Thursday, May 03, 2012

A IDEIA

Vivemos numa sociedade amputada que esquece que vimos dos nossos antepassados, dos xamãs, de outros seres, das estrelas. Que esquece que somos essencialmente poesia, criação, música, que dançamos em êxtase em redor da fogueira, que somos espírito, bênção, liberdade, vida e não estes escravos do trabalho, das horas, dos patrões, dos governantes, da máquina. Viemos ao mundo mas também o construímos e construindo-o vivêmo-lo porque somos soberanos, filhos dos deuses, bailarinos. Nada está realmente acima de nós. Somos a alma, o movimento, o universo. E também a criança que nasce, a criança sábia. E somos realmente capazes de rir, de chorar, de amar. Por isso não precisamos de leis nem de governos nem de polícias. Porque tudo quanto existe e alguma vez existiu está em nós. Por isso somos reis, deuses, xamãs. Ou, pelo menos, alguns de nós podemos sê-lo. Aqueles de nós que não estão irremediavelmente perdidos para a vida, aqueles de nós que não se deixaram derrotar pela máquina, os espíritos livres. É essa a ideia, somos nós a ideia, ninguém nos vai roubar a ideia, nunca mais.
Dizem que a mulher que eu quero não existe dizem que os meus poemas são potentes, que fogem à normalidade as minhas amigas pagam-me copos para financiar a revolução e eu vou existindo venho ao 25 de Abril, ao 1º de Maio espero pela Gotucha no Ceuta escrevo umas prosas poéticas e uns poemas prosaicos tomo café as empregadas de mesa tratam-me bem vou observando o mundo a mulher que lê ao fundo o 1º de Maio na Praça sinto-me, de facto, como Pessoa os anos vão passando e eu vou fazendo as minhas coisas sem grandes sobressaltos poderia ter mais dinheiro nos bolsos A Gotucha chegou. Porto, Ceuta, 1.5.2012

Wednesday, May 02, 2012

O homem volta a pegar na caneta e escreve. Agora não tem computador. Está em Braga, na "Pastelaria São João", mesmo ao lado da casa da Gotucha. Tem Antero de Quental à sua frente. Escreve. Pensa. Espera pelo segundo café. Estreou um novo caderno, mais pequeno. A poesia é uma forma de resistência. Uma forma de liberdade livre, de vida plena. O homem escreve poesia na forma de prosa. Logo à noite talvez vá ao Pinguim. As pessoas vão entrando na confeitaria. O homem faz um esforço para escrever. O mesmo que fazem outros escritores, mais famosos. Ainda assim escreve. Vai buscar a matéria da escrita às profundezas de si mesmo. Deveria talvez inventar outros personagens, como fazia na infância. O Francisco José, o Celorico D' Almeida. Mas continua a contar a história de si mesmo. Olha a Avenida da Liberdade. Os carros que passam. Os prédios. Os apartamentos. Se os ficheiros desaparecem do computador sempre tem os cadernos. Embora corra também o risco de os perder. O Isaque Ferreira já se ofereceu para os guardar. O homem á mesa. A chávena de café. A confeitaria. Tudo parte daqui. É este o mundo. O homem, de vez em quando, dá umas entrevistas. Fica registado. Diz ao mundo o que pensa. No entanto, ainda não conseguiu dizer tudo o que pretende dizer. Ainda não denunciou a máquina na sua plenitude. No fundo, é este que está aqui à mesa de escrever. Não tem um trabalho fixo nem o poderia ter agora. Ao escrever sobre si mesmo, escreve sobre o mundo. De qualquer modo, o mundo, o país, está uma desgraça. Enquanto que o homem continua a escrever, a criar. O governo, a Merkel e a troika destroem o país e o homem continua a escrever. Tem papel, caneta, mãos e café. É o suficiente para prosseguir, aparte os amores e as amizades. Oxalá o caderno não se perca.