Sunday, September 14, 2008
SEGREDOS DA ARTE MÁGICA SURREALISTA
SEGREDOS DA ARTE MÁGICA SURREALISTA
André Breton
Composição surrealista escrita, ou primeiro e último jato
Mande trazer com que escrever, quando já estiver colocado no lugar mais confortável possível para concentração do seu espírito sobre si mesmo. Ponha-se no estado mais passivo ou receptivo, dos talentos de todos os outros. Pense que a literatura é um dos mais tristes caminhos que levam a tudo. Escreva depressa, sem assunto preconcebido, bastante depressa para não reprimir, e para fugir à tentação de se reler. A primeira frase vem por si, tanto é verdade que a cada segundo há uma frase estranha ao nosso pensamento consciente pedindo para ser exteriorizada. É bastante difícil decidir sobre a frase seguinte: ela participa, sem dúvida, a um só tempo, de nossa atividade consciente e da outra, admitindo-se que o fato de haver escrito a primeira supõe um mínimo de percepção. Isto não lhe importa, aliás; é aí que reside, em maior parte, o interesse do jogo surrealista. A verdade é que a pontuação se opõe, sem dúvida, à continuidade absoluta do vazamento que nos interessa, se bem que ela pareça tão necessária quanto a distribuição dos nós numa corda vibrante. Continue enquanto lhe apraz. Confie no caráter inesgotável do murmúrio. Se o silêncio ameaça cair, por uma falta da inatenção, digamos, que o leve a cometer um pequeno erro, não hesite em cortar uma linha muito clara. Após uma palavra cuja origem lhe pareça suspeita, ponha uma letra qualquer, a letra “l”, por exemplo, sempre a letra “l”, restabeleça o arbitrário, impondo esta letra como inicial à palavra que vem a seguir.
Para não mais se aborrecer acompanhado
É difícil. Não receba ninguém, e às vezes, quando ninguém, e às vezes, quando ninguém tiver forçado sua porta para interrompê-lo em plena atividade surrealista e cruzar seus braços, pense: “É igual, certamente há coisa melhor para fazer, ou para não fazer. O interesse da vida não se mantém. Simplicidade, o que se passa em mim ainda me aborrece!” ou qualquer banalidade revoltante.
Para fazer discursos
Fazer-se inscrever, na véspera da eleição, na lista de candidatos do primeiro lugar que ache bom proceder a esse gênero de consulta. Cada um tem em si o material de orador: tangas multicores, vidrilhos das palavras. Pelo surrealismo ele vai surpreender o desespero em sua pobreza. Uma tarde, numa estrada, ele sozinho cortará em pedaços o céu eterno, esta Pele do Urso. Vai prometer tanto, que se cumprir mesmo uma insignificância será uma consternação. Dará às reivindicações do povo todo uma entonação parcial e derrisória. Obterá a comunhão dos mais irredutíveis adversários num desejo secreto que acabará com as pátrias. E conseguirá isso com apenas se deixando exaltar com a palavra imensa que derrete em piedade e rola em ódio. Incapaz de um desalento, brincará sobre o veludo de todo sos desalentos. Será mesmo eleito, e as mais suaves mulheres o amarão com violência.
Para escrever falsos romances
Você, seja quem for, se é de seu agrado, faça queimar algumas folhas de louro, e sem atiçar este fogo fraco, e comece a escrever um romance. Você tem a permissão do surrealismo: basta você mudar a agulha de “Tempo bom e estável” para “Ação” e a mágica está feita. Eis aqui personagens com atitudes disparatadas: os nomes deles em sua escritura são uma questão de maiúsculas e estarão tão a vontade com os verbos ativos como na conjugação impessoal, os pronomes estão subentendidos, em expressões tais como: chove, há, é preciso, etc. Eles vão comandá-los, por assim dizer, e quando a observação, a reflexão, e as faculdades de generalização não lhe tenham ajudado nada, esteja certo de que eles vão lhe retribuir mil intenções que você não teve. Assim dotados de poucas características físicas e morais, estes seres, que em verdade lhe devem tão pouco, não se desviarão de uma certa linha de conduta, com a qual você não precisa se incomodar. Daí resultará uma intriga mais ou menos hábil na aparência, justificando ponto por ponto esse desfecho comovente ou tranqüilo, ao qual você não dá nenhuma atenção. O seu falso romance imitará admiravelmente um romance verdadeiro; você ficará rico, e todos concordam em dizer que você tem “algo na barriga”, pois é aí mesmo que este algo está.
Bem entendido, por um processo análogo, e à condição de ignorar o que você vai comentar, você poderá se aplicar com sucesso à falsa crítica.
Para se exibir a uma mulher que passa na rua
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Contra a morte
O surrealismo vai introduzir você na morte que é uma sociedade secreta. Ele vai enluvar sua mão, sepultando aí o “M” profundo por onde começa a palavra Memória. Não deixe de tomar felizes disposições testamentárias; por minha parte, peço que eu seja conduzido ao cemitério num carro de mudança. Que meus amigos destruam até o último exemplar, a edição do Discurso sobre o Pouco da Realidade.
A linguagem foi concedida ao homem para fazer dela um uso surrealista. Na medida em que lhe é indispensável fazer-se compreender, ele consegue, bem ou mal, exprimir-se e assim assegurar o desempenho de algumas funções, das mais banais. Falar, escrever carta não lhe oferecem nenhuma dificuldade real, desde que, fazendo-o, ele não se proponha um objetivo acima da média, isto é, desde que se limite a entreter-se (pelo prazer de entreter-se) com alguém. Ele não fica aflito com as palavras que virão, nem com a frase que virá, terminada a sua. Ele será capaz de responder à queima-roupa a uma pergunta bem simples. À falta de tiques contraídos no convívio com os outros, ele pode opinar espontaneamente sobre alguns poucos assuntos: para isso não lhe é preciso antes “contar até dez” nem ter fórmulas preparadas. Quem poderá tê-lo convencido de que esta faculdade de “falar logo à primeira” só serve para desserví-lo, quando ele se propõe estabelecer ligações mais delicadas? Ele não deve se recusar a falar ou escrever de improviso sobre nada. Ouvir-se, ler-se, não tem outro efeito senão o de suspender o oculto, o admirável auxílio. Não conto para me compreender (chega! sempre me compreenderei). Se esta ou aquela de minhas frases me traz na hora uma leve decepção, confio na frase seguinte para redimi-la, cuido para não recomeçá-la ou aperfeiçoá-la. A mínima perda de ímpeto ser-me-ia fatal. As palavras, os grupos de palavras que se sucedem exercem entre si a maior solidariedade. Não me compete favorecer estas em detrimento daquelas. Quem deve intervir é uma miraculosa compensação: e ela intervém.
Não só esta linguagem sem reservas que procuro tornar sempre válida, que me parece adaptar-se a todas as circunstâncias da vida, não só esta linguagem não me desfalca nenhum de meus recursos, mas ainda me confere uma extraordinária lucidez justo no domínio onde eu menos esperava dela. Posso até sustentar que ela me instrui, e com efeito já me aconteceu utilizar surrealmente palavras cujo sentido eu esquecera. Pude verificar depois que o uso feito por mim correspondia exatamente a sua definição. Isto poderia fazer crer que não se “aprende”, que sempre se “reaprende”. Há expressões felizes com as quais assim me familiarizei. E não me referi à consciência poética dos objetos que só pude adquirir pelo seu contato espiritual mil vezes repetido.
É ainda ao diálogo que as formas da linguagem se adaptam melhor. Aí, dois pensamentos se confrontam; enquanto um ser revela, o outro se ocupa com ele, mas como? Supor que o incorpore a si seria admitir que certo tempo lhe é possível viver inteiramente deste outro pensamento, coisa muito improvável. De fato, a atenção que lhe é dada é toda exterior; só tem ensejo de aprovar ou de desaprovar, geralmente desaprovar, com toda a deferência de que o homem é capaz. Este modo de linguagem não permite, aliás, chegar ao fundo de um assunto. Minha atenção, vítima de uma solicitação que não pode decentemente repelir, trata o pensamento alheio como inimigo; na conversação usual ela o “censura” quase sempre pelas palavras, pelas figuras de que se serve; ela me põe em condições de tirar partido delas, desnaturando-as. Isto é tão verdade que em certos estados mentais patológicos, onde os distúrbios sensoriais afetam toda a atenção do doente, limita-se este, que continua a responder às perguntas, a pegar a última palavra pronunciada junto dele, ou o último membro de frase surrealista que deixou vestígio em seu espírito:
“Que idade você tem? “ – Tem (Ecolalia)
“Como você se chama?” – Quarenta e cinco casas (Sintoma de Ganser, ou das respostas absurdas)
Não há conversa onde não entre algo dessa desordem.. O esforço de sociabilidade aí reinante e a nossa grande prática é que nos disfarçam esse fato, por pouco tempo. Também é a grande fraqueza do livro entrar sempre em conflito com seus melhores leitores, quero dizer, com os mais exigentes. No pequeníssimo diálogo que acima improvisei, entre o médico e o alienado, é este, aliás, quem leva vantagem: pois suas respostas o impõem à atenção do médico examinador – e não é o mais forte? Talvez. Ele tem liberdade de não se importar com seu nome nem com sua idade.
O surrealismo poético, ao qual consagro este estado, dedicou-se até agora a restabelecer o diálogo em sua verdade absoluta, isentando os dois interlocutores das obrigações de cortesia. Cada um deles simplesmente prossegue em seu solilóquio, sem procurar tirar daí um prazer dialético particular nem se impor a seu vizinho, de forma alguma. Os conceitos emitidos na conversa não visam, como geralmente, o desenvolvimento de uma tese, tão insignificante quanto se queira, eles são tão desafetados quanto possível. Quanto à resposta que reclamam, ela é, em princípio, totalmente indiferente ao amor-próprio de quem falou. As palavras, as imagens não se oferecem senão como trampolim ao espírito de quem escuta. É dessa maneira que devem se apresentar em Les Champs Magnétiques, primeira obra puramente surrealista, as páginas reunidas sob o título de Barrières nas quais Soupault e eu nos mostramos como estes interlocutores imparciais.
O Surrealismo não permite àqueles que se entregam a ele que o abandonem a seu bel-prazer. Tudo leva a crer que ele atue no espírito como os estupefacientes: como eles, cria um certo estado de dependência e pode impelir o homem a revoltas terríveis.Também é, se quiserem, um paraíso artificial, e o prazer que nele se tem depende da crítica de Baudelaire ao mesmo título que os outros. Assim também a análise dos misteriosos efeitos e dos gozos particulares que ele pode produzir – em muitos aspectos o surrealismo aparece como um vício novo, que não deve ser apanágio de alguns homens apenas; como o haxixe, ele pode satisfazer todos os delicados – e uma tal análise não pode faltar neste estudo.
1. Passa-se com as imagens surrealistas como as imagens do ópio, não mais evocadas pelo homem, mas que “se lhe oferecem, espontaneamente, despoticamente. Não pode mandá-las embora, porque a vontade não tem mais força e não mais governas faculdades” (Ch.B.) Resta saber se alguma vez se “evocou” as imagens. Se a pessoa se apóia, como eu faço, na definição de Reverdy, não parece possível aproximar voluntariamente o que ele chama “duas realidades distintas”. A aproximação se faz ou não se faz, eis tudo. Nego, por minha parte, de maneira mais formal, que em Reverdy imagens tais como:
No regato corre uma canção
ou
O dia se desdobrou como uma toalha branca
ou
O mundo esconde-se num saco
ofereçam o mínimo grau de premeditação. Considero falso pretender que “o espírito discerniu as relações” das duas realidades em presença. Para começar, nada é discernido conscientemente. É da aproximação, por assim dizer, fortuita dos dois termos que fulgiu uma luz especial, a luz da imagem, à qual somos infinitamente sensíveis. O valor da imagem depende da beleza da centelha obtida; é, por conseguinte, função da diferença de potencial entre os dois condutores. Se esta diferença mal existe, como na comparação, a centelha não se produz. Ora, não está, a meu ver em poder do homem combinar a aproximação de duas realidades tão distantes. O princípio da associação de idéias, tal como o concebemos, opõe-se a isso. Ou então seria preciso voltar a uma arte elíptica, condenada por Reverdy, como também por mim. É forçoso, portanto, admitir que os dois termos da imagem não são deduzidos um do outro pelo espírito em vista da centelha a produzir, que eles são os produtos simultâneos da atividade que denomino surrealista, limitando-se a razão a constatar e a apreciar o fenômeno luminoso.
E assim como a centelha aumenta quando produzida através de gazes rarefeitos, a atmosfera surrealista criada pela escrita mecânica, que fiz questão de colocar ao alcance de todos, presta-se especialmente à produção das mais belas imagens. Pode-se dizer até que as imagens aparecem nesta corrida vertiginosa como os guiões únicos do espírito. Aos poucos o espírito se convence da suprema realidade das imagens. Limitando-se no começo a lhes prestar sugestão, logo ele percebe que lisonjeiam sua razão, aumentam, outrossim, seu conhecimento. Ele toma conhecimento dos espaços ilimitados onde se manifestam seus desejos, onde se reduzem sem cessar o pró e o contra, onde sua obscuridade não o atraiçoa. Ele vai, conduzido por estas imagens que o seduzem, que apenas lhe dão tempo para soprar os dedos queimados. É a mais bela das noites, a noite dos fulgores; perto dela, o dia é a noite.
Os tipos inumeráveis de imagens surrealistas reclamariam uma classificação, que por hora não me disponho a tentar. Agrupá-los conforme suas afinidades particulares me levaria longe; pretendo levar em consideração, e essencialmente, sua virtude comum. Não escondo que, para mim, a mais forte é a que tem o mais elevado grau de arbitrário; a que exige mais tempo para ser traduzida em linguagem prática, seja por conter uma enorme dose de contradição aparente, seja por ficar um de seus termos curiosamente disfarçado, seja por se apresentar como sensacional e pareça se desenlaçar pouco (fechando bruscamente o ângulo de seu compasso), seja porque retira dela mesma uma justificação formal derrisória, seja por ser de ordem alucinatória, seja por ser de ordem alucinatória, seja por atribuir com naturalidade ao abstrato a máscara do concreto, ou inversamente, seja por implicar a negação de alguma propriedade física elementar, seja por provocar o riso. Eis, por ordem, alguns exemplos:
O rubi do champanhe. Lautréamont
Belo como a lei da parada do desenvolvimento do peito nos adultos cuja propensão ao crescimento do peito nos adultos cuja propensão ao crescimento não tem relação com a quantidade de moléculas assimiladas pelo seu organismo. Lautréamont
Uma igreja erguia-se, estrepitosa como um sino. Philippe Soupault
No sono de Rose Sélavy um anão surgido de um poço com ar soturno vem comer seu pão com um moço no horário noturno. Robert Desnos
Sobre a ponte o orvalho com cara de gata se embalava. André Breton
Um pouco à esquerda, em meu firmamento imaginado, vislumbro – será apenas uma névoa de sangue e morte – o brilhante fosco das perturbações da liberdade. Louis Aragon
Na floresta abrasada. Roger Vitrac
A cor das meias de uma mulher não está obrigatoriamente à imagem de seus olhos, o que fez um filósofo (inútil nomeá-lo) dizer: “Os cefalópodes têm mais razão que os quadrúpedes para odiar o progresso. Max Morise
1. Que se queira ou não, há aqui matéria para satisfazer a várias exigências do espírito. Todas estas imagens parecem comprovar que o espírito está maduro para outra coisa, diferente das benignas alegrias que ele geralmente se concede. É a única maneira que ele tem de fazer virar a seu favor a quantidade ideal de acontecimentos de que está carregado. Estas imagens lhe dão a medida de sua dissipação ordinária e dos movimentos resultantes. Não é mau que elas o desconcertar o espírito é colocá-lo no seu erro. As frases que citei providenciam bastante para isso. Saboreando-as, o espírito tira dessas frases a certeza de estar no caminho certo; para ele próprio, ele não poderia condenar-se por argúcia; nada tem a temer, pois, além de tudo, ele se sente capaz de alcançar tudo.
2. O espírito que mergulha no surrealismo revive com exaltação a melhor parte de sua infância. Para ele é um pouco como a certeza de quem, a ponto de morrer afogado, repassa em menos de um minuto todo o insuperável de sua vida. Dirão que é muito animador. Mas não faço questão de animar quem me diz isso. Das recordações de infância e de algumas outras, vem um sentimento de não abarcado, e pois, de desencaminhado, que considero o mais fecundo que existe. Talvez seja a infância que mais se aproxima da “vida verdadeira”; a infância além da qual o homem só dispõe, além de seu salvo-conduto, de alguns bilhetes de favor; a infância onde tudo concorria entretanto para a posse eficaz, e sem acasos, de se si mesmo. Graças o surrealismo, parece que estas chances voltam. É como se a pessoa ainda corresse para sua salvação, ou sua perda. Revive-se, na sombra, um terror precioso, Graças a Deus, por enquanto é só o purgatório. Atravessa-se em sobressalto, o que os ocultistas chamam de paisagens perigosas. Meus passos suscitam monstros que espreitam; eles não estão ainda muito mal-intencionados a meu respeito, e não estou perdido, pois os temo. Eis “os elefantes com cabeça de mulher e os leões voadores” que Soupault e eu ainda há pouco tremíamos de medo de encontrar, eis o “peixe solúvel” que ainda me assusta um pouco. PEIXE SOLÚVEL, não serei eu o peixe solúvel, nasci sob o signo de Peixes e o homem é solúvel em seu pensamento! A fauna e a flora do surrealismo são inconfessáveis.
3. Não creio que esteja próximo de se estabelecer um decalque surrealista. Os caracteres comuns a todos os textos do gênero entre os quais aqueles que acabo de assinalar e muitos outros que só poderíamos entender com análise gramatical e análise lógica cerradas, não se opõem a uma certa evolução da prosa surrealista no tempo. Vindo depois de inúmeros ensaios aos quais nesse sentido me dedico há cinco anos, e de que tenho a fraqueza de julgar extremamente desordenados pela maior parte, as historietas que formam a seqüência deste volume trazem-me uma prova-flagrante disso. Nem por isso as considero mais dignas de figurar aos olhos do leitor os benefícios que o subsídio surrealista é susceptível de fazer sua consciência realizar.
Os meios surrealistas reclamariam, aliás, uma ampliação. Tudo é bom para obter de certas associações a desejável subitaneidade. Os papéis colados de Picasse e de Braque têm o mesmo valor que a introdução de um lugar-comum num desenvolvimento literário do estilo mais castiço. É até mesmo permitido intitular POEMA o que se obtém pela agregação tão gratuita quanto possível (observemos, faz favor, a sintaxe) de títulos e fragmentos de títulos recortados dos jornais:
POEMA
Uma risada de safira na ilha de Ceilão
As mais belas palhas
Têm a cor esmaecida
Na prisão
Numa fazenda isolada
NO DIA-A-DIA
agrava-se
O agradável
Um caminho carroçável
vos conduz ao desconhecido
O Café
roga por si mesmo
O ARTESÃO QUOTIDIANO DE VOSSA BELEZA
Senhora,
um par
de meias de seda
não é
Um salto no vazio
UM CERVO
Antes de tudo o amor
Tudo poderia acabar tão bem
Paris é uma grande aldeia
Vigial
o fogo incubado
a oração
Sabei que
os raios ultravioleta
terminaram seu trabalho
bom e rápido
O PRIMEIRO JORNAL BRANCO
DO ACASO
Vermelho será
O cantor errante
ONDE ESTARÁ?
na memória
em sua casa
NO BAILE DOS ARDENTES
Faço
dançando
O que se fez, o que se fará
E os exemplos poderiam ser multiplicados. O teatro, a filosofia, a ciência, a crítica ainda conseguiriam encontrar-se aí. Quero logo dizer que as futuras técnicas surrealistas não me interessam.
Bem mais graves me parecem ser, já suficientemente o dei a entender, as aplicações do surrealismo à ação. Claro, não creio na virtude profética da palavra surrealista. “O que digo é oráculo”: Sim, enquanto eu quiser, mas o que é este mesmo oráculo? A devolução dos homens não me engana. A voz surrealista que sacudia Cumes, Dodona e Delfos não é senão a que me dita os meus discursos menos irados. Meu tempo não deve ser o seu, porque iria ela ajudar-me a resolver o problema infantil de meu destino? Finjo, por desgraça, agir em um mundo em que, para chegar a ter em considerações suas sugestões, seria obrigado a passar dois tipos de intérpretes, uns para me traduzirem suas proposições, outros, impossíveis de encontrar, para impor a meus semelhantes a compreensão que eu dele teria. Este mundo no qual eu suporto o que suporto (e não queiram saber)m este mundo moderno, afinal, diabo, que querem que eu faça nele? A voz surrealista se calará talvez, perdi a conta dos desaparecimentos. Não entrarei mais, nem um pouco, na discriminação maravilhosa de meus anos e de meus dias. Serei como Nijinski, conduzido no ano passado ao Balet Russo, que não compreendeu a que espetáculo assistia. Estarei só, bem só em mim, indiferente todos os balés do mundo. O que eu fiz, dou tudo para vocês.
Desde logo, me dá uma grande vontade de considerar com indulgência o devaneio científico, afinal de contas, e a tantos respeitos, tão inconvenientes. Os sem-fio? Não vejo malo nisso. Cinema? Bravo! para as salas escuras. Guerra? Bem que nos ríamos. Telefone? Alô, sim. Mocidade? Encantadores cabelos brancos. Procurem me fazer dizer “obrigado”. “Obrigado” Obrigado... Se o vulgo dá valor ao que é, propriamente falando, pesquisa de laboratório, é que isto levou ao lançamento de uma máquina, à descoberta de um soro, com os quais o vulgo se acha diretamente interessado. Ele não duvida, quiseram melhorar sua sorte. Não sei quanto entra exatamente no ideal dos sábios de votos humanitários, mas não me parece que isto constitua grande ato de bondade. Falo, bem entendido, dos verdadeiros sábios e não dos vulgarizadores de toda ordem que se fazem entregar um certificado. Creio que neste domínio como num outro, na pura alegria surrealista do homem que, advertido pelo fracasso sucessivo de todos os outros, não se dá por vencido, parte de onde quer, e, por um caminho qualquer que não é razoável, chega onde pode. Tal ou tal imagem, com que ele julgará oportuno balizar sua marcha, e que talvez lhe valerá o reconhecimento público, posso confessar que me é indiferente em si. O material com o qual ele precisa se atravancar tão pouco me impressiona: seus tubos de vidro, minhas penas metálicas... Quando a seu método, para mim, troco pelo que vale o meu. Vi em ação o inventor do reflexo cutâneo plantar: manipulava sem descanso seus pacientes, o que praticava era bem outra coisa que não um “exame”. era claro que ele não confiava mais em plano nenhum. Daqui e dali, ele formulava uma observação de modo distante, sem pôr de lado sua agulha, enquanto seu martelo corria sempre. O tratamento dos doentes, deixava ele ao cuidado dos outros esta tarefa fútil. Estava possuído dessa febre sagrada.
O surrealismo, tal como o encaro, declara bastante o nosso não-conformismo absoluto para que possa ser discutido trazê-lo, no processo do mundo real., como testemunho de defesa. Ao contrário, ele só pode justificar o estado completo de distração da mulher em Kant, a distração das “uvas” em Pasteur, a distração dos veículos em Curie são a esse respeito profundamente sintomáticos. Este mundo só relativamente está à altura do pensamento, e os incidentes deste gênero são apenas os episódios até aqui mais marcantes de uma guerra de independência, da qual tenho o orgulho de participar. O surrealismo é o “raio invisível” que um dia nos fará vencer os nossos adversários. “Não tremes mais, carcaça.” Neste verão as rosas são azuis, a madeira é de vidro. A terra envolta em seu verdor me faz tão pouco afeito quanto um fantasma. VIVER E DEIXAR DE VIVER É QUE SÃO SOLUÇÕES IMAGINÁRIAS. A EXISTÊNCIA ESTÁ EM OUTRO LUGAR.
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