúda-me
não se esqueceu de mim
o "Nova Europa"
está na mesma
só falta aqui o rocha
a Rosa também não está
que pasmaceira!
São quase cinco
e eu tenho de ir à AJA
entregar os livros
Paredes de Coura já era
e a Gotucha não sei se vem.

Thursday, August 06, 2009

DIÁRIO


É quase Agosto. Até o futebol anda às moscas. Ontem em V.N. Telha falava-se de política, do Bragança Fernandes, o presidente da Câmara da Maia. Devem pensar que eu sou um perigoso revolucionário. Começaram a falar mal dos políticos à segunda cerveja. Há conversas que me acendem. A maior parte das conversas é uma seca. A maior parte das conversas falam sempre das mesmas coisas. Há jogos de futebol que me fazem dormir. Há adeptos que praguejam a todo o momento. Há adeptos que só têm bolas na cabeça. Valha-nos a cerveja. O gerente e a mulher são porreiros. Até me compram livros. Não há dúvida que a cerveja acelera a escrita. Hoje aqui neste ermo e amanhã no meio da multidão. São os contrastes deste mundo. Só espero que não chova às três horas lá em Paredes de Coura.
Vai chover amanhã. Isso põe em causa o espectáculo de Paredes de Coura. Estou preocupado. Estou nervoso. Aqui em Vilar do pinheiro os cafés estão às moscas. Cheira a Agosto. Com um dia destes nada faria prever que chovesse amanhã. Amanhã lá estaremos, aconteça o que acontecer. A Gotucha continua retida na Madeira.

Monday, August 03, 2009

O POETA QUE BEBE E ESCREVE


O Do Vale chegou
e eu bebo
acho que se pudesse
passava a vida a beber
sempre suportava
melhor o tédio
sempre apanhava
brutas bebedeiras
e andava quase sempre
alegre
de qualquer modo
este ofício de escrever
não é mau
desde que haja álcool
um gajo lá se diverte
a escrever acerca dos outros
sempre tece umas considerações
acerca da humanidade
sempre mica umas gajas
sempre tem uns momentos de fama
e de anonimato
e lá vai bebendo uns copos
sem ter de trabalhar
como os outros
isso é que interessa
o que interessa é o rock n' roll
e as bolas a rolar
às vezes até se gosta de futebol
sem se deixar contagiar
também não se pode andar
paranóico com a gripe
ou com a SIDA
ou com o caralho que seja
o que importa
é um gajo estar inteiro
e inventar umas coisas
deixar fluir
de vez em quando
umas gajas vêm ter connosco
dão-nos o que queremos
não tem necessariamente
de ser "top-models"
e lá vamos passando as horas
no "Piolho"
a fazer horas para o "Púcaros"
os media lá nos vão dando importância
e assim existimos
é claro que ainda não dissemos
o que queríamos dizer
é claro que ainda não dissemos tudo:
Sócrates, cabrão cinzentão sem coração,
não temos medo de ti!
Mundo não serves,
queremos outro!
Mas hoje não é dia para dramatizar
hoje só queremos beber uns finos
somos o poeta à mesa que bebe e escreve
divertimo-nos com o espectáculo do mundo
neste momento até nem temos
razões de queixa
outros que se manifestem
outros que subam ao palco
já chegamos onde queríamos chegar
já vimos Deus e os deuses e os demónios
já estivemos no céu e no inferno
já estivemos neste palco muitas vezes
já recebemos palmas e apupos
agora somos apenas o poeta que bebe
o poeta que bebe e escreve
à mesa do "Piolho"
nada mais
apenas isso
contentamo-nos com uns finos
e uns sorrisos.


"Piolho", 29.7.2009