Sunday, June 29, 2008

O MANIFESTO DA VELHA


Ontem no café ouvi uma velha
dizer que isto está cheio de gente
que não quer trabalhar
que anda tudo atrás do rendimento mínimo
que não falta trabalho

Olha, velha, eu assumo que não quero trabalhar
olha, velha, podes ir rezar aos teus santinhos
podes ir chupar a piça ao Sócrates
que o meu reino não é o teu
Sabes, velha, estou-me a cagar para os vossos preconceitos
e para a poesia lírica
sabes, velha, eu quero que o teu país fique ingovernável
que os partidos se fodam uns aos outros
que o dinheiro e o trabalho desapareçam
que se gere o caos
que reine Dionisos
que as pessoas se amem e forniquem como iguais
sabes, velha, estou farto dos teus brandos costumes
e da tua sociedade imbecil
quero vinho, danças, circo
uma república de poetas.

Thursday, June 26, 2008


Fomos expulsos de mais uma organização- as MOTOCONAS DE MARTE. E esta, hein?

MANIFESTO ANTI-DINHEIRO


MANIFESTO ANTI-DINHEIRO (PASSANDO POR JOSÉ SÓCRATES)

O dinheiro destrói o homem, destrói tudo o que ele tem de mais puro: a bondade, o amor, a fraternidade. O dinheiro, a troca mercantil, traz consigo a competição desenfreada, a luta por lugares, promoções, sucesso, estatuto social, as guerras, o salve-se quem puder.
Uma sociedade baseada no dinheiro, no lucro e no poder reduz o homem à condição de mercadoria. Uma sociedade assim é sinónimo de miséria, depressões, suicídios. Uma sociedade assim não é mais suportável.
O próprio primeiro-ministro, Sócrates, não é apenas detestável por ser um péssimo governante mas sobretudo por ser um agente castrador ao serviço do dinheiro. Sócrates e o dinheiro amam o cinzento, o vazio, os automatismos, a morte. Sócrates e o dinheiro são ridículos. Sócrates e o dinheiro são inimigos da vida. Urge acabar com o dinheiro e despachar Sócrates o quanto antes.

PARTIDO SURREALISTA SITUACIONISTA LIBERTÁRIO DO MAIO DE 68

Friday, June 20, 2008

MANIFESTO DO ÓDIO


Vós, executivos,
que conduzis bombas
que usais fatinho
que vos masturbais
com o cacau
sabei que vos odeio

Vós, executivos,
que dirigis impérios
que comprais palácios
que amais a bolsa
sabei que vos odeio

Vós, mercadores,
que tudo comprais e vendeis
que nos sugais o sangue
que nos tirais a vida
sabei que vos odeio.

Tuesday, June 17, 2008

FUTEBOL-O OUTRO LADO


Abaixo o Euro 2008 e a paranóia do futebol competitivo. Vivam os jogos populares tradicionais e cooperativos

O desporto ( mais a sua indústria) ensina-nos a ser competitivos!

A educação dos jogos cooperativos habitua-nos, ao invés, a ser solidários e fraternos.



A ideologia desportiva pretende vender-nos, à socapa, e à custa de uma falsa ideia de neutralidade da actividade desportiva, os valores caros às sociedades capitalistas: uma concorrência feroz entre as equipas e os jogadores, o elitismo dos melhores, o nacionalismo, o culto da perfomance, a passividade do espectador-cidadão e as perversões alienantes da sociedade do espectáculo, etc.

Acresce a isso, nos últimos anos, a subtil montagem e manipulação das emoções das pessoas, a que já nos vamos habituando a assistir periodicamente, quando aquelas são convidadas ( e autorizadas, bem entendido) a berrar, buzinar, e a cometerem os desvarios do costume, enfim, a emocionar-se por motivos, que são, no geral, muito bem programados, e que, de imediato, são vendidos às massas com objectivos inconfessáveis, mas onde o lucro está sempre presente, regra geral, associado alarvemente a operações de manipulação, com a vantagem suplementar de, ao contrário dos carnavais de outros tempos, não existirem em tais excessos as habituais críticas ao poder estabelecido.

Com os espectáculos desportivos como o que nos entram pelos olhos ( e cérebros) dentro, o que se pretende é então alimentar a ilusão de um mundo em que cada equipa ( de cada nação, ou de cada cidade) tem as mesmas oportunidades de ganhar ( de vitória) como as demais, quando se sabe perfeitamente que assim não é, até porque as melhores equipas se constroem com investimentos milionários, só possíveis a quem for titular do real poder do capital.

Uma operação mental deste calibre permite alimentar junto dos mais desprevenidos a ideia ilusória de que, por exemplo, as nações colonizadas podem vencer as equipas das super-potências colonizadoras, ou de que - o que vai dar ao mesmo - os pobres só podem subir na escala social se tiverem talento suficiente para alcançarem o nível social dos ricos, por mais estúpidos e broncos que estes sejam.

A nossa bolsa de valores é o oposto a tudo isso. Queremos um mundo em que não haja necessidade de derrotar, e muito menos, de esmagar, quem quer que seja, para nos sentirmos bem. Queremos um mundo onde o gosto de jogar derive do prazer da partilha e do «estar em comum» e jamais da vitória ( e esmagamento ou massacre) sobre o outro.

Também rejeitamos a identificação às bandeiras de um qualquer Estado nacional, do mesmo modo que julgamos desprezíveis as manifestações ruidosas de rua dos adeptos fanatizados em glória aos vencedores.

Os campeonatos do mundo e da Europa do futebol, junto aos Jogos Olímpicos, são bem exemplos ilustrativos de todos esses valores que sub-repticiamente nos querem impingir, com a falsa ideia da neutralidade do desporto, devidamente embrulhada numa não menos falsa ética aplicada à competição feroz entre os jogadores-adversários em contenda.

A ideologia desportiva é, com efeito, tanto mais forte e insidiosa quanto mais invisível e discreta ela se mostrar…

Sejamos solidários uns com os outros.

Não alinhemos com a ideologia dominante da concorrência e da competição social( mesmo, dentro do desporto) das sociedades capitalistas.

Não à manipulação e à lavagem cerebral que nos transformam em agentes (…, isto é, em agenciados pelo poder) inconscientes da competição concorrencial do mercado

Por uma educação cooperativa e solidária entre todos os seres vivos.

Monday, June 16, 2008

MANIFESTO DA IMBECILIDADE


MANIFESTO DA IMBECILIDADE

Drogam-te com a publicidade
drogam-te com a televisão
com imbecis a fazer macaquices
com outros imbecis a dar chutos na bola
com outros imbecis a carregar microfones
com outros imbecis a colocar bandeiras vermelhas e verdes em todo o lado
com outros imbecis a gritar, a aplaudir e a ter orgasmos com o Ronaldo
com outros imbecis a dizer sempre as mesmas frases feitas
com outros imbecis a facturar, a pilhar, a traficar e a acumular dinheiro
com outros imbecis a lançar bombas
com outros imbecis a aceitar imbecilidade
com outros imbecis a criticar o vizinho que recebe o rendimento mínimo
com outros imbecis a foder o vizinho
com o vizinho imbecil a foder os imbecis
com o imbecil a competir com os imbecis
com o imbecil à cata de promoções, de estatuto social e do dinheiro
sempre o dinheiro
com o capitalista imbecil à cata do lucro imbecil
com o negociante imbecil à cata do lucro imbecil
com o político imbecil à cata do voto imbecil
com o imbecil a comer sandes ao balcão
com o imbecil a coçar os colhões
com as conversas imbecis
com os dias imbecis
com as noites imbecis
com todos os imbecis a imbecilizar

Onde está a saída?

COLECTIVO HIPÁTIA-MANIFESTO


Manifesto - A comunidade

Vindos de experiências geracionais diferentes, alguns de nós tendo participado na criação de colectivos de cariz libertário e anarquista continuados no tempo que se envolveram em publicações alternativas, iniciativas culturais de carácter crítico, intervenção na área da ecologia, e ocupações de casas e sua autogestão, juntamo-nos hoje aqui.

Contra qualquer via de pensamento único, tentamos contribuir para uma relexão radical face ao vigente, porque não entendemos a vida como ela nos é mostrada através de dispositivos de forma(ta)ção de massas, TVmerda, jornais controlados por grandes grupos de acumulação de capital, com a sua publicidade abusiva e invasora que nos empurra para universos de consumo e alienação - essa lavagem automática diária projectando imagens… instaladas já no cérebro de muitos.

O Estado ou qualquer forma de autoridade coerciva enoja-nos. Sentimos que não é legítimo o exercício do poder de uma pessoa em relação à outra.

O capitalismo democrático (ou não) garante uma sociedade hierarquizada que perpetua as desigualdades sociais, e modos estereotipados e aparentes de vida.

O dinheiro tornou-se a religião com mais devotos, onde tudo vale e se torna circular: ora acumulando mais capital especulativo - tornado mercadoria - ora impondo o consumo de bens, fruto este de infinitas pesquisas por parte de conselhos ciêntíficos dos mercados da superprodução…

O consumo tornado Grande Irmão - o novo Deus - obriga a pôr a crédito a própria alma diariamente e a rezar para que o homem do fraque não apareça.

Por outro lado, o tipo de concretizações/desabafos/actividades que propomos tem em vista a melhor percepção da contemporaneidade, dos fenómenos que nos rodeiam mas que mais parecem realidades autónomas e inacessíveis, essa ideia de Estado, Finança, Religião, todas essas formas edificadas à margem do próprio indivíduo.

Pela conjugação feliz das experiências de várias conjunturas históricas dos companheiros, tentamos pensar no modo mais prazeroso e efectivo de actuar nos dias de hoje.

Sunday, June 15, 2008

PARTIDO SURREALISTA SITUACIONISTA LIBERTÁRIO DO MAIO DE 68


http://partido-surrealista.blogspot.com

BRETON


ANDRÉ BRETON - por PIERRE MABILLE

No se trata de una biografía ni de un texto crítico similar a tantos otros en los cuales la obra de Breton es vista desde el exterior bajo el ángulo de teorías literarias o filosóficas (1). El mecanismo emocional del escritor es concebido aquí en su realidad profunda. Esta inmersión hasta el centro magnético ha sido posible a través de un análisis poético del lenguaje, de las imágenes particulares, de la sintaxis propia de Breton. Quizás por vez primera la posición humana de éste ha sido expresada con justicia por alguien lo suficientemente próximo a la sensibilidad del grupo como para comprender el valor excepcional de su animador. Gracq posee un sentido poético asimilable al instinto del cazador o al del zahorí que le permite orientarse a través de las contradicciones y encontrar rastros; gracias a una inteligencia sutil y a un conocimiento amplio de la realidad contemporánea, puede seguir los senderos y destacar así su exacta geografía. En su libro, las frases verdaderamente reveladoras de Breton son subrayadas, extraídas de textos y engastadas en un desarrollo cuyo estilo parece, en ciertos momentos, emparentado con el del mismo Breton. Sin embargo nada menos parecido a una parodia. Se tiene la impresión que para Gracq ha sido necesario, en busca de una plena comprensión, sumergirse en el movimiento a la vez sensible y formal de su objeto de estudio. Leyendo su ensayo pienso a menudo en lo que los verdaderos pintores acostumbran hacer cuando copiaban las obras de sus mayores para asimilar los mecanismos de su inspiración y de sus técnicas. Estos ejercicios se han vuelto cada vez más raros hoy en día, en una época en la cual los menores procuran exaltar desde sus primeros pasos lo que consideran como su personalidad. No obstante, no implican ninguna sumisión y testimonian únicamente una voluntad de comprensión por encima de juicios superficiales.

Quisiera ampliar indefinidamente el comentario de un libro de crítica capaza de colmar la atención del público que encontraba allí una guía muy segura para percibir todo el valor del mensaje de André Breton y carácter único de la atmósfera creada por él.


El libro de Gracq no es el único, aunque si el mejor, dedicado a Breton en el curso de este año. No hay por estos días periódico o revista que no contenga un estudio de este autor que , aún recientemente, es objeto de los ataques más groseros y de los sarcasmos de la “inteligencia tradicional”. Estos homenajes provienen de medios muy diferentes, con frecuencia muy alejados de aquellos a los que buscó llegar el autor, sin menospreciar algunas reacciones de parte de sus amigos o de antiguos amigos. Es así como uno de los historiógrafos del movimiento surrealista ha creido pertinente dar cuenta del libro de Gracq en térmios acerbos, a mi modo de ver muy injustos. Pretende situar a Breton entre las glorias nacionales y establece un paralelo muy desueto y convencional entre Breton triunfante en vida y Artaud el poeta maldito muerto en condiciones que ya conocemos.


Evidentemente no hay en esta cuestión nada de celos o envidia sino más bien un despecho en constatar que personas ajenas al grupo osan hablar de aquel como el mejor y, sobre todo, como abanderado de una revuelta intransigente. Los adeptos preferirían no compartir su admiración con los profanos, lo mismo que con algunos de sus enemigos. No obstante Breton no ha flaqueado, sigue siendo el abanderado de la revuelta, pero la celebridad y la gloria lo han convertido, de por sí, en un fenómeno siempre trastornador.


Desde su origen, el surrealismo en tanto que grupo se erigió contra el culto de los grandes nombres, contra el hábito de los pedestales, contra las estatuas literarias o políticas; ha hecho del irrespeto su ley, del sacrilegio su método; por doquier ha reivindicado una poesía hecha para todos y por todos, una obra lo más anónima posible como fórmula del porvenir. De hecho, quién podría decir que en algún momento aceptara André Breton el clásico juego literario, preocupándose por alcanzar el primer rango mediante la estrategia familiar a los literatos y a los artistas, poco dispuesto como era a la glorificación alcanzada actualmente. Nadie ha jugado a perder tan obstinadamente, nadie ha explotado tan poco sus ventajas. Pero lo que los grupos y los individuos deciden, inscribiéndolo en los manifiestos y lo que la sociedad y la historia realizan son cosas diferentes. La fama se me ha aparecido siempre como uno de los misterios más inquietantes de la humanidad. Digo la fama y no logro reunir la paciencia y la suficiente aplicación en explicarla. Sueño con la versión mitológica ofrecida por los griegos: “la trompeta de Mercurio”, versión occidental de la elección asiática -el dedo de Dios-. La celebridad hace pensar en un proyector luminoso que se pasea por encima de la multitud y viene a fijar su luz sobre los rasgos de un personaje que un destino desconocido elige como héroe o como victima.


La salida de la sombra es el escándalo necesario. Nada de lo escrito acerca del resplandor inusitado de algunos individuos excepcionales aporta la menor explicación sobre un fenómeno que insisto en considerar como una de las claves de la historia. Es este el sentimiento de Gracq cuando escribe: “tendemos a creer, sin que a menudo osemos reconocerlo, en la posibilidad de ciertos nudos de ondas que comunicarían sorprendentes poderes de control y resonancia a los seres dotados con el medio de captarlos, a unos focos humanos extrañamente favorecidos, y que algunas personalidades de excepción, fuera de toda superioridad intelectual demostrable, fueran de un modo difícil de definir, mantener un intercambio especial con las influencias espirituales llamadas a regirnos en alguna medida”. El surgimiento de algunos, su traslado a la escena del teatro se muestran tan ineluctables como el sorteo del número ganador de la lotería. La explicación de buenas a primeras resulta siempre cómoda, y el cumplimiento de las causalidades tan caro al determinismo logra confirmar fácilmente mediante la lógica lo que no es más que realidad observada. Pero la pasión no la suscita otra cosa que la previsión del porvenir; el hombre busca el signo excepcional, el conocimiento por las hadas y los magos, el que guía a los reyes magos y los profetas. Si el número ganador no está escrito de antemano nadie puede conocerlo, “un golpe de manos nunca abolirá el azar”.


La comparación entre la gloria y los efectos luminosos de la escena es de lo más banal, sin embargo estoy persuadido de que expresa una profunda analogía válida sobre todos los planos. “Il portait l’etoile au fornt”. En la noche humana, anónima y colectiva, la luz irradia a los seres que pasan rápidos como meteoros, semejantes a penachos de fuego -pienso en Lautremont y en tantos otros héroes cuyo resplandor es comparable al instante único alcanzando una intensidad insostenible- iluminando a otros dotados de una firmeza y una estabilidad infinitamente más grandes: los grandes capitanes, los grandes políticos, los grandes criminales, en fin aquellos a quienes la humanidad reserva el título de “grandes hombres”. Confieso que nada resulta tan irritante como este calificativo al que ninguna definición seria podría esclarecer. Examinados de cerca estos personajes no se diferencian de otros, más bien sus allegados se sorprenden antes que nada de su asombrosa fragilidad; no obstante, la historia los elige, los separa de la masa y conserva su nombre. Los juicios comunes no parecen aplicables a estos destinos.


Se quiera o no, le plazca o no a él, Breton es uno de estos grandes hombres; ni las alabanzas ni los ataques, ni los esfuerzos de minimización cambiarán nada al respecto. Poeta, explorador de las fuentes siempre rebosantes de la emoción y del asombro, Breton excede el marco de su siglo; reúne la sociedad de los grandes heréticos a los que proclamó ancestros del surrealismo; desborda ampliamente la atmósfera cultural en la cual se formó y pertenece, tal vez, más a los llamados primitivos a quienes mas que nadie nos hizo amar. Sin embargo, su personaje se sitúa históricamente y corresponde a lo que aún se mantiene vivo en la cultura francesa. El trazado de su pensamiento adhiere estrechamente a París, foco geométrico de las curvas de la libertad.


Desde que se habla de grandes hombres se ha intentado escoger entre dos posiciones extremas. Una según la cual éstos hacen la historia y fundan una corriente de ideas y de acciones que no hubiesen existido sin su ayuda, y otra en la que esta corriente constituye en si la realidad verdadera y de la cual el gran hombre no habría hecho más que alimentarse, traducirla y dejarse llevar por ella. En estos términos se plantea hoy el problema de André Breton en relación al surrealismo. Bien sea que el haya manifestado siempre la voluntad de constituir y de mantener homogéneo y compacto “el grupo”, o bien que haya hecho regla al ligar los más sumisos de sus amigos a todas las manifestaciones políticas, literarias y artísticas; quienes escriben ahora sobre Breton parecen decididos a no ver en el surrealismo más que la atmósfera, el aura, la franja magnética de su pujante personalidad. Es preciso reconocer ahí una muy hábil maniobra que, en el caso de tener éxito, terminará por destruir en el presente y eclipsar en el pasado todo lo que el surrealismo, en tanto que esfuerzo colectivo, ha podido tener de existencia real. Este intento de reducción no es aceptable y no podría decirse que quienes, alrededor de Breton y con él, dotados de medios tan diferentes, han modificado profundamente a través de los años el clima sensible de nuestra época, hayan sido simples reflejos de la chispa emanada por un personaje central. La posición contraria según la cual el surrealismo constituiría un movimiento de fondo -la protesta de una generación y de una juventud- del cual se había servido Breton luego de explotarlo y desviarlo de su legítimo fin, posición asumida por algunos jóvenes animados por intenciones confusas y poco honestas, desemboca en la estúpida propuesta de los “surrealistas revolucionarios” que pretenden excluir a André Breton de un movimiento después de veinticinco años no encuentra sus definiciones formales más que en sus escritos.


La conjunción del movimiento colectivo y del aporte individual es uno de los aspectos de la dialéctica existente entre el signo y la cosa significada, entre el pensamiento tal cual se forma por la intercomunicación de los hombres sobre un plano que podría llamarse cósmico y el verbo que le otorga una forma particular, una expresión, un rostro reconocible y, por ende, su cristalización. Se trata de la elección de una porte-parole. La oscuridad reside en las virtudes creadoras del verbo. Experimentando las modalidades de transición entre el inconsciente y el consciente, el surrealismo se propuso el estudio de este problema fundamental.


El surrealismo ha sido ante todo una voluntad de ruptura irremediable con una sociedad en plena descomposición económica, política, estética y moral. Ha sido entre un rechazo deliberado a la vez que búsqueda de un nuevo modo de vida. Tal interés por la ruptura no es en sí específicamente nuevo, en todos los tiempos la juventud ha intentado transgredir el pasado, la tradición, la regla impuesta, la ley muerta; esto es a la vez ímpetu vital y resultado de las fuerzas antisociales siempre presentes en el hombre que busca en ellas el medio de no dejarse disolver en el oleaje de lo gregario. Con todo y eso, nunca la necesidad de separar la vida de la muerte fue tan aguda como en el período contemporáneo y particularmente en Europa Occidental.


El grupo surrealista ha tropezado con la dificultad de subsistir en medio de una sociedad cuya corrupción resulta extrañamente contagiosa. Podría decirse que esta dificultad es la de todo grupo revolucionario -es raro en este caso que haya ruptura sobre todos los planos, en particular sobre el plano estético-, de toda secta religiosa. aquí la cristalización se opera alrededor de un dogma aceptado pues no ha sido cuestión del surrealismo el fijar un dogma, muy al contrario han ensanchado hasta el máximo el campo de experiencia. Para subsistir en una comunidad no enclaustrada, subsistencia que dista de ser únicamente material, los individuos deben participar en el juego social ambiente. Los debates que agitaron al grupo surrealista tuvieron y tienen aún como origen la limitación del grado de compromiso posible más allá del cual todo ser está perdido, condenada toda poesía, suprimido para siempre todo contacto con la verdad cósmica y humana; estos son los debates morales en los cuales interviene a cada instante la tentación de hacer triunfar en lo inmediato el mal menor, el bien relativo, de luchar con urgencia contra lo peor, contra el peligro inminente. El surrealismo ha aportado más que unas obras, unas teorías y unos programas, una experiencia humana singular sobre la que convendrá explicarse pronto ya que importa hasta el más alto punto a quienes no han renunciado a cambiar el mundo. Desde ahora puede concluirse que las piruetas de los unos, las posiciones humorísticas, o la esperanza de otros en dividirse en dos seres, uno de ellos asociado a las bajas faenas de la estrategia mientras que el otro permanecería intocado no han desembocado mas que en acosos, renuncias y deslices. En medio de situaciones exigentes y entusiastas, de salidas fatigosas o polémicas, André Breton permanece. Probablemente sea este uno de los caracteres más conmovedores de su personalidad, un cierto grado de transparencia y disponibilidad. Sin adherir a una posición dogmática, ha examinado los acontecimientos trastornadores de la guerras, de las revouciones, las esperanzas y las decepciones, salvaguardando este capital sin el cual desaparece el hombre. El entusiasmo de las adhesiones suscitadas por Breton, así como los odios que provoca, prueban hasta dónde se le ha considerado como guardián vigilante de la conciencia. A falta de regla escrita, de medios seguros de apreciación, se ha confiado en su lucidez de vidente para sacarnos del laberinto. Estamos aquí ante algo distinto al arte o la literatura. Breton ha dado la prueba de su convivencia sensible con la iniciación inmemorial y existen razones para creer en su declaración: “Yo tengo el hilo”. Si observamos ahora lo que han sido los grandes hombres en quienes ha confiado la humanidad -sin dejar de asediarlos- se percibe que también tenían el hilo y participaron, conscientemente o no, de la tradición inmemorial.
[Traducción: Carlos Bedoya]
(1) Julien Gracq, "André Breton". José Corti, Paris, 1948.

POETAR WEBLOG

Recomendamos vivamente http://poetar1.wordpress.com

AINDA CESARINY


Faz-me o favor

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor — muito melhor!–
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

De profundis amamus

Ontem às onze fumaste um cigarro encontrei-te sentado ficámos para perdertodos os teus eléctricos os meus estavam perdidospor natureza própria
Andámos

dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não
faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso

CESARINY


MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS
Poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te percoO Álvaro gosta muitoO Álvaro gosta muito de levar no cu
O Alberto nem por isso
O Ricardo dá-lhe mais para ir
O Fernando emociona-se e não consegue acabar.O Campos
Em podendo fazia-o mais de uma vez por dia
Ficavam-lhe os olhos brancos
E não falava, mordia. O Alberto
É mais por causa da fotografia
Das árvores altas nos montes perto
Quando passam rapazes
O que nem sempre sucedia.O Fernando o seu maior desejo desde adulto
(Mas já na tenra idade lhe provia)
Era ver os hètèros a foder uns com os outros
Pela seguinte ordem e teoria:
O Ricardo no chão, debaixo de todos (era molengão
Em não se tratando de anacreônticas) introduzia-
-Se no Alberto até à base
E com algum incómodo o Alberto erguia
[...]

MANUEL BANDEIRA

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Manuel Bandeira

MÁRIO CESARINY


Pastelaria

Publicado em Poesia surrealista às Janeiro 22, 2008 por poetar1

Afinal o que importa não é a literatura nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que
importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que
importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que
importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício

e cair verticalmente no vício
Não
é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal
o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal
o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal
o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora!
– rir de tudo
No riso admirável
de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny

Thursday, June 12, 2008

KLEIST DIZ NÃO À SELECÇÃO


PORQUE NÃO APOIO A SELECÇÃO (1): Porque rejeito a ideia de que os sucessos de uma equipa de futebol devam ser elevados à categoria de desígnio nacional. Televisões e jornais, ao alardearem com deprimente desmesura uma unanimidade tão eufórica como acéfala em torno da selecção, emitem uma censura implícita a todos aqueles que se obstinam em não se juntar à festa. Como se a indiferença pela carreira do futebol luso em terras austro-helvéticas, ou a preferência por uma outra qualquer selecção, fosse crime de lesa-pátria.

Em suma: porque me repugnam situações em que a crítica, a dissidência e a oposição são desencorajadas, ainda que se trate de um campo (aparentemente?) lúdico e paralelo à vida real. Porque não gosto que falem levianamente em meu nome, e que assumam a minha adesão a uma causa apenas com base na minha nacionalidade.

reTIRADO de http://umblogsobrekleist.blogspot.com

Wednesday, June 11, 2008

O REI ANARQUISTA


Um rei anarquista
que venha iluminado alucinado
desde o Uno Primordial

Um rei
que canta e dança
que desafia Deus
que está para lá da moral

um rei autêntico
um rei poderoso
às portas do Céu

um rei que ri
na cara do tédio, do quotidiano,
do senso comum
um rei marado
um rei flipado
um rei doido para lá dos tempos

um rei que ri
na cara do capital, do mercado,
do racionalismo económico
um rei libertário
um rei mago
um rei possesso
que vem do Uno Primordial.

DEUS


DEUS

Deus caminha em mim na cidade de Braga
ao final da tarde
Deus observa as adolescentes
num café de Braga ao final da tarde
Deus olha para a TV num café de Braga
ao final da tarde

Deus, que é Dionisos, ama Braga,
apesar do Mesquita e dos padrecas
Deus bebe cerveja
e pensa na Katiucha
Deus não entra nas igrejas
Deus quer bacanais, festas
Deus ama-te
Deus sou eu
Deus é Dionisos
Deus olha para as mulheres
e deseja-as
Deus quer filhos
Deus quer descendência
Deus não quer sacrifícios
Deus não quer missas
Deus não grama o Papa
Deus manda foder as religiões
Deus é doido
Deus quer diversão
Deus tem coração
Deus cai quando é rejeitado
Deus tem poder mas não pode tudo
Deus gosta de futebol
Deus curte rock n' roll
Deus está vivo e é o homem superior,
o espírito livre de Nietzsche
Deus é um criador
Deus adoece
Deus enlouquece
Deus canta e dança
Deus é irmão de Satã
Deus é um poeta
Deus está farto de patetas
e de versejadores da corte
Deus quer incendiar o mercado
Deus não pode com capitalistas
Deus caga nos moralistas
Deus sou eu
Deus podes ser tu
Deus não come dinheiro
Deus não é merceeiro
Deus entra nas vossas cabeças
Deus põe as gajas possessas
Deus sobe ao palco
Deus é humano
Deus vai do Céu ao Inferno
Deus vem se tu o chamares
Deus está em todos os lugares
Deus é o vinho
Deus é o caminho
Deus é Amor
Deus esmaga o mercador
Deus é tudo o que quero
Deus é Nero
Deus é cruel
Deus é mel
Deus é o poema divino
Deus não grama cretinos
Deus és tu
Deus sou eu.

DIONISOS


Dionisos passeia-se discretamente
pelos cafés da aldeia
Dionisos bebe discretamente
nos cafés da aldeia
as bacantes estão murchas adormecidas
o mundo é triste
os velhos falam de bola

Dionisos desce ao café para ler
o poeta ébrio entedia-se
o mundo não lhe agrada

Dionisos está no Uno Primordial
ninguém o reconhece
poucos o atingem
poucos dançam em redor da fogueira

Dionisos cortou as barbas
faz-se passar por um cidadão sério e respeitável
o mundo é triste
os velhos falam de bola.

POEMA LOUCO


Quero escrever um poema louco
que rebente com a apatia
que mate a solidão
um poema ébrio
que me cure
e me faça dançar
um poema maldito
que assuste as velhas
um poema assassino
que espete a faca
um poema livre
que rasgue os céus
um poema grito
que chegue a Deus.

PORCO CAPITALISTA

A luz
o grande momento
o momento eterno
que esmaga a bolsa
que caga no mercado
que fode o trabalho

A luz
o grande momento
o momento eterno
não a sucessão de instantes
não a rotina
não a troca que emporcalha
recuso o sacrifício
não sou uma mercadoria
nem escravo da economia

Primeiro-ministro,
mete o teu défice pelo cu acima!
Escarro nas tuas estatísticas
metes-me nojo,
porco capitalista
porco capitalista
porco capitalista
porco capitalista
porco capitalista

UM CROFT EM LISBOA


UM CROFT EM LISBOA
Ao Changuito

um croft em Lisboa
voa voa
chuva chuva molha molha
até à hora de partir

um croft em Lisboa
dá-lhe dá~lha até partir
sempre o hino sempre o hino
a fazer o pino
nos colhões do Camões
que até nem tem culpa
do que faz dar o cu pela Pátria
ou a Pátria pelo cu

sei que vou subir
não tarda nada
a arder na garganta
na alma em transe
dança dança
até partir

como em 95 em Braga
cara feia
desfeita na tv

sou o que sou
sou o que me dão
o que me resta
não há cura
nem redenção

sou o homem que despeja
a cerveja
e se refaz
noite feita
mulher feita
minha irmã
Maldoror,
meu amor,
Satã na cortesã.

A. Pedro Ribeiro, Lisboa, 24.Out.2006, antes da "Barraca".

LOUCURA-N


Estou lento
os raciocínios são lentos
não consigo encontrar a saída!
Venha a loucura
ao menos a loucura
e as mulheres falam
não páram de falar

A veia que rebente
que venha a loucura
pelo menos escrevo
escrevo lentamente
mas escrevo
para quê? Para quem?
O que vai ser de mim?
Ah! Que venha a loucura!
Ao menos a loucura
a loucura que me cura

E as mulheres não páram de falar
a culpa é do Governo!
O primeiro-ministro que vá apanhar no cu!
A culpa é do sistema
que nos transforma em mercadorias
a culpa é do capitalismo
que nos suga o sangue
e nos tira a vida
antes enlouquecer
do que me submeter
loucura, dá-me a tua cura!

Monday, June 09, 2008

UIVO


Um poema de Allen Ginsberg para Say

Canção

O peso do mundo é o amor. Sob o fardo da solidão, sob o fardo da insatisfação
O peso, o peso que carregamos é o amor.
Quem Poderia negá-lo? Em sonhos nos toca o corpo, em pensamentos constrói um milagre, na imaginação aflige-se até tornar-se humano.
Sai para fora do coração ardendo de pureza, pois o fardo da vida é o amor, mas nós carregamos o peso cansados e assim temos que descansar nos braços do amor.
Nenhum descanso sem amor, nenhum sono sem sonhos de amor, que esteja eu louco ou frio, obcecado por anjos ou por máquinas, o último desejo é o amor.
Não pode ser amargo, não pode ser negado, não pode ser contigo quando negado:
O peso é demasiado- deve dar-se sem nada de volta assim como o pensamento é dado na solidão em toda a excelência do seu excesso.
Os corpos quentes brilham juntos na escuridão, a mão se move para o centro da carne, a pele treme na felicidade feliz até o olho- sim, sim, é isso que eu queria, eu sempre quis, eu sempre quis, eu sempre quis voltar ao corpo em que nasci.

Rafael Dicaio Ávila Carneiro


GINSBERG, Allen.Uivo, Kaddish e outros poemas, Ed. L `PM, 1984.

ALLEN GINSBERG


Allen Ginsberg

Tradução: Cláudio Willer




UIVO

(trecho inicial)


Para Carl Solomon


Eu vi os expoentes de minha geração destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
"hipsters" com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato celestial com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,
que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com os olhos frios e
radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de William Blake entre os estudiosos da guerra, que foram expulsos das universidades por serem loucos e publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas de papel, escutando o Terror através da parede,
que foram detidos em suas barbas públicas voltando por Laredo com um cinturão de marijuana para Nova York,
que comeram fogo em hotéis mal-pintados ou beberam terebentina em Paradise Alley, morreram ou flagelaram seus torsos noite após noite,

(...)

INTERNACIONAL SITUACIONISTA


Manifesto Internacional Situacionista

Internacional Situacionista



Publicado em Internationales Situationniste nº 4, 17 de maio de 1960, trad. de Juan Fonseca publicada en DEBATE LIBERTARIO 2 - Serie Acción directa - Campo Abierto Ediciones, Primeira eedição: maio 1977. Traduzido para o português pelos editores desta página.

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Uma nova força humana, que a estrutura existente não poderá dominar, cresce dia a dia com o irresistível desenvolvimento técnico e a insatisfação de seus usos possíveis em nossa vida social carente de sentido.

A alienação e a opressão nesta sociedade não podem ser mantidas sob qualquer uma de suas variantes, mas somente rejeitadas em bloco com esta mesma sociedade. Todo progresso real fica evidentemente em suspenso até a solução revolucionária da crise multiforme do presente.

Quais são as perspectivas de uma organização da vida em uma sociedade que autenticamente "reorganiza a produção sobre as bases de uma associação livre e igual de produtores"? A automatização da produção e a socialização dos bens vitais reduzirão cada vez mais o trabalho como necessidade exterior e proporcionarão, finalmente, a liberdade completa para o indivíduo. Livre assim de toda responsabilidade econômica, livre de todas as dívidas e culpas para com o passado e o próximo, o homem disporá de uma nova mais-valia incalculável em dinheiro porque é impossível reduzi-la para a medida do trabalho assalariado: o valor do jogo, da vida livremente construída. O exercício de tal criação lúdica é a garantia da liberdade de cada um e de todos na estrutura da única igualdade garantida contra a exploração do homem pelo homem. A liberação do jogo é a autonomia criativa, que supera a velha divisão entre o trabalho imposto e o ócio passivo.

A igreja queimou noutros tempos os pretensos feiticeiros para reprimir as tendências lúdicas primitivas conservadas nas festas populares. Na sociedade hoje dominante, que produz massivamente tristes pseudo-jogos da não-participação, uma atividade artística verdadeira é forçosamente classificada no campo da criminalidade. É semiclandestina. Surge na forma de escândalo.

Que é isso, de fato, mais que a situação? Se trata da realização de um jogo superior, que mais exatamente é provocada pela presença humana. os jogadores revolucionários de todos os países podem reunir-se na Internacional Situacionista para começar a sair da pré-história da vida quotidiana.

A partir de agora, propomos uma organização autônoma dos produtores da nova cultura, independentes das organizações políticas e sindicais que existem neste momento, pois questionamos a capacidade delas de organizar outra coisa que a manutenção do que existe.

O objetivo mais urgente que estabelecemos a tal organização, no momento em que deixa o estágio inicial experimental para uma primeira campanha pública, é a tomada da UNESCO. A burocratização, unificada em escala mundial, da arte e de toda a cultura é um fenômeno novo que expressa o profundo parentesco dos sistemas sociais coexistentes no mundo, sobre a base da conservação eclética e a reprodução do passado. A resposta dos artistas revolucionários a estas novas condições deve ser um novo tipo de ação. Como a existência mesma desta concentração administrativa da cultura, localizada em uma construção única, favorece o roubo por meio do golpe e como a instituição é completamente destituída de qualquer senso de uso fora de nossa perspectiva subversiva, nos achamos justificados diante de nossos contemporâneos para tomarmos tal aparato. E o faremos . Estamos decididos a nos apossarmos da UNESCO, mesmo que por pouco, já que estamos seguros de fazer disso rapidamente uma obra que permanecerá, para esclarecer uma longa série de perguntas, como a mais significativa.

Quais deverão ser os principais caracteres da nova cultura e como ela se compararia com a arte antiga?

Contra o espetáculo reinante, a cultura situacionista realizada introduz a participação total.

Contra a arte conservada, é um organização do momento vivido diretamente.

Contra a arte parcelar, será uma prática global que se dirija ao mesmo tempo sobre todos os elementos utilizados. tende naturalmente a uma produção coletiva e, sem dúvida, anônima (pelo menos na medida em que, ao não estar as obras armazenadas como mercadorias, tal cultura não estará dominada pela necessidade de deixar traços). Suas experiências se propõem, como mínimo, uma revolução do comportamento e um urbanismo unitário, dinâmico, suscetível de estender-se ao planeta inteiro; e de ser prolongado seguidamente a todos os planetas habitáveis.

Contra a arte unilateral, a cultura situacionista será uma arte do diálogo, uma arte da interação. Os artistas – com toda a cultura visível – chegaram a estar completamente separados da sociedade, do mesmo modo que estão separados entre si pela concorrência. Mas antes inclusive deste corredor sem saída do capitalismo, a arte era essencialmente unilateral, sem resposta. Superará esta era fechada do primitivismo por uma comunicação completa.

Ao ser, em um estágio avançado, todo mundo artista, isto é, inseparavelmente produtor-consumidor de uma criação cultural, se assistirá a dissolução rápida do critério linear de novidade. Ao se tornar todo mundo, por assim dizer, situacionista se verá a uma inflação multidimensional de tendências, de experiências, de "escolas" radicalmente diferentes e isto não já sucessivamente, mas simultaneamente.

Inauguramos agora o que será, historicamente, o últimos dos ofícios. O papel de situacionista, de amador-profissional, de anti-especialista, é ainda uma especialização até o momento da abundância econômica e mental no qual todo mundo se tornará "artista", num sentido que os artistas não alcançaram: a construção da própria vida. Entretanto, o último ofício da história é tão próximo da sociedade sem divisão permanente do trabalho, que quando aparece, seu estado de ofício foi negado.

Aos que não nos compreenderam bem dizemos com um irredutível desprezo: os situacionistas, de quem vocês acreditam serem os juízes, vos julgarão um dia ou outro. Esperamos vocês no momento crucial que é a inevitável liquidação do mundo da escassez, sob todas as suas formas. Estes são nossos fins e serão os fins futuros da humanidade.



Internationales Situationniste nº 4, 1960

Sunday, June 08, 2008

ALBERTO PIMENTA


ALBERTO PIMENTA [Porto, 1937]
Poeta, narrador, ensaísta, performer e professor universitário. Licenciou-se em Filologia Germânica na Universidade de Coimbra e, durante alguns anos (1960-1977), exerceu funções de leitor de Português e de Literatura Portuguesa em Heidelberg, na Alemanha. Regressando a Portugal, desenvolveu uma intensa actividade no domínio da criação literária relacionada com os movimentos experimentalistas. Os seus textos, por vezes publicados em livros com uma configuração gráfica original, assumem um sentido polémico, que ocasionalmente os próprios títulos podem evidenciar, e ao mesmo tempo de vanguarda. É autor de O Silêncio dos Poetas (1978), um importante estudo sobre o sentido da criação literária ligada aos movimentos de vanguarda, a qual se caracteriza pelo seu "desvio da norma"; o desenvolvimento dos seus pontos de vista leva-o a estabelecer uma bem fundamentada e sugestiva "fenomenologia da modernidade". Realizou o seu primeiro happening em 1977 no Jardim Zoológico de Lisboa (Homo Sapiens) e a mais recente performance (Uma Tarefa para o Ano Vindouro), dividida em duas partes (31/12/1999 e 01/01/2000), também em Lisboa, na Galeria Ler Devagar. Traduziu, entre outros, Thomas Bernhard (A Força do Hábito, em colaboração com João Barrento, 1991) e Botho Strauss (O Parque). Colaborou com Miguel Vale de Almeida e Rui Simões em Pornex: Textos Teóricos e Documentais de Pornografia Experimental Portuguesa (coord. de Leonor Areal e Rui Zink), 1984. É actualmente professor auxiliar convidado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Fonte: Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. VI, Lisboa, 1999

ALBERTO PIMENTA


Imitação de Ovídio - Alberto Pimenta (2006)
, 2006





Dele disse Luciana Stegagno Picchio (que tanto nos disse sobre o que fomos e somos em literatura) tratar-se do mais culto dos de Portugal. Dele se dizem, aliás, as mais extraordinárias coisas: esta não será a mais exorbitante – ou a menos verdadeira, para quem se interesse pela espeleologia das capacidades alheias. Quando um dia lhe perguntaram se era professor, disse: «Não. Dou aulas.» Alberto Pimenta nasceu no Porto, em 1937, e não pára de nascer de livro para livro (permitam-me o assomo: é raro...).

A sua obra inclui a poesia, a prosa, o ensaio, o happening. Uma das virtualidades de quanto escreveu é a distância – que ora se intensifica, ora se anula – entre a extrema liberdade, o fulgor irradiante que caracterizam a sua criação literária e o profundo rigor do seu ensaio (em que destacaria [deixando tanto de fora] A Magia Que Tira os Pecados do Mundo, de 1995). Em ambas as frentes, porém, são dominantes a irreverência (o mais comum dos lugares, afirmá-lo) da escrita, o desarmante conhecimento de processos e de fazeres, o habilíssimo manejo e boicote permanente das tradições e das vanguardas – «oh,/ como Petrarca sabia,/e como era tão interessante/fingir que não,/ e ainda mais tarde/a Margarida morreu por isso,/não sabia. a Traviata sim./acho que sabia./e também morreu./isso tem interesse para as pessoas» (p. 37, Imitação de Ovídio). A. P. está um pouco (na verdade, muito) para lá dessas tristes dicotomias, porque, nele, vida, corpo, sexo, cultura (à falta de outra palavra) são braços que se tocam, que se trocam, que se golpeiam, que pulsam – «é bom este gosto/de vida/porque/é quente/e sabemos que é nosso//quem consegue/retratar isso?/e como?» (p. 13) É uma voz (que ideia a minha!) invulgar, neste nosso país de marinheiros e poetas de água doce. Uma lira, se quiserem.

A. Pimenta não está na poesia para carpir males, fazer montra com o que saiba; não é a sua moeda de troca a salsugem baça e falsa da chamada cultura. Não come desse pão. Apenas poderemos esperar o inesperado – como no rifão quase pop –, o real feito por quem se expõe na arena nua e assustadora dos poemas, de outras jaulas. É alguém que se entrega em quanto tem para oferecer, em cada breve, em cada extenso pouco ou muito de si – «nós/com a boca/saboreamos/lanhos/que a nossa boca/abriu/e que nunca mais/cicatrizarão.» (p. 29)

A sua poesia vive dos atropelos de cada aspecto (seria impossível delimitar o seu escopo) da vida; no seu desconcerto, diz-nos mais sobre o podre de cada dia do que as mais puras derramadas lírico-doces elegias do nosso (des)contentamento. Em Alberto Pimenta, poesia é puro combate: contra o absurdo de viver, o absurdo radical, o tão informado, destruído mundo das palavras que se movem entre as ruínas e os cantos elevados do corpo – «sinto já/as tuas veias crescidas/do sangue que se apressa,/com um gesto do corpo todo/esperas…/ah, que eu as siga/não só com os olhos./repara como estou/preso agora/neste dobre de palavras!» (p. 16) Como podemos ler, depois de A. Pimenta, nessas tépidas águas em que navegam grande parte dos poetas de Portugal? Não há prebendas, não há prémios, não há Gallimard, nojo internáutico, náusea pós-moderna para este poeta tão pouco literário. Quanto mais perto da vida, mais longe de tudo isso. São dele estas palavras: «de todos os poetas vivos e mortos sou o menos poético por ser o mais exacto» (numa conferência intitulada A Metáfora Sinistra, em que trata o tema da masturbação, vista pela escrita).

Por que motivo, então, Ovídio? Como o poeta, nos seus Tristia, que Pimenta cita em epígrafe, há um diálogo com uma segunda pessoa – «nós somos um par de instrumentos solitários/também solidários/o nosso papel é pequeno/começa e acaba aí.» (p. 9) –, que vive dentro dos poemas (se me desculpam a frase) e que o poeta toca e chama com os seus versos. Talvez porque A. P. tenha, aqui, construído não um novelo de mitos, como Ovídio, nas Metamorfoses, mas um real que nos surge como mágico, como a face do que seja o amor – «algo em mim/caminha/ ao teu encontro» (p. 43). Talvez, ainda, porque Alberto Pimenta nos apresenta uma espécie de cosmologia que, sendo vivida no deserto de dois, se abre ao mundo que os recebe, que os lê, para se desintegrar, como o tempo. Tempo esse que, de resto, é veio essencial nestes versos, especialmente, mas não só, no segundo momento de Imitação de Ovídio. É um tempo de dentro, mas não solipsista e escavado; mas é, na verdade, interno – «este nosso futuro presente/dentro de si» (p. 25). O poema instala um tempo definitivamente não cronológico (e, contudo, como não o ser?), que corrompe, em silêncio, a lógica, o mundo, a duração «o tempo/é uma equação./nós sabemos que não». Será isso?




Hugo Santos, 2007
in www.rascunho.net

GOMES LEAL


GOMES LEAL

I
(Lápide para colocar no largo onde o
grande poeta Gomes Leal foi apedrejado
pelos garotos de Lisboa)

Aqui,
onde passaram rodas e enterros,
olhos e ventos...
(E urinaram os perros
nos excrementos...)

Aqui,
onde a mesma andorinha
repete há séculos a mesma primavera de realejo...
(E cai uma chuva miudinha
nas manhãs de bocejo...)

Aqui,
onde os trens e as bestas
arrancaram estrelas com os cascos...

Foi aqui
que tombou o Príncipe das Horas Funestas
num suor de chascos.

Sim, foi aqui que te viram rolar na sarjeta,
apedrejado na alma pelos garotos.
(A chorar, a chorar, com alegria secreta
dos anjos bebados nos esgotos.)

E a tua sombra ficou para sempre no chão,
incrívelmente branca,
que nenhum espectro, nenhum vento, nenhum braço sem mão
apaga ou arranca.

Impregnou-se de lágrimas no solo
e aqui ficou na pedra onde caíste
__tu, poeta, que trazias no olhar meninos ao colo
e na voz um fantasma de lança em riste.

Tu que foste católico, jacobino e ateu
só para enfeitar de lua e bebedeiras
o teu instinto de querer rasgar o Véu
que esconde nas rosas as caveiras.

Ah! esse Véu, esse Véu maldito,
que todos os poetas, mesmo sem pensarem nele,
sentem na imprecisão de cada grito
e no calafrio da pele.

Esse Véu, esse Véu que o tédio solda
às mãos, à cara e às fazendas...
E pouco a pouco nos amolda
a este mundo de cárcere sem fendas.

Mas tu não te resignaste e quiseste rompê-lo
de pé, de joelhos, de bruços,
com lágrimas de cutelo
e punhais de soluços.

Tudo em vão, poeta tudo em vão !
Ninguém pode talvez rasgar este Véu maldito que oculta e desvenda
o esqueleto de silêncio em fogo que nos ilumina !

A cada rasgão,
a cada nova senda,
aberta às unhadas na solidão,
sobe sempre do chão
mais neblina
num sufocar de vala
na escuridão...

E depois outra cortina !
Sempre outra cortina !

(Eh ! Poetas: vamos nós rasgá-la ?)

Friday, June 06, 2008


Terça-feira, Junho 03, 2008
Benditos plágios malfeitos
Se os surrealistas portugueses escreveram no seu tempo “não somos originais”, nós, hoje, seremos certamente muito menos. Mas não será por receio da exposição à crítica e ao plágio que nos toldarão os sentidos. Da nossa inquietação mental e fleumático pretensiosismo, impõe-se a procura de rasgar a barreira da mediocridade consciente, propiciadora de espartilhos mentais e de encarceramentos racionais.
No Manifesto Surrealista, André Breton postulou o automatismo psíquico, a necessidade de libertação do acto criativo das amarras da consciência e da razão. Como inóspitos plagiadores, apostamos na fluência desimpedida do inconsciente, na capacidade de criar imagens soltas, desencontradas, reveladoras de um universo onírico escondido nas entranhas da consciência.
E por não sabermos igualmente, como Mário Cesariny de Vasconcelos, se fodemos tudo ou se tudo nos fode, impomos uma orgia mental pautada por uma ideologia poética e por uma alucinada experimentação intelectual.
Revoltamo-nos pela pureza dilacerada, pelo magnetismo oprimido, pela irreverência original perdida de que se reveste a nossa natureza individual, e contra a ansiedade contida, ironicamente oferecida pela domesticação do EU único, do Eu puro, do Eu natural, submetido a cada cruel instante à apreciação da imagem do Eu ideal.
Superando as tensões e as máscaras sociais impostas, procuramos atingir e expressar a transparência do sonho nos palcos, nas telas, na tinta sobre o papel… Insurgimo-nos também contra a submissão às normas estabelecidas e proclamamos a omnipotência, a superioridade do sonho e do inconsciente sobre o real, o desregramento de todos os sentidos.
E como plagiar não custa, ambicionamos ainda a desconstrução da forma e a potencialização do imaginário.
Pois tal como Breton, “Não será o medo da loucura que nos forçará a arrear a bandeira da imaginação”.

Bruno Vilão
Revista Bicicleta Nº 9
in http://pipa55.blogspot.com

NÃO


Um Não ou o Poema da Negação
Um NÃO absoluto ao capitalismo, eis a postura fundamental.
Um NÃO ao mercado global que tudo estrangula, que tudo sufoca, que tudo mata. Um NÃO ao capitalismo global que nos faz passivos, subservientes, desempregados e nos traz a fome e a miséria. Um NÃO ao lucro e ao culto do lucro. Um NÃO rotundo do tamanho do mundo.
Um NÃO aos barões da finança, aos banqueiros, aos que enchem a pança. Um NÃO aos governos joguetes do capital, aos mandaretes locais, aos senhores feudais. Um NÃO à economia de guerra, ao imperialismo, à felicidade fabricada. Um NÃO rotundo do tamanho do mundo.
Um NÃO às multinacionais, ao homem feito mercadoria, à exploração do homem pelo homem. Um NÃO ao culto da competição. Um NÃO às panelinhas, às capelinhas e às outras inhas que aí vão. Um NÃO que incomoda. Um NÃO ao detergente da moda. Um NÃO rotundo do tamanho do mundo.
Um NÃO sem meias tintas, sem mediações internacionais. Um NÃO sem negociações sindicais, sem institucionalizações partidárias, sem comités centrais. Um NÃO imenso de revolta. Um NÃO rotundo do tamanho do mundo.

FRENTE GUEVARISTA LIBERTÁRIA/ LIGA NIETZSCHEANA REVOLUCIONÁRIA

A SOCIEDADE DA CRIAÇÃO


SECÇÃO: Opinião

António Pedro Ribeiro


A Sociedade da Criação
Vivemos numa sociedade em que o dinheiro é Deus, uma sociedade de mercadores, de especuladores, onde somos reduzidos à condição de mercadorias que se trocam no mercado global.


A organização social capitalista conduz a que aqueles que são explorados se guerreiem uns com os outros, se invejem, se entreguem à competição desenfreada e a que adoptem uma atitude derrotista face à transformação da sociedade.


À sociedade da morte devemos opor, como propõe Raoul Vaneigen, uma sociedade que exalte a vida. Uma sociedade assente no humanitarismo e no desejo, no amor e não no ódio, que acabe com o dinheiro e com o mercado.


Uma sociedade assente na criação poética que vá de encontro à idade do ouro em que a vida era, nas palavras de Rimbaud, "um banquete em que todos os corações se abriam e em que todos os vinhos corriam".


E acrescenta Henry Miller: "não há alegria comparável à do criador, do poeta, porque a criação não tem outra finalidade para além de si própria".


E esse poeta é um xamã, um feiticeiro dionisíaco que canta e dança, que faz da arte uma festa e que torna ridícula a sociedade capitalista.

Tuesday, June 03, 2008


JOSÉ BENTO

[...]


Há os que fazem da sua poesia um processo de afirmação social, uma carreira com sucessivas fases para se alcançar a glória, um meio de obter aplausos e prémios, para o que usam uma estratégia que na verdade é tão necessária como para qualquer outra acção bélica. E não só hoje e aqui, embora os fins e os processos de alcançar tenham variado e actualmente revistam aspectos próprios do «marketing» literário contemporâneo. É conhecida a imagem do mundo antigo dos poetas coroados de louros, protegidos pelos senhores cujas glórias celebravam, conselheiros ou meros adornos de reis, associados a um governo temporal ou espiritual, participando dos mesteres dos astrólogos e dos bobos, ajudando a puxar o carro do poder ou passeando-se nele.

Não se pode assinalar uma função ao poeta, que nenhuma tem senão o sê-lo, mas essa sem dúvida que não é a sua.

Há os gestores de cultura, que é hoje um ornamento para qualquer poder que pretende instituir-se, mas os poetas estão para além da sua gestão. Não porque não sejam deste mundo, porque o são, e o provam ao escrever, mas porque são poetas; estão à margem de qualquer forma regulamentada de vida e devem assumir a sua marginalização com todas as consequências: independência total, rejeição de todas as espécies de consolo ou de compensação. E porque devem estar à margem e isentos de possibilidade de aliciamento ou suborno, são inacessíveis aos gestores de cultura, pois gerir a cultura tem sido actuar sobre (quase sempre manipular) o passado, e os poetas enraízam-se no passado não para avançar no futuro, pois não há avanço neste campo, mas para conhecer um presente sempre incerto e mudável, cujo sentido têm de auscultar continuamente, duma forma inapreensível para quem o poder invista como gestor e, assim, torne seu agente. Aliás, actuar sobre o passado pode ser incómodo e inquietante, por aí poder existir a imagem já clarificada do presente (ainda obscuro) e, portanto, a lição (leitura) desse presente. Não se esqueça que um poeta como Camões, que dir-se-ia ser de passadas e gloriosas epopeias e de desvairados amores, resultou há pouco impossível de comemorar.

[...]

Monday, June 02, 2008

CAOS


CAOS – TERRORISMO POÉTICO & OUTROS CRIMES EXEMPLARES
Por Hakim Bey

(Este livro foi lançado pela Conrad Editora do Brasil – 2003. Tradução de Patricia Decia & Renato Resende – www.conradeditora.com.br)

Caos: Os panfletos do Anarquismo Ontológico
(Dedicado a Ustad Mahmud Ali Abd al-Khabir)

CAOS

O Caos nunca morreu. Bloco intacto & primordial, único monstro digno de adoração, inerte & espontâneo, mais ultravioleta do que qualquer mitologia (como as sombras à Babilônia), a original & indiferenciada unidade-do-ser ainda resplandece, imperturbável como as flâmulas negras frenética & perpetuamente embriagada dos Assassinos1.
O caos é anterior a todos os princípios de ordem & entropia, não é nem um deus nem uma larva, seu desejos primais englobam & definem todas coreografia possível, todos éteres & flogísticos sem sentido algum: suas máscaras, como nuvens, são cristalizações da sua própria ausência de rosto.
Tudo na natureza, inclusive a consciência, é perfeitamente real: não há absolutamente nada com o que se preocupar. As correntes da Lei não foram apenas quebradas, elas nunca existiram. Demônios nunca vigiaram as estrales, o Império nunca começou, Eros nunca deixou a barba crescer.
Não. Ouça, foi isso que aconteceu: eles mentiram, venderam-lhe idéias de bem & mal, infundiram-lhe a desconfiança de seu próprio corpo & a vergonha pela sua condição de profeta do caos, inventaram palavras de nojo para seu amor molecular, hipnotizaram-no com a falta de atenção, entediaram-no com a civilização & todas as suas emoções mesquinhas.
Não há transformação, revolução, luta, caminho. Você já é o monarca de sua própria pele – sua liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas: uma política se sonho, urgente como o azul do céu.
Para lograr abrir mão de todos os acentos & hesitações ilusória da história, é preciso evocar a economia de uma Idade da Pedra lendária – xamâs & não padres, bardos & não senhores, caçadores & não policiais, coletores paleoliticamente preguiçosos, gentis como sangue, que ficam nus para simbolizar algo ou se pintam como pássaros, equilibrados sobre a onda da presença explícita, o agora-sempre atemporal.
Agentes do caos lançam olhares ardentes a qualquer coisa ou pessoa capaz de suportar ser testemunha de sua condição, sua febre por lux et voluptas. Estou desperto apenas no que amo & até o limite do terror – todo o resto é apenas mobília coberta, anestesia diária, merda para cérebros, tédio sub-réptil de regimes totalitários, censura banal & dor desnecessária.
Avatares do caos agem com espiões, sabotadores, criminosos do amor louco, nem generosos nem generosos nem egoístas, acessíveis como crianças, semelhantes a bárbaros, perseguidos por obsessões, desempregados, sexualmente perturbados, anjos terríveis, espelhos para a contemplação, olhos que lembram flores, piratas de todos os signos & sentidos.
Aqui estamos, engatinhando pelas frestas entres as paredes da Igreja, do Estado, da Escola & da Empresa, todos os monolitos paranóicos. Arrancados da tribo pela nostalgia selvagem, escavamos em busca de mundos perdidos, bombas imaginárias.

A última proeza possível é aquela que define a própria percepção, um invisível cordão de ouro que nos conecta: dança ilegal pelos corredores do tribunal. Seu eu fosse beijar você aqui, chamariam isso de um ato de terrorismo – então vamos levar nossos revólveres para a cama & acordar a cidade à meia-noite como bandidos bêbados celebrando a mensagem do sabor do caos com um tiroteio.