Thursday, April 30, 2009

PCTP/MRPP


Qualquer operário ou qualquer outro trabalhador consciente estarão hoje em condições de
compreender que o combate à presente crise económica, que ameaça semear a miséria e a
desgraça em cada família cujo sustento dependa unicamente de rendimentos salariais, exige
um método de acção firme, cujo primeiro e decisivo elemento deverá consistir numa separação
clara, traçada a linhas de fogo, entre os responsáveis pela crise e aqueles que são as suas
vítimas.
Ninguém de bom senso estará hoje disposto a embarcar na conversa mole do doutor
Mário Soares, do professor Rebelo de Sousa, ou mesmo do doutor Louçã, segundo a qual os
únicos responsáveis pela actual crise são os financeiros e os especuladores mal
intencionados, aos quais ingenuamente se terá permitido realizar actividades ditas de
“enriquecimento ilícito”. Com efeito, o locus de tal crise, o lugar onde todo o enriquecimento
ilícito se origina, a base da pirâmide no topo da qual se encontra o especulador que irá
possivelmente passar umas curtas férias na cadeia até que a tempestade amaine, reside na
actividade de produção, na fábrica e na empresa onde os trabalhadores são diariamente
espoliados da maior parte dos frutos do seu trabalho.
Não foi a fabricar notas ou moeda bancária que se alimentaram as “donas Brancas” que,
como cogumelos, há muito proliferam no sistema financeiro nacional e internacional, mas foi
sim e sobretudo com as enormes fortunas acumuladas tendo por base as actividades de
produção e venda de bens e serviços, que esse alimento foi sendo sistematicamente
efectuado. No sistema económico nacional e mundial, não é possível destrinçar o grande
capital industrial do grande capital financeiro, pela simples razão de que não é possível fazer
aumentar o valor real do dinheiro se não for através da transformação deste em capital
industrial e em mais-valia produzida pelos trabalhadores e apropriada pela classe capitalista e
respectiva corte de lacaios e serventuários.
Hoje, em Portugal, apenas pouco mais de um terço da riqueza produzida é representada
por rendimentos do trabalho, sendo o restante constituído por rendimentos do capital. E hoje,
no Portugal europeu em que se louvam os partidos da situação, as actividades produtivas vão
inexoravelmente desaparecendo, umas após outras. Concentrado em poucas mãos, o dinheiro
é canalizado sobretudo para actividades parasitárias e especulativas. Estas duas realidades
alimentam-se uma da outra, num círculo vicioso a que é necessário e urgente pôr cobro.
Os responsáveis pela actual crise são assim todos aqueles que, ao tomarem o lugar dos
Mellos e dos Champalimauds depois do período revolucionário de 1974/75, restabeleceram em
Portugal uma ordem económica capitalista idêntica à que vigorava antes daquela data. E são
os partidos, sobretudo o PS e o PSD, que, sob o chapéu protector da União Europeia,
apresentaram esta escolha como a melhor para o país e que, alternadamente, se
banquetearam à mesa do orçamento, transitando das grandes empresas para o governo e do
governo para as grandes empresas, numa promiscuidade chocante mas nunca interrompida.
Deixar que os responsáveis pela crise sejam os que ficam a cuidar da sua solução, é
como pôr o ladrão a guardar a vinha, e as consequências disso estão já bem à vista de todos.
Visita e divulga as páginas do PCTP/MRPP:
http://www.pctpmrpp.org http://essenciadoporto.blogs.sapo.pt
Adere ao PCTP/MRPP. Envia a tua ficha de filiação para a sede nacional do partido ou para os
seguintes endereços electrónicos:
porto@pctpmrpp.org pctp@pctpmrpp.org
Em breve te contactaremos
Nome:___________________________________ Data nasc:___/___/____
Tel:____________ Morada:_______________________________________
Cód. Postal_______-_____ Localidade:_____________________________
e-mail:________________________Profissão:_______________________
Nas medidas que tem tomado na presente emergência, o governo Sócrates tem vindo a fazer
aquilo que melhor sabe, que é canalizar milhões a fundo perdido para os bancos e grandes
empresas, sob o argumento de, com isso, estar a defender o emprego, ao mesmo tempo que
as empresas encerram umas após outras ou impõem condições de exploração da força de
trabalho que colocam Portugal ao nível das piores práticas de trabalho barato e sem direitos.
Acentuar ainda mais, como está a ser feito pelo actual governo, a repartição do
rendimento nacional a favor do capital, significa regar com gasolina o fogo que se ateou.
Manter uma atitude de temor e de subserviência em relação aos grandes grupos económicos,
que são os fautores da crise, só pode significar, para os trabalhadores que a adoptem, estar a
cavar, às ordens daqueles, a própria sepultura.
De facto, o que a presente crise veio já revelar com enorme clareza é que, no sistema
capitalista de produção, toda a riqueza se acumula naquela pequena parte da população que
vive do trabalho da maioria, e que é em tal facto que reside a principal causa dessa mesma
crise. Assim, e em termos imediatos, é preciso fazer com que a riqueza produzida reverta para
quem a produz, o que significa que, para combater os despedimentos e o encerramento das
empresas, se tenha de instituir um horário de trabalho mais reduzido, a semana de 30 horas,
para todos os trabalhadores, e, ao mesmo tempo, fazer aumentar drasticamente a proporção
da massa salarial global no rendimento nacional, reduzindo na mesma proporção os
rendimentos do capital.
É em torno da reivindicação da semana de trabalho de 30 horas e de um aumento geral de
salários acompanhado de uma diminuição substancial dos leques salariais, que se poderá
começar a estabelecer uma clara linha de demarcação entre os responsáveis e as vítimas da
crise actual. Esse terá de ser o primeiro passo para o ataque imediato a essa mesma crise, o
qual há que transformar no prelúdio de uma revolução total do sistema económico, político e
jurídico em que assenta o funcionamento da sociedade portuguesa actual.
SEMANA DE 30 HORAS DE TRABALHO PARA COMBATER A CRISE!
AUMENTO GERAL DE SALÁRIOS, COM FORTE REDUÇÃO DOS LEQUES SALARIAIS!
POR UM GOVERNO DEMOCRÁTICO E PATRIÓTICO DE SALVAÇÃO NACIONAL!
PARA OS TRABALHADORES PODEREM VIVER, O CAPITALISMO TEM DE MORRER!
VIVA O 1º DE MAIO! VIVA O SOCIALISMO! VIVA O COMUNISMO!
Lisboa, 20 de Abril de 2009
O Comité Central do PCTP/MRPP
Sede Nacional:
Rua da Palma, 159 – 2º D.to
1100-391 LISBOA
Telefone: 218 880 780

Wednesday, April 29, 2009

SURREALISMO E MARXISMO


CLAUDIO WILLER...
Surrealismo e marxismo?
(Seguido de comentários sobre Surrealismo no Brasil)


A quantidade de títulos brasileiros sobre surrealismo pode ser contada nos dedos. Este é um dos motivos para registrar A estrela da manhã - Surrealismo e marxismo, de Michael Löwy (Editora Civilização Brasileira). Seu autor conhece o assunto, por tê-lo pesquisado e pela participação, há décadas, em atividades surrealistas. Daí a argumentação fluente, fundamentada em uma sólida bibliografia.

Pode, contudo, por causa do subtítulo, criar uma expectativa e subseqüente frustração, pois sugere a discussão da relação entre o corpus do que é entendido por marxismo, ou abrangido por esse significante (bastante coisa, é claro), e tudo aquilo designado por outro termo saturado de sentido, surrealismo.

Mas A estrela da manhã - Surrealismo e marxismo é, antes, uma coletânea de ensaios. Tem um fio condutor, o exame da natureza revolucionária do surrealismo. A estrela da manhã, do título, é sua metáfora, remetendo ao final de Arcano 17 de Breton: é a estrela especialmente luminosa emanada, segundo Éliphas Lévi, do anjo rebelde, Lúcifer, e que representa ao mesmo tempo amor e liberdade. O belíssimo final dessa obra complexa de Breton, Arcano 17 (editado pela Brasiliense), equivale às etapas finais de um processo iniciático: Breton evoca o sentido da Estrela da Manhã, Vênus, a supremacia do feminino, ao descobrir o estudo de Viatte mostrando o diálogo entre Éliphas Lévi e Victor Hugo, e como partilharam a crença nesse mito liberador.

Um dos ensaios de Löwy é sobre Walter Benjamin. Comentado o modo como surrealismo impressionou o autor de O drama barroco alemão, resultando em influência e intertexto, especialmente de O Camponês de Paris de Aragon, evidentes em Rua de Mão Única e outros de seus escritos. Examina sua apreciação lúcida e pioneira do surrealismo em 1929. Benjamin partilhou com Breton e Aragon a idéia de iluminações profanas, a admiração pelo romantismo radicalizado de Baudelaire, Rimbaud e Lautréamont, a percepção do maravilhoso que emerge no mundo moderno; e mais, o que Löwy chama de marxismo gótico, a sensibilidade para a dimensão mágica das culturas do passado. Os conceitos weberianos de desencantamento e re-encantamento do mundo são bem invocados, na introdução do livro e neste ensaio, a propósito da conexão Benjamin-surrealismo.

Outro capítulo, sobre Pierre Naville, pensador político importante, um dos editores de La Révolution Surréaliste, é oportuno. Realmente, divergências filosóficas à parte, o tratamento dado por Breton a Naville em 1930, difamando-o no Segundo Manifesto do Surrealismo, não foi algo que se faça. Recuperando Naville, revela bastidores da relação surrealismo-trotskismo nos anos 30. Ao que parece, não fossem as diferenças entre ambos, Breton e Naville, a aproximação de Breton e Trotski poderia ter-se dado antes.

Em seguida, um texto sobre O romantismo noir de Guy Debord e situacionismo. Chega em boa hora, por coincidir com a publicação, no Brasil, de manifestos da Internacional Situacionista e outras obras de Debord pela Conrad Livros. Traça um perfil de Debord, ao expor as linhas gerais de seu pensamento. Mas, dentro dos propósitos de A estrela da manhã, o exame das diferenças e afinidades entre surrealismo e o autor de La Societé du spectacle não poderia ficar restrito a um breve parágrafo, em acréscimo ao que é dito nas páginas iniciais do livro, supondo afinidades eletivas a aproximarem a atitude surrealista e a deriva situacionista.

Finalizam a série dois textos interligados, que poderiam compor um só artigo: um elogio a Vincent Bounoure, e um balanço da situação de grupos e movimentos surrealistas depois da morte, em 1966, de Breton.

Vincent Bounoure, morto em 1996, participou ativamente do surrealismo desde 1955, publicando em periódicos como Surréalisme même e La brèche. Em 1969, insurgiu-se contra a dissolução do surrealismo por Jean Schuster (legatário de Breton), José Pierre e Gérard Legrand (co-autor, com Breton, de L’Art magique), entre outros integrantes de peso desse movimento. Mas teve apoio de outros surrealistas de expressão, como Jean-Louis Bédouin, a excelente poeta Joyce Mansour e Robert Lebel. Daí em diante, Bounoure editou periódicos e a coletânea La Civilisation surréaliste. Estimulou manifestações e atividades no mundo todo. Criticou sua apropriação acadêmica, universitária. Segundo Löwy, …Se a aventura surrealista ainda continua em nossos dias, e se ela prossegue no século XXI, como esperamos, isso se deve e há de se dever, em absoluto primeiro lugar, ao espírito de insubmissão de um homem: Vincent Bounure. Entre outras informações sobre a movimentação surrealista pós-bretoniana, Löwy registra sua aproximação à Quarta Internacional, trotskista, em 1976; por conseguinte, aos marxistas revolucionários.

A seguir, relata o prosseguimento dessa aventura surrealista, a traduzir-se em publicações, manifestações e atividades no mundo todo, freqüentemente ignoradas pela mídia e especialistas da área universitária, levando-o a afirmar: …pior para os críticos, especialistas e outros dignos membros perpétuos da Academia das Inscrições e Belas-Letras. O surrealismo está alhures. (parafraseando Breton, que por sua vez adaptou Rimbaud, no final do primeiro Manifesto, ao dizer que a verdadeira vida está alhures, em outro lugar).

Essas observações têm um alvo: aqueles do grupo liderado por Breton que se moveram na direção da Sorbonne e outras universidades, e de núcleos acadêmcios de pesquisa, como o C. N. R. S. e o Centre de Recherches Surréalistes, dirigido por Henri Béhar, biógrafo de Breton, autor de obras sobre surrealismo e de estudos importantes sobre Alfred Jarry.

Mas Löwy, neste capítulo sobre O surrealismo depois de 1969, teria que mostrar melhor o que há nesse alhures, para que os leitores saibam o que, nele, ultrapassa o epigonal. Apenas elencar publicações, grupos e atividades equivale a um relatório protocolar. Não adianta dizer-se surrealista e declarar o ímpeto revolucionário, sem mostrar algo no plano da criação, da produção intelectual. É um paradoxo: mas, com todo o seu discurso crítico com relação a artes e literatura, o que mantém o interesse por surrealismo é sua ligação ao melhor do que se produziu nesses campos no século XX, incluída, frise-se, a obra de Breton. Por isso, por ser um pensador e um escritor denso e complexo, é estudado, inclusive na área acadêmica. Além disso, um pouco de teoria literária nunca fez mal a ninguém. Estudos universitários sobre surrealismo não precisam ser vistos como antagônicos com relação a seu prosseguimento como movimento. E trabalhos como aqueles dos estudiosos ligados a Béhar, bem como os scholars norte-americanos por sua vez ligados a Anna Balakian, trazem contribuição real para o conhecimento de obras surrealistas. Não há motivo para ninguém - nem os da ala acadêmica, nem os militantes - quererem monopólio do surrealismo, nesta altura.

Conforme observado acima, na introdução e nos capítulos iniciais de A estrela da manhã - Surrealismo e marxismo, Löwy dava a impressão de que a discussão da relação entre marxismo e surrealismo, da compatibilidade entre ambos, seria enfrentada no corpo do livro. Há até mesmo um parágrafo sobre Philosophie du surréalisme de Ferdinand Alquié (de 1955), um dos autores que achavam que não, que essa compatibilidade não existia. Já em 1933, Alquié havia denunciado o vento de cretinização sistemática que sopra da URSS, em uma carta que foi publicada em SASDLR, a revista de então dos surrealistas, antecipando a ruptura definitiva de Breton com o estalinismo em 1935. A tese de Alquié em Philosophie du surréalisme, polêmica, jamais foi impugnada por Breton - tanto é que continuou a participar das publicações surrealistas e a constar como fonte bibliográfica. Simplificando uma argumentação técnica em uma obra complexa, para Alquié, por trás de cada referência a Marx por Breton, estava Hegel; e, por trás de cada referência a Hegel, estava Kant.

Na argumentação de Löwy há um silogismo, implícito em seu modo de tratar a questão, diz ele, sempre apaixonante da revolução: o surrealismo é revolucionário, pois a utopia revolucionária é a energia musical deste movimento; o marxismo é revolucionário; portanto, são do mesmo âmbito, concordes, afins. Pode-se chegar ao contrário, utilizando as categorias revolução e revolta do modo como o faz Octavio Paz, em Signos em Rotação, vendo-as como antitéticas. Nesse caso, surrealismo pertence ao âmbito da revolta; marxismo, ao da revolução.

Breton, note-se, distinguia rebelião romântica e pensamento marxista, até mesmo ao querer transformá-los em um só, como na célebre proclamação de 1935: “Transformar o mundo”, disse Marx; “mudar a vida”, disse Rimbaud: estas duas palavras de ordem, para nós, são uma só.

POUS

Eleições europeias
POUS quer proibição de despedimentos e saída de Portugal da UE
29.04.2009 - 14h25
A proibição dos despedimentos e a saída de Portugal da União Europeia (UE) são as principais bandeiras do Partido Operário de Unidade Socialista (POUS) para a campanha rumo às eleições europeias de 7 de Junho.

A dirigente do POUS Carmelinda Pereira, que hoje apresentou em conferência de imprensa os objectivos da campanha do partido, defendeu que o governo “faça uma lei proibindo todos os despedimentos”.

“É insustentável vivermos num país em que se despedem em média 80 trabalhadores por hora. Estamos a destruir a classe trabalhadora de uma forma que compromete a reconstrução do nosso país, da economia portuguesa e a própria democracia”, declarou em declarações à agência Lusa.

A cabeça de lista do POUS ao Parlamento Europeu (PE) defendeu ainda a necessidade de Portugal “romper com a União Europeia, com as suas instituições e os seus tratados” e “lançar a base para a construção da união livre das nações soberanas de toda a Europa”.

Prometendo uma campanha “de contacto com os trabalhadores e com as populações”, “nos locais de trabalho ou nas ruas”, Carmelinda Pereira instou os partidos de esquerda que contestam as políticas comunitárias a “serem consequentes” e afirmarem se também são contra as instituições da União porque, sustentou, “as políticas da UE são intrínsecas às instituições”.

Saturday, April 25, 2009

NOTÍCIAS DA GRÉCIA


Atividades e ataques na Grécia não param, apesar das novas medidas de repressão do governo grego


Hoje (14), por volta das 12 horas, uma câmera de vigilância localizada na esquina da Byron Tsimiski, no centro da cidade de Tessalônica, foi destruída, em protesto ao aumento do patrulhamento nas ruas da cidade.

Carros incendiados

Em um curto espaço de tempo após a meia-noite da segunda-feira (13), num ataque coordenado, foram incendiados 8 carros em 3 cidades gregas. Em Atenas 3 veículos foram queimados, em Tessalônica 4, e um outro automóvel em Larissa. A maioria dos carros foram completamente destruídos pelas chamas.

Manifestação solidária

Sob um forte esquema de repressão e os olhares da polícia de choque, centenas de anarquistas caminharam até a prisão de Korydallos em Atenas neste sábado (11), para exigir a libertação de dezenas de prisioneiros que foram detidos durante as revoltas de dezembro de 2008. No protesto foram gritados lemas de apoio e liberdade para os companheiros presos. Eles também zombaram da polícia que realizou um “cordão policial” na tentativa de enfileirar os ativistas. Muitos dos manifestantes usavam máscaras anti-gás, outros cobriram seus rostos em desafio as novas leis repressivas gregas.

Fotos: http://athens.indymedia.org/front.php3?lang=el&article_id=1017618

Vídeo: http://www.youtube.com/v/7GrU25QjDsY&

Bancos são atacados

Sábado (11), em Exarhia, um grupo de anarquistas atacou diversos bancos, quebrando vidraças, câmeras de vigilância e mecanismos de monitoramento utilizados para proteger os lucros dos banqueiros.

Protesto contra a nova legislação grega

Em Atenas, na quinta-feira (9), cerca de duas mil pessoas participaram de um protesto contra a nova legislação do governo grego que proíbe manifestantes vestirem capuz em encontros-protestos públicos e que, ainda, criou um novo ramo da polícia para responder às agitações públicas e ataques incendiários.
Fotos: http://athens.indymedia.org/front.php3?lang=el&article_id=1017690


Vídeo da manifestação em defesa do Parque Autogestionário de Exarhia:
http://www.youtube.com/watch?v=DC_D2tQzHWU






agência de notícias anarquistas-ana

Guardei para você,
num verso de porcelana,
as flores da manhã.

Eolo Yberê Libera

http://redelibertaria.blogspot.com

MORTE AO CAPITALISMO!


1º de Maio Anticapitalista & Anti-autoritário - Manifestação - Jardim Príncipe Real – 16h, Lisboa


O 1º de Maio evoca aqueles que morreram na luta contra o capital. Desta forma, nunca poderá ser uma celebração. Por outro lado, em circunstância alguma se deverá homenagear uma das suas formas de escravatura: o trabalho ou o estatuto de trabalhador nos moldes de uma sociedade capitalista e autoritária.

A nossa luta é directa e global, contra todxs xs que nos exploram e oprimem, contra o patrão no nosso local de trabalho, contra o bófia no nosso bairro, contra a lavagem cerebral na nossa escola, contra as mercadorias com que nos iludem e escravizam, contra os tribunais e as prisões imprescindíveis para manter a propriedade e a ordem social.

Não nos revemos no simulacro de luta praticado pelxs esquerdistas, ancoradxs nos seus partidos, sindicatos e movimentos supostamente autónomos. Estes apenas aspiram a conquistar um andar de luxo no edifício fundado sobre a opressão e a exploração, contribuindo para dar novo rosto à miséria que nos é imposta.

Recusamos qualquer tentativa de renovação do capitalismo, engendrada nas cimeiras dos poderosos ou na oposição cínica posta em cena pelos fóruns dos seus falsos críticos. Não tenhamos ilusões. Não existe capitalismo “honesto”, “humano” ou “verde”. A “crise” com que nos alimentam até à náusea não é nenhuma novidade. A precaridade não é só um fenómeno da actualidade, existe desde que a exploração das nossas vidas se tornou necessária à sobrevivência deste sistema hierárquico e mercantil.

Porque queremos um mundo sem amos nem escravos, apelamos à resistência e ao ataque anticapitalista e anti-autoritário. E saímos à rua.

http://redelibertaria.blogspot.com

Thursday, April 23, 2009

MANIFESTO ANTI-SÓCRATES


Sócrates é arrogante
Sócrates diz que é dialogante
mas não é
Sócrates é bem falante
Sócrates vai ao cu ao elefante
Sócrates é elegante
Sócrates é um altifalante
Sócrates é um inimigo da vida
Sócrates é um filho da puta
Sócrates é o representante
de tudo o que há de mais vil e desprezível
Sócrates é rebanho
Sócrates é do tamanho
da hipocrisia
Sócrates é o primeiro-ministro
Sócrates é o primeiro sinistro
Sócrates é ladrão
Sócrates é um cabrão
Sócrates é cinzentão
Sócrates ainda não sabe
o que penso dele
talvez me processe
talvez chame a polícia
o exército
a repressão toda
morra o Sócrates! Morra Pim!

Sócrates é um profeta da morte
Sócrates ama os bancos
ama a bolsa
ama o mercado
Sócrates não está isolado
Sócrates tem os seus seguidores
Sócrates é um inquisidor
Sócrates é um ditador
Sócrates não tem sensibilidade
Sócrates não tem humanidade
Sócrates merece cair
Morra o Sócrates! Morra pim!

Sócrates é vigarista
Sócrates é corrupto
Sócrates só pensa no viaduto
Sócrates é quadrado
Sócrates é formatado
Sócrates é uma alforreca
Sócrates é uma pata marreca
Sócrates é uma seca
Sócrates é uma queca mal dada
Sócrates é obra
Sócrates é estrada
Sócrates é TGV
Sócrates é aeroporto
Sócrates é avião
Sócrates é o alcatrão
que nos envenena
Morra o Sócrates! Morra Pim!

Sócrates é vaidade
Sócrates é uniformidade
Sócrates é autoritário
Sócrates irrita-se
Sócrates diz que está a ser caçado
Sócrates tem mau olhado
Sócrates é televisionado
Sócrates está em todo o lado
Sócrates é controlado
mas, às vezes, quase perde o controle
Sócrates não é mole
Sócrates é disciplinado
Sócrates é telecomandado
Sócrates é um robot
morra o Sócrates! Morra Pim!

Sócrates é uma merda
Sócrates não vale nada
Sócrates dá trabalho
Sócrates é um caralho
Sócrates é um empecilho
Sócrates come milho
Sócrates é um galináceo
Sócrates é um pascácio
Sócrates é fascista
Sócrates é um ilusionista
Sócrates é um contorcionista
Sócrates é um equilibrista
Sócrates é uma fatia de pizza
morra o Sócrates! Morra Pim!

Sócrates é um cataclismo
Sócrates é um autoclismo
Sócrates está ao serviço
dos banqueiros e dos capitalistas
Sócrates é um chulo
Sócrates fica fulo
sempre que o contrariam
Sócrates vai ao ringue
Sócrates dá alguma luta
mas não passa de um bom filho da puta!

PARTIDO SURREALISTA SITUACIONISTA LIBERTÁRIO

Friday, April 17, 2009

O MANIFESTO DA VELHA

Ontem no café ouvi uma velha
dizer que isto está cheio de gente
que não quer trabalhar
que anda tudo atrás do rendimento mínimo
que não falta trabalho

Olha, velha, eu assumo que não quero trabalhar
olha, velha, podes ir rezar aos teus santinhos
podes ir chupar a piça ao Sócrates
que o meu reino não é o teu
Sabes, velha, estou-me a cagar para os vossos preconceitos
e para a poesia lírica
sabes, velha, eu quero que o teu país fique ingovernável
que os partidos se fodam uns aos outros
que o dinheiro e o trabalho desapareçam
que se gere o caos
que reine Dionisos
que as pessoas se amem e forniquem como iguais
sabes, velha, estou farto dos teus brandos costumes
e da tua sociedade imbecil
quero vinho, danças, circo
uma república de poetas.

ELA


Acordei sem depressão
e o amor foi-se
ela só quer que sejamos amigos
mas dá-me a mão
ela é bonita
e sorri no metro
ela vai para casa
e fica pouco tempo
nunca a vi dançar.

Julho de 2008

Entram as gajas
e entram as mamas

OS POETAS

5 poetas leram poesia durante 55 horas consecutivas
e entraram no "Guiness"
55 poetas vomitaram durante 555 dias consecutivos
e entraram no "Guiness"
555 poetas cagaram durante 5555 dias consecutivos
e entraram no "Guiness"
5555 poetas bateram 55555 píveas consecutivas
e entraram no "Guiness"
55555 poetas foram ao cu a outros tantos poetas
e entraram no "Guiness"

VÊ NO QUE TE TORNASTE

Homem,
vê no que te tornaste
numa mercadoria que se compra e vende
vendes a mercadoria que é a tua força de trabalho
troca-la por outra mercadoria, a pior de todas,
o dinheiro
compras a mercadoria que é o lazer
estás à venda no mercado
tal como as batatas, os detergentes, as melancias
espectador, limitas-te a contemplar o espectáculo
és sempre comandado por outros
alienado
consomes
e se não consegues consumir
ficas na mesma na merda

Homem,
vê no que te tornaste,
num farrapo.

Já deste a tua contribuição de hoje
para a sociedade do espectáculo?
Sentes-te bem no papel de mercadoria?
Quantas imagens consumiste hoje?
És um espectador fiel?
Dás-te alegremente ao mercado?

Pronto, estou outra vez em baixo. Não consigo estar sempre alegre nem a falar sempre alegremente com toda a gente como os outros imbecis. Passei a tarde na cama porque a vida não me chama. Nem sequer estou com o pedal de há dias quando escrevia longos textos de um jorro. Sei que a sociedade espectacular mercantil nos reduz à condição de espectadores e de mercadorias. Não quero ser espectador! Não quero ser mercadoria! Não quero morrer de tédio! Quero criar, dançar, vomitar poemas. Quero sentir o cérebro a correr, a fervilhar de ideias.
Sei que a sociedade espectacular mercantil conduz à depressão. Outros singram sob o capitalismo, levam uma vida estável, “útil”, de dinheiro, trabalho e tédio. Há anos que compreendi que não fui feito para isso. Há anos que compreendi que a vida não se pode resumir a uma fórmula única e irreversível. Aprendi com os situacionistas que a verdadeira vida está para lá da economia. Frequentei uma Faculdade de Economia e tripei. Passei a odiar os gráficos e as contas. Era bom aluno a Matemática e não pude mais ver números à minha frente.
Sinto-me melhor quando bebo cerveja e digo poemas. Não sei explicar. Recupero a chama. Mas isso não me impede de detestar certos intelectuais direitinhos. Não estou sempre alegre mas tenho o sentido do gozo, da volúpia, da celebração, da festa. Venho dos rituais xamãnicos, de Dionisos. Não suporto a racionalidade nem os intelectuais racionais. A morte mata-me.
A maior parte das conversas quotidianas entediam-me. A maior parte das pessoas levam uma vida estúpida. Não quero uma vida estúpida! Não quero anjos e santos! Não quero apodrecer de tédio na aldeia!

A DANÇAR NO CACAU


Quanto mais leio mais chego à conclusão de que isto é uma merda
o que vale é que a Filó me contou a estória do Gato das Botas
para me animar
e eu não sei contar estórias
lembro-me da fada Morgana e do mago Merlin
agora estou na Praça José Régio
no meio da juventude hedonista
a noite prossegue
e eu só tenho dinheiro para um copo
tremo das mãos e das pernas
é a indústria do lazer em pleno esplendor
falas consomes palavras
consomes e és consumido
hoje não vim cuspir palavras
espectador faço análises sociológicas
falta aqui o Rocha
espectador na sociedade do espectáculo
observo os outros a consumir o espectáculo
e a serem consumidas por ele
e a minha cerveja está a dar as últimas
talvez o Guy Debord me achasse piada
escrevo à gota
quantas mais gotas consumir mais escrevo
é isto mesmo, pá
a verdade nua e crua
não dá para mais lirismos
nem intelectualices
pelo menos escrevo
enquanto estiver a escrever afasto o tédio
já não sei se daqui a pouco irei ao mar
há tanto tempo que não vou até ao mar
há tanto tempo que não danço
dançar à beira-mar
com Dionisos e a fada Morgana
com o Jacinto e com a Joana
escrevo à gota
resta-me decidir a quem cravar a próxima cerveja
quero escrever cada vez mais e melhor
quero escrever a estória do poeta sem abrigo
e deixar-me levar até ao mar
aqui a música é melhor
qualquer coisa marada e speedada
o DJ usa chapéu
qualquer coisa marada e speedada
que nos leva até ao céu
e as gajas ensaiam a dança
e os gajos aproximam-se e cumprimentam-me
hoje já produzi por duas eternidades
só faltam cá os deuses
mas ainda é cedo para dançar
Dionisos ainda não vestiu a pele
bebe-se e dança-se
aceitas-me no teu grupo fechado
ou vais fazer queixa ao teu namorado?
Não quero saber do teu grupo fechado
nem do teu namorado
passo outra vez pelo Régio
e vejo o Régio rodeado de cervejas
a juventude hedonista vai-se dispersando
vou até ao mar
finalmente
estive a dançar no "Cacau" até agora
literalmente no "Cacau".

O MANIFESTO DA MADRUGADA


Deixei de acreditar nos amanhãs que cantam
os situacionistas ainda depositam esperança nos Conselhos Operários
mas eu sinceramente não estou a ver uma união dos operários nem dos proletários em geral na sua versão abrangente
aliás, começo a estar descrente em qualquer tipo de união
tornei-me céptico e egocêntrico
de ego inflamado, dizem alguns
no partido já diziam que eu não me adequava ao trabalho colectivo
quase sempre privilegiei o individual em detrimento do colectivo
quando muito admito a união em pequenos grupos de três ou quatro individuos
Lautréamont escreveu que a poesia deveria ser feita por todos
eu acredito no individuo enquanto criador
acredito que a revolução está dentro da cabeça
acredito no poeta enquanto espírito livre no sentido nietzscheano
acredito no poder da imaginação
acredito na liberdade da criação
acredito no terrorismo poético
acredito no xamã.

EROS SURREALISTA


Eros surrealista: Bataille, Bellmer, Bordese, Masson y Sade

Carlos M. Luis

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En 1959 tuvo lugar en la Galería Cordier de Paris, la exposición surrealista dedicada al erotismo. El catálogo de la misma titulado “Boite Alerte, Missives Lascives”, se abría con una doble introducción de André Breton, una dedicada a los expositores y la otra a los visitantes. Esa exposición re-sumió una de las tendencias constantes dentro del surrealismo. Con el paso del tiempo, otras dos muestras importantes continuaron por ese mismo camino, demostrando la persistencia del erotismo dentro de la visión surrealista. La primera “Le Surrealisme et L’Amour” se celebró en Paris en 1997 en Le Pavillon Des Arts. La segunda tuvo lugar en el 2002 como una exposición viajera entre el Tate Modern de Londres y el Metropolitan Museum de New York. Ambas fueron acompañadas de sendos catálogos profusamente ilustrados y con numerosos estudios en torno al tema del deseo y el erotismo. Sería pues imposible en un solo ensayo, abarcar una temática tan vasta y de rico contenido. Me limitaré entonces en acentuar las correspondencias que existen en el campo de esa pasión, entre George Bataille (cuya relación especial con el surrealismo merece estudio aparte), Sade y tres pintores que de una manera u otra gravitaron (Masson y Bellmer) y gravitan (Bordese) en torno a ambos, mientras que sus obras se nutrían o nutren del surrealismo.

En su “Aviso a los visitantes”, Breton se apoya en el libro de Bataille: “L’Erotisme” (1), para exponer sus ideas acerca del tema. Lo que más le interesó a Breton fue enfatizar como punto de partida, que la concepción surrealista del erotismo proscribe de entrada, todo lo que pueda caer dentro del orden de la chocarrería (2). Bataille piensa a su vez, y Breton coincide con él, que ese orden posee un sentido inhibido del erotismo, transformado en descargas furtivas, en simulaciones placenteras, y en alusiones (3) a estas palabras Breton añade: que su agravio inexcusable reside en haber profanado el más grande misterio de la condición humana (4) Es de sobra conocido la actitud de este poeta con respecto a las manifestaciones sexuales, y su rechazo a cualquier conducta que empañara la esencia “sagrada” del erotismo. Bataille por su parte había diferenciado tres aspectos fundamentales del mismo: el erotismo del cuerpo, el del corazón y el sagrado. Para este autor toda expresión erótica es finalmente “sagrada”. Por otra parte habría que señalar –y esto es importante para la comprensión de los pintores mencionados-que el término sagrado proviene en parte de sacer que conservó su definición de santo así como la de sucio. La suciedad estuvo ligada a la visión que tuvieron Bataille y Sade de la sexualidad, pensando que constituía el secreto de su ser, como puede leerse en sus descripciones de los órganos genitales. Bellmer y Masson al identificarse con Bataille y Sade, frecuentaron esa dimensión. Bordese por su parte, continúa explorándola intensamente.

Por el surrealismo, pasaron pues numerosos personajes, cuyas preferencias sexuales chocaron con las de Breton, siempre dispuesto a impedir que se levantara el último velo que escondiera el misterio erótico. De ahí la hostilidad que manifestó en contra de la pornografía, como una forma degenerada del mismo. Y sin embargo Breton no pudo impedir que dentro de la expresión surrealista del erotismo, los límites se borraran a menudo, a favor de unas imágenes que sustituían lo “erótico-velado”, por obras que gráficamente reproducían el acto sexual con una total desenvoltura. Ese desenfado bordeaba la pornografía, término cuyo origen griego está vinculado a la prostitución. Breton al contrario de otros surrealistas, como Michel Leiris o el mismo Bataille, siempre rehusó entrar en los burdeles. En las encuestas sobre la sexualidad publicadas en ‘La Revolution Surrealiste” (5), el autor de “Nadja” se manifestó claramente sobre el asunto, en contra de la opinión de otros miembros del grupo. El estudio de esas concepciones divergentes entre los surrealistas acerca de las prácticas eróticas, nos llevaría por distintos caminos, pero vale la pena mencionarlos como base de futuras indagaciones.

Volviendo a Bataille, el poeta concuerda con él en que el erotismo del hombre difiere de la sexualidad animal precisamente en que moviliza la vida interior. El erotismo es lo que en la conciencia del hombre pone en cuestión el ser (6) No cabe duda entonces que para Bataille, lo que entra en juego es todo un mecanismo de atracción-repulsión que él fue analizando en la medida que vio el acto sexual como una disolución de las formas constituidas (7)

¿Qué ser se pone en cuestión mediante su disolución? Si la sexualidad lleva a cabo la violación del cuerpo durante el ritual de la cópula, y su proceso lúdico preliminar, el erotismo se encuentra vinculado al dolor y a la muerte. En las narraciones eróticas de Bataille como “La Historia del Ojo” aparecen constantes alusiones escatológicas a violaciones, torturas, necrofilia, etc. En su otro libro sobre el tema “Les Larmes D’Eros”, Bataille sondea esos lugares con la ayuda de numerosas ilustraciones. En las páginas finales de su obra, Bataille reproduce unas escenas de tortura y crueldad indecibles: desde la actitud extática de un chino condenado a ser desmembrado lentamente, hasta los sacrificios humanos que aparecen ilustrados en los códices aztecas, pasando por otras escenas de ensañamiento en grabados del siglo XVI-XVII. El atractivo que ejerce el dolor y el padecimiento sobre la libido, nos recuerda al Novalis que escribió que en la fuente del deseo yacía la crueldad. El marqués de Sade insiste en narraciones como “Justina” o los “120 Días de Gomorra”, que el gusto por la crueldad sea compartido por todos los participantes de sus orgías sexuales. Bataille cierra pues su libro con ilustraciones de actos de tortura y sacrificio donde el extásis se opone, según él, a un horror extremo: tal es, la inevitable conclusión de una historia del erotismo. (8)

La naturaleza convulsiva del acto sexual, con sus gritos, jadeos y la violencia que lo acompaña, conduce al anti-climax del orgasmo que los franceses llaman la petite morte, la pequeña muerte. El erotismo es una afirmación de la vida hasta la muerte, como Bataille había pensado. El impulso hacia el amor, empujado hasta sus límites, es un impulso tanático, según este autor. Freud por su parte utiliza el erotismo en su teoría sobre las pulsiones, para designar las pulsiones de la vida oponiéndolas a las de la muerte. Para que ese proceso ocurra, la disolución de las formas constituidas debe llevarse a cabo como una muerte que vive la existencia humana mientras que el espíritu sólo alcanza su verdad sino cuando se encuentra en estado de desmembramiento absoluto. Bataille citó estas frases de Hegel tomadas del libro de Kojeve sobre el filósofo alemán. (9) abriendo un trasfondo filosófico, que repercutió en los tres pintores mencionados.

La tensión vida-muerte recurre por lo tanto, en la obra de Bataille. En sus estudios sobre las pictografías encontradas en Lascaux y otros sitios, Bataille descubre esa tensión: Hemos visto que el hombre velludo de Neanderthal tenía conocimiento de la muerte. Y es a partir de ese conocimiento, que opone la vida sexual del hombre a la del animal, que aparece el erotismo… En la muerte hay una indecencia que es, sin duda, diferente a lo que la actividad sexual tiene de incongruente. La muerte está asociada a las lágrimas, y a veces el deseo sexual a la risa… (10) ¿Por qué la risa? Porque ante lo repelente y lo grotesco el ser humano se disfraza, y una de las máscaras que utiliza como mecanismo de defensa es la risa. Breton incluye a Sade en su Antología del Humor negro como uno de los precursores del mismo. Bataille en su obra “El Erotismo” pone énfasis en una curiosa cita de los cuadernos de Leonardo de Vinci: De esa paradoja de la suciedad que en el erotismo está en oposición a la belleza, los Cuadernos de Leonardo da Vinci dan esta expresión sorprendente: “El acto de apareamiento y los miembros de los que se sirve son de una fealdad tal, que si hubiese la belleza de las caras, los adornos de los participantes y el arrebato desenfrenado, la naturaleza perdería la especie humana”. (11) Geoffrey Roche, profesor de la universidad de Auckland, en un ensayo publicado en el Internet titulado “Black Sun: Bataille on Sade” (12) se pregunta que después de esas descripciones denigrantes del cuerpo humano, cómo es posible hacer el amor. Citando a Bataille, el autor nos dice que en cada horror se esconde la posibilidad de la tentación, concluyendo que para Bataille es la naturaleza pecaminosa de la actividad sexual lo que le brinda su significado. Sin la tentación de violar los tabúes el sexo no sería erótico. Y cuando nos sentimos tentados y a punto de cometer “el pecado”, ¿acaso no nos sobreviene una risita que esconde placer y a su vez un temor bajo el peso de siglos de tabúes religiosos?

retirado de AGULHA-REVISTA DE CULTURA http://www.jornaldepoesia.jor.br/ag68luis.htm

JACK KEROUAC

Jack Kerouac e o primeiro On the road

Claudio Willer

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Quando Jack Kerouac morreu a 21 de outubro de 1969, aos 47 anos de idade, em Saint Petersburg, Flórida, famoso, porém isolado, decadente, pesadamente alcoólatra, deixou 19 dólares em sua conta bancária. Havia publicado alguns textos de circunstância como Satory in Paris, que saiu na Playboy, para fazer caixa. Dilapidara, é certo, o que ganhara, por beber de modo desenfreado e por mudar-se a toda hora – ele e sua mãe Gabrielle, a memére, em seu último ano de vida acompanhados por sua terceira esposa, Stella Sampas, movidos por uma difusa inquietação, não conseguiam residir por muito tempo no mesmo lugar.

Em maio de 2001, passadas pouco mais de três décadas da morte de Kerouac, o rolo com a primeira versão de On the Road – aquela escrita em três semanas, em abril de 1951 – seria arrematado em leilão por nada menos que dois milhões e quatrocentos e vinte mil dólares. Bateu o recorde do valor de originais literários. Mereceu cada dólar desse valor. Esse rolo original de On the Road acabaria sendo publicado em 2007, pela Viking Press, assim comemorando os 50 anos do lançamento da sua versão final pela mesma editora.

On the Road na versão editada – aquela finalmente publicada em 1957, aqui traduzida como On the Road: Pé na Estrada (L&PM Pocket, 2008, tradução de Eduardo Bueno reedição, com mudanças, do que foi publicado pela Brasiliense em 1984 na tradução de Bueno e Antonio Bivar) – exerceria uma influência única.

No prefácio dessa edição brasileira, Bueno comenta esse impacto:

Bob Dylan fugiu de casa depois de ler On the Road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de Pixote, também. Jim Morrison fundou The Doors. No alvorecer dos anos 90, o livro levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob Dylan, filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Jack em Lowell, Massachusets, como o próprio pai o fizera, vinte anos antes. Em 1992, Francis Coppola (o produtor), Gus van Sant (o diretor) e Johnny Depp (o ator) envolveram-se numa filmagem nunca concretizada do livro – e, apesar da diferença de idade, os três compartilharam o mesmo fervor reverencial pela obra.

Aliás, esse projeto de filmagem de On the Road por Coppola vai se transformando em novela infindável ou saga inconclusa. Pelas notícias mais recentes, a direção agora ficaria a cargo de Walter Salles. Acredito que, apesar da paixão e empenho de Coppola, o filme nunca será realizado. Pelo seguinte: é muito; as centenas de páginas de On the Road, narrando os cinco ciclos de viagens de Jack Kerouac, Neal Cassady e amigos pelos Estados Unidos e México, se viessem a ser filmadas como merecem, com atenção ao detalhe, incorporando o estilo de Kerouac, são cinematograficamente inviáveis. Iriam requerer a dimensão dos filmes-epopéia, divididos em episódios, a exemplo do que os japoneses fizeram no momento de maior prosperidade de sua indústria cinematográfica, por volta de 1960. A forma para dar conta da transposição de On the Road para o meio audiovisual seria antes aquela das novelas e séries de TV: só assim caberia, sem trair o original. O criador de Apocalipse Now devia pensar nisso: afinal, hoje as mídias convergem no DVD.

Bueno ainda trata, no prefácio aqui citado, de repercussões propriamente literárias e artísticas de On the Road:

[...] toda uma legião de escritores, artistas, cineastas, dramaturgos e músicos – a geração que se multiplicou em muitas – seria profundamente influenciada pelo estilo e pelas visões de Jack Kerouac. Difícil imaginar a obra de Sam Shepard, de Bob Dylan, de Charles Bukowski, de Jim Morrison, de Lou Reed, de Tom Wolfe, de Bret Easton Ellis, de Joni Mitchell, de Wim Wenders, de Hunter Thompson, de Neal Young, de Jim Jarmush, de Jack MacInerney, de Beck, de Bobo, de Tom Waits, de Gus Van Sant, de Bob Wilson sem On the Road. Todos eles pagaram tributo à fraqueza fluídica e generosa do católico louco e místico que viu a luz nos trilhos e trilhas da América.

On the Road, inspirou autores, é certo; mas, principalmente, projetou-se na vida, na sociedade, contribuindo para mudanças de valores, de comportamentos. O que estava sendo oferecido, naquele leilão de 2001, não era apenas um original de obra, porém a matriz de um mito. Mais que qualquer outra obra literária, contribuiu para realizar a profecia de uma revolução de jovens de mochila às costas tal como proclamada em outra das narrativas de Kerouac, The Dharma Bums, Os Vagabundos Iluminados (tradução de Ana Ban, L&PM Pocket, 2007), em uma fala atribuída ao poeta Gary Snyder (Japhy Rider no livro):

Pense na maravilhosa revolução mundial que vai acontecer quando o Oriente finalmente encontrar o Ocidente, e são caras como nós que podem dar início a essa coisa. Pense nos milhões de sujeitos espalhados pelo mundo com mochilas nas costas, percorrendo o interior e pedindo carona e mostrando o mundo como ele é de verdade para todas as pessoas. [...] eu quero que meus vagabundos do Darma carreguem a primavera no coração.

in AGULHA-REVISTA DE CULTURA www.jornaldepoesia.jor.br

O HOMEM PEQUENO E O ESPÍRITO LIVRE


SECÇÃO: Opinião

António Pedro Ribeiro


O Homem Pequeno e o Espírito Livre


“Dou o nome de Estado ao lugar em que todos, bons e maus, gostam de veneno.

Vede, pois, esses que estão a mais! Adquirem riquezas e só conseguem tornar-se mais pobres. Esses impotentes querem o poder e, antes de tudo o resto, a alavanca do poder, ou seja, muito dinheiro!

Vede-os trepar, esses ágeis macacos! Sobem uns por cima dos outros e empurram-se para a lama e para o abismo.”

(Nietzsche, "Assim Falava Zaratustra")


Eis a que se resume o Estado, o poder e a competição na sociedade capitalista. Nietzsche descreveu-o magistralmente há mais de 100 anos. Macacos que “sobem uns para cima dos outros” e se empurram para a lama e para o abismo.


Acontece na política. Acontece na sociedade. Luta-se por um lugar, por um emprego, por uma carreira, por um cargo. O deus-dinheiro, o mercado e a economia comandam todas as relações. Os que perdem são empurrados para o fracasso, para o desemprego, para a miséria, para a lama.

É a lei do mercado e do homem pequeno. A vida faz-se de intrigas, de ganância, de contas de mercearia. É a sociedade da gentalha e da canalha. E essa gentalha odeia o espírito livre, “aquele que não presta adoração e vive no meio das florestas, livre da felicidade dos servos e dos deuses”, portador de uma vontade “intrépida e terrível, grande e solitária”.

Essa gentalha goza da felicidade da maioria e é servil para com os seus “superiores” porque está hierarquizada, levando uma vidinha de tédio, rotinas e obrigações. À lei das massas e da maioria, à democracia burguesa opõe-se o indivíduo soberano, o espírito livre de Nietzsche.

Ao deus-dinheiro opõe-se a liberdade absoluta dos surrealistas. A gentalha, o homem pequeno, preocupa-se essencialmente com a sua comodidade e sustento, não procura o conhecimento. É um homem de meias-medidas, não se preocupa com o que é grande e inteiro como o espírito livre.


“Vede, pois, como estes mesmos povos imitam agora os merceeiros: para juntar as mais pequenas vantagens, dão volta a todas as sujidades!”. A sua “felicidade” é uma felicidade falsa que não sabe dançar. “E que por nós seja considerado perdido o dia em que não dançamos!”

O espírito livre, o criador ou vive segundo a sua vontade ou não vive. O homem pequeno não tem vontade própria, age de acordo com o poder ou com a maioria.

publicado no jornal "A Voz da Póvoa" de 16 de Abril em www.vozdapovoa.com

Saturday, April 11, 2009

Entra o bêbado
à hora do costume
pede uma cerveja
hoje, para variar,
também bebo
na confeitaria

entra a gaja
que não gosta de versos
e fala
esta gente passa a vida a falar
e parece alegre e ri
e nunca tem depressões
e fala de doenças
e vai à praia

antes beber...

DO ESPÍRITO LIVRE


Há editores que rejeitam os meus escritos
e tu vens-me falar da vida prática
da inadaptação ao mundo do trabalho
do suor no rosto

há pessoas amáveis nesta terra
pessoas que nos respeitam
mesmo desconhecendo a nossa pretensa ocupação
há um lado do ser humano, de alguns seres humanos,
que me agrada
o espírito
o espírito livre
mas depois vêm sempre o dinheirinho e a sobrevivência
a mesquinhez do espectáculo e da mercadoria
e está tudo fodido
está tudo fodido, minha rica

vou dedicar-me à minha arte
mesmo que os editores me rejeitem
vou até às profundezas de mim mesmo
ao âmago
ao lago
à origem
vou arrancar de mim a coisa

não sei quantos anos viverei mais
mas quero a vida autêntica
não esta merda
não esta merda que nos vendem
esta merda que nos entra pelos cornos acima

não estou armado em messias
não estou armado em profeta
apenas digo:
há outra via,
a via do espírito livre, criador
que está dentro de nós
esta é a minha filosofia.


Braga, 4.8.2008

há três dias que não durmo
a depressão parece ter passado finalmente
e lá continuo eu a falar de mim
lá continuo eu na onda auto-destrutiva
lá continuo eu atrás da loucura
fez-me bem ter estado em Braga com a Goreti
aquela miúda consegue curar-me
há poemas que não devem ser ditos em voz alta
se não parece que estamos no psiquiatra.

BRASILEIRA


Regresso à "Brasileira". A Gotucha está de mau feitio e foi ter com outro pretendente. Os senhores discutem a república. O Marques grita pelo cimbalino. Não estou em cima. Não estou em triunfo. A menina bonita abre a porta e sorri. A cidade rola mas eu não. O Marques diz que se vai embora. Uma menina substitui-o e conta as notas. Peço uma "Carlsberg". Talvez me levante, talvez me dê forças. Sou mesmo toxicodependente. A Gotucha tem razão. A menina traz a "Carlsberg" e sorri. Nem tudo é mau neste mundo. Bebo e as larvas circulam no cérebro. Lembras-te da Paulinha? Estás sempre a lembrar-te das coxas, da minissaia e ela nunca aparece. Apareceu há anos num restaurante. Disse-te que tinha prazer em ver-te. Prazer em ver-te mesmo depois daquela cena em que te expulsou do "Astória". Estavas com alucinações. Chove lá fora. Cá dentro a luz falha constantemente. A miúda bonita está sempre a entrar e a sair. A cerveja vai-se bebendo. Aproxima-se a hora do jantar mas tu já jantaste. Continuas a escrever sobre ti próprio. Não consegues parar. Esta quarta não vais ao "Púcaros" vomitar. Um mamas passam à tua frente. Que se foda! Estou com o ritmo. A escrita flui. Um grupo de ingleses invade a "Brasileira". O Cândido chega. Os ingleses saem. São quase 8. A Gotucha deve andar entretida. Os chuis passam ao largo. Peço outra cerveja. Escrevo ao ritmo da cerveja. A cidade está cheia de estrangeiros. Eu, cá por mim, só faço pequenas viagens. Venho até Braga e isso basta-me. Não preciso de ir a Barcelona ou a Paris ou ao Chile. De resto, faço viagens mentais, como Pessoa. E já fui bem longe. Tão longe. Se a Gotucha não estivesse de mau feitio cobria-a de beijos. Sou maluco por aquela miúda. O Cândido queixa-se que a colega não o cumprimenta quando está acompanhada do namorado. Chovem notas de cem- diz o Cândido. Há personagens que permanecem e que me saúdam sempre. O silêncio reina. A "Brasileira" está quase deserta. E a luz volta a falhar. Rolam caixas de cerveja. Aqui em Braga há sempre algum dinheiro, para variar. A menina sai sem cerveja. Hora da rendição. Trabalho-emprego-dinheiro ao fim do mês. Já não sei o que é essa merda. E esta merda que escrevo não vai servir para nada. Mais um exercício literário. Mais um desperdício de munições. Mais do Pedro e o Pedro e o Pedro. Podia meter conversa com o Cândido. Falar de futebol. Mas ainda não é meia-noite. Ainda não é hora do bar. Mantenho a pose do escritor responsável e respeitável. A gastar o ouro num texto de merda. Respeitável? Ah! Ah! Se eles soubessem. Era uma óptima maneira de terminar. Mas ainda não vai. Vai mais uma cerveja.
O Cândido olha pela janela e traz-me a terceira "Carlsberg". Uma gaja entra e senta-se ao pé da janela. Pede um café. São 8:25 h. O gerente pergunta pela bandeira nacional. A pátria acima de tudo! A Gotucha pediu-me para beber muito. E eu vou cumprir. O cliente que entrou pergunta pelo "Correio do Minho". O Cândido perfila-se para a bandeira. O cliente dialoga com o Cândido e simpatiza comigo.
Chegou a Sandra. Fala da vida e pergunta pela minha vida. Não estou deprimido. Merda! Não estou deprimido. São quase 9. Gosto desta cidade e de estar na "Brasileira".

Braga, 11 de Agosto de 2008.

DIÁRIO


Continuo em Braga e estou noutro café. A Gotucha nunca mais chega do encontro com o pretendente. E eu vou coleccionando cervejas. A música bate como o amor. As gajas da telenovelas falam sem som. Não sinto qualquer crise criativa. As gajas da novela abraçam-se. É o amor. O amor eleva-nos, põe-nos em cima, mesmo quando me xingas. Sou absolutamente doido. Fora do contexto social. E orgulho-me disso. Eu nada peço e a loucura vem ter comigo. Amo-a. Fornico-a. Estou bem aqui em Braga. Não me venham falar de Paços de Ferreira nem de Lousada. Ouviram? Estou bem aqui. Aqui despontei para a vida. E vejo os meus antigos colegas, todos bem instalados na vida, altos empregos e eu aqui assim, eu que sinceramente não era menos inteligente, antes pelo contrário. Todos eles vencidos e eu aqui à solta como há 20 anos mas mais sábio, mais senhor. A falar do alto da burra. Do alto da burra, como dizia o meu pai. Volto sempre ao meu pai. Eu admirava o meu pai. Era um senhor. Nunca andou atrás das riquezas. Corações ao alto, como ele dizia. Bebo umas cervejas mas ele também bebia. Bebemos para suportar esta merda. E venha mais uma. E a gerente fica toda contente. As mamas abanam. É boa rapariga. Devem ser poucos os gajos que vêm escrever para o café. Quase nenhuns. Pelo menos, assumo que escrevo. Não tenho vergonha do meu ofício não lucrativo. Que tragédia seria se perdesse a mão. Morreria imediatamente. De vez em quando aparecem umas coisas sobre nós nos jornais e há gerentes e empregados de cafés que comentam a nossa escrita. Estou satisfeito comigo próprio. Hoje escrevi como o caralho e o dia ainda não acabou. A música que recorda-me a adolescência quando passava as tardes preso ao gira-discos a ouvir Pink Floyd, Supertramp, Dire Straits. Aqui em Braga na casa da Rua Nova de Santa Cruz. A única casa que eu realmente tive. Lá estás tu com o sentimento de posse- diria o Oliveira E há gajas bonitas na televisão. Sinto-me absolutamente divino. E também aqui o café se esvazia. Ainda me falta meia cerveja. E a Lídia Franco do "Tal Canal". Envelheceu. Não leio jornais. Não sinto a falta deles. E o gajo bebe suminho. Bebe suminho que te faz bem, queridinho. Olha que eu estou em forma. Podeis tremer, marionetas do sistema, que eu estou em forma. A caneta desliza e o "Deslize" fechou. Hoje vai haver festa, Gotucha. Afastai de mim os relógios e os televisores! Mamas atrás de mamas. Só se vêem mamas. E eu sou escritor. É a minha profissão. Se tive sucesso com a "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" também posso ter com outras merdas. Os outros que me sustentem. Ah! Ah! Os outros que me sustentem, minha rica. Escrevi como um cão. Sabes que os cães quando escrevem são fodidos. Até à última gota. Sabes, gaja, as gajas até gostam de mim mas têm medo. A maior parte dos gajos fazem-nas bocejar. É claro que quando estou deprimido é mais complicado. Mas quando estou em forma elas querem-me, elas querem a minha loucura, porque ela está na sua natureza de mulheres, de bacantes mas, por outro lado, elas fogem porque precisam de uma certa segurança. Lembras-te de como elas ouviam o Jaime? Os outros gajos dizem sempre o mesmo. Eu, tal como ele, sou filho de Dyonisos.

CANÇÃO


Uma canção pela manhã
uma canção feita de pássaros, insectos e um cão

o cão partiu e voltou
abocanha uma pinha
os sinos batem lá em baixo no rio
ressaca
sem pregar olho
venho pregar aos animais
talvez me ouçam mais do que os homens
no alto da montanha
com o "Retrato de Dorian Gray"
precisavas disto, xamã
na cidade acusam-te de só falares de ti mesmo
de te masturbares com as palavras
este é o teu caminho
o caminho que começaste a trilhar há 20 anos
quando escreveste:
na ressaca das noites ébrias
crio cenários
liberto pássaros
absorvo conversas
tudo parece absurdo convencional
diante do meu fogo
diante da embriaguez permanente.

É sinuoso o caminho até ao cume
aqui tudo é rocha
tudo é eterno
xamã, tens de vestir a pele
ouvem-se já as vozes dos aldeões.

Chelo, Gerês, Agosto de 2008.

JIM MORRISON


Depois destes anos todos chego à conclusão que é com o Jim Morrison que me identifico mais. Sucessor e leitor dos beatnicks, Morrison já dizia que "se a minha poesia pretende atingir alguma coisa, é libertar as pessoas dos limites em que se encontram e que sentem". Jim foi um revolucionário mas não um revolucionário tradicional. O poeta dos Doors apelou para o caos, não tinha uma cartilha pré-definida, não tinha de estar sempre lúcido nem de se portar sempre bem. Apelou para o caos porque entendia que era esse o caminho para a luz, para a liberdade. Deu ao rock a dimensão teatral. Era um xamã, aquele que entrava em contacto com os deuses e com a loucura. Não se contentava em cantar a paz e o amor como os hippies. Achava-os ingénuos. Queria chegar lá mas achava que tínhamos de atravessar o caos, "atravessar para o outro lado". Percorreu a estrada do excesso para alcançar a sabedoria, como indicou William Blake. Quis ultrapassar os limites. Entendia que a vida não se resume a uma fórmula única e irreversível, ao ganhar dinheiro. Revoltou-se contra a autoridade, contra a polícia. Foi um espírito livre, um menino e um bailarino no sentido nietzscheano.

Friday, April 10, 2009

GAJAS BOAS


Nesta terra as gajas boas não vêm ao café. Ficam em casa a masturbar-se.

DIÁRIO


Um fanático do sporting domina o café. Fala bem alto e para toda a gente. A cerveja faz-me escrever- já o disse. Os futebolistas são prudentes nas declarações. Dizem sempre a mesma coisa. O que eu quero é ser um filósofo à maneira de Platão. Um amante da sabedoria e da virtude. Um ser que procura a luz. É claro que a estória da moderação me faz confusão. É claro que não expulsaria os poetas da cidade. Mentira! Expulsaria os poetas da corte, os aduladores, os que estão sempre sorridentes e de bem com tudo e com todos. De resto, acho que não teria jeito algum para governar a cidade. Sinto-me mais perto de Diógenes a insultar toda a gente como eu faço quando digo poesia. Bukowski dizia em público tudo o que pensava, inclusivé pornografia. Mas o que importa a esta gente é o arranque da época futeboleira. Os campeonatos, as taças e esta merda toda. Poucos querem sair da caverna. O comum dos mortais passa o tempo a contemplar sombras e a opinar sobre elas. Passa o tempo a ver passar as bolas. Procura a sabedoria, Gotucha! Procura a sabedoria. Olha que a sabedoria não está na net nem nos namorados virtuais.

BRAGA


Mantenho-me fiel ao café "Gulodices", apesar de o café ao lado ter reaberto. A nova geração joga às cartas. A Gotucha permanece em casa como uma esposa fiel. DIz que quer ir ao Porto, a Serralves, ou então à praia. Eu, por mim, estou bem aqui. Venho ao café beber cerveja enquanto a Gotucha está em casa a teclar. Sinto, sim, alguma falta dos cafés do centro da cidade, da "Brasileira". São cafés com encanto. Com outro movimento. E o diário prossegue. Não me dá para escrever poemas. Já em 2003, em Lagos, estava assim. Dava aulas de manhã e tinha a tarde e a noite só para mim. Ganhava dinheiro.
As pessoas passeiam os cães. O Simão marca de cabeça. Peço outra cerveja. Quero um poema de raiva para toda a eternidade.
Verdadeiramente o que me interessa é o espírito. E sei que ele está dentro de mim. Aí está a felicidade, a liberdade. Assim o disse Nietzsche, assim o disse Henry Miller. E eis-me aqui à procura da felicidade num copo de cerveja. Eis-me aqui à procura da felicidade num café obscuro de Braga. Junto ao liceu Alberto Sampaio, que frequentei há 22 anos, procuro a felicidade. Por entre conversas banais procuro a felicidade. A cerveja nem sequer me bate bem- deve ser das sardinhas. A dona do café fala com os clientes e dá-me as boas noites. É simpática. E tem mamas grandes.

DIÁRIO


Estive a ler atentamente os sonetos de Antero de Quental e concluo que o homem tem coisas absolutamente geniais. Aqueles poemas místicos, a crença em Deus e em Cristo e depois a negação de Deus e a crença no Espírito, na Ideia, na Liberdade e na Morte, o modo como o poeta joga e brinca com isso é genial, ao nível de Pessoa ou talvez melhor. Há, de facto, ideias que vêm do céu. Platão tem razão. E a Gotucha foi para a Madeira. E é o céu na terra que nós queremos, meu caro Henry Miller. De facto, não podemos perder tempo com telejornais e atrasados mentais que querem fazer de nós atrasados mentais. E continuemos egocêntricos. Nietzsche dizia que a humanidade era pré-Nietzsche e pós-Nietzsche e estava certo. Nietzsche criticava Sócrates mas reconhecia que Sócrates era o mais inteligente dos homens. Os grandes homens, os homens de génio, respeitam-se. O mais importante está nos livros, nos grandes livros. Cristo também não era um gajo qualquer e até era algo passado, até seria um brincalhão mas não é, entre os profetas, o meu preferido. E as gajas boas ficam histéricas na televisão. Vai, querida, mostra as mamas! Já estou farto do teu paleio capitalista. Ainda não chegou o tempo de pregar o amor. De vez em quando sim para engatar umas gajas, para levantar os leprosos e os deprimidos, para curar os cegos. Ai! Já estou a ficar como o outro. Ando a pregar a boa nova. Realmente o que me interessa é a sabedoria, a liberdade, a revolução, o amor. Mas não vou dar isso de mão beijada. Eh, pá! Diz-me algo de novo, algo que me surpreenda, como diz o Jaime de Vila do Conde. Só aprendo com os saltimbancos, com os decadentes, com os filósofos de rua. Temos a glória e depois é o vazio, não sobra nada. O Não-Ser. O Nirvana. Como o Cobain. Esta malta nova precisa ouvir o "The End" dos Doors para trepar pelas paredes. Deus sou eu, minha querida.

A CAVERNA


Eh! Vós aí! Continuais na caverna a contemplar as sombras,
a interpretar as sombras, a opinar sobre as sombras,
a chular-vos uns aos outros por causa das sombras,
a entrar em guerra por causa das sombras
Nunca mais saís da caverna!
Nunca mais vereis a luz,
nunca mais vereis o Grande Meio-Dia!
Eh! Vós aí! Expulsastes Dionisos! Expulsastes Zaratustra!
O vosso espírito vendilhão ficou incomodado com as suas palavras,
com o seu canto, com a sua dança!
Ficareis eternamente na caverna!
Apodrecereis na caverna
morrereis na caverna
porque não mereceis outra coisa!

Praia de Labruge, 9.9.2008

MANIFESTO DO CAOS


MANIFESTO DO CAOS

O capitalismo é um sistema bárbaro e cruel. Mata milhares de seres humanos à fome todos os dias. Condena milhões à miséria. Condena outros milhões ao tédio, à depressão, ao suicídio. Eleva o dinheiro à condição de deus supremo. Recompensa a ambição, a avareza, a rapina, a aldrabice, a guerra, a filha da putice. Promove o poder, a hierarquização e o sucesso a qualquer custo. O capitalismo globalizado e o seu deus- o dinheiro- estão a destruir a humanidade e o ser humano, bem como o que resta da ética, do amor, da liberdade. O capitalismo e o culto do dinheiro são inimigos da vida. E têm os seus profetas- os profetas da morte. Contra os profetas da morte cantarei o caos. Cantarei o caos porque ainda não chegou o tempo de cantar o amor. Cantarei, a espaços, o amor. Cantarei o caos, a noite e a embriaguez ao lado de Dionisos. Apelarei à queima do deus dinheiro e à queda do capitalismo. Não serei ponderado. Serei imoderado como o Jim Morrison. Mas só nas alturas certas.

SOU O POETA


SOU O POETA

Sou o poeta
que não aparece
nas colectâneas
sou o poeta
que não se adapta
à vida prática
que não atina
com as leis do mercado
que se aborrece
com o quotidiano
com a fala fácil
com a piada a propósito
sou o poeta
que não se reduz à mercadoria
que permanece à mesa
que tem os livros na livraria
sou o poeta
que vive como poeta
que ama os surrealistas
que vem ter com a amiga
sou o poeta
que escreve nos cafés
que vai aos bares
e bebe copos
sou o poeta que berra
que insulta
que amaldiçoa
sou o poeta
que traz a magia
que vomita a poesia
sou o poeta
que traz a revolta.

Porto, 14. Set. 2008

A LOIRA


Já sou conhecido por estas bandas. Já sabem que por aqui eu tomo sempre café. Mas o que eu realmente queria era escrever poesia automática à boa maneira de Breton. O que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
Prometi a mim próprio que ia escrever todos os dias. Prometi a mim próprio que iria escrever divinamente, que iria aparecer nos jornais e na televisão. Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
No entanto, sei que a minha poesia não dá para ganhar prémios e dificilmente aparecerá na televisão. Estou condenado a ser o poeta maldito que, de vez em quando, escreve bem. Estou condenado ao "underground". Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
As amigas falam comigo, dão-me conselhos, gostam de mim. As amigas preocupam-se comigo. As amigas não querem que eu acabe a mendigar. Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
Já li muitos livros. Já conheci muita gente. Já tive visões. Já vi o céu e o inferno. Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.

JIM MORRISON


Depois destes anos todos chego à conclusão que é com o Jim Morrison que me identifico mais. Sucessor e leitor dos beatnicks, Morrison já dizia que "se a minha poesia pretende atingir alguma coisa, é libertar as pessoas dos limites em que se encontram e que sentem". Jim foi um revolucionário mas não um revolucionário tradicional. O poeta dos Doors apelou para o caos, não tinha uma cartilha pré-definida, não tinha de estar sempre lúcido nem de se portar sempre bem. Apelou para o caos porque entendia que era esse o caminho para a luz, para a liberdade. Deu ao rock a dimensão teatral. Era um xamã, aquele que entrava em contacto com os deuses e com a loucura. Não se contentava em cantar a paz e o amor como os hippies. Achava-os ingénuos. Queria chegar lá mas achava que tínhamos de atravessar o caos, "atravessar para o outro lado". Percorreu a estrada do excesso para alcançar a sabedoria, como indicou William Blake. Quis ultrapassar os limites. Entendia que a vida não se resume a uma fórmula única e irreversível, ao ganhar dinheiro. Revoltou-se contra a autoridade, contra a polícia. Foi um espírito livre, um menino e um bailarino no sentido nietzscheano.

NERO


Agora chove lá fora. As ideias do bem e do mal guerreiam no meu cérebro. Tenho medo de me deixar levar pelas ideias demoníacas. Pareço um Nero. Roma arde. Já não sei quem ateou o fogo. Agarro-me aos poemas e canto. As pessoas correm desesperadas, tentando por-se a salvo. É o caos. Roma em chamas. O fogo consome tudo. E eu danço com a minha amada. É a imagem que vem. Tenho medo.
voltei a interessar-me pelos jornais
por causa da grande crise financeira
confesso que me dá um gozo tremendo
ver os bancos a fechar
a bolsa a arder
o capital a saque
é o caos,
meu caro Hakim Bey,
grande profeta anarquista,
é o caos
que tenho de cantar.

WE WANT THE WORLD AND WE WANT IT NOW!


"O capitalismo sempre foi uma extraordinária máquina inventiva. O pior agora é que queremos salvar o capitalismo do capitalismo."
(Pedro Lomba, Jornal de Notícias, 19/9/2008)

Salvar o capitalismo do capitalismo? O capitalismo contra o capitalismo? Os capitalistas a foder outros capitalistas. Estão aqui os tempos negros. Mas está aqui também o caos. O caos de Morrison, de Hakim Bey e de Dionisos. É tempo de cantar o caos, de ir para a rua celebrar o caos. Nada há a perder, a não ser...o capitalismo. Finalmente a merda do caos! E, quem sabe, a revolução. Façam-se fogueiras. Incendeiem-se automóveis! Vamos todos dançar numa rave. WE WANT THE WORLD AND WE WANT IT NOW! Camarada, não ligues ao discurso obreirista, não ouças essa patranha que diz que o trabalho dignifica o homem. O trabalho é sacrifício e exploração. Não te sacrifiques! Não trabalhes! Sacrifica-te apenas para a revolução. Não ouças os profetas da morte. Não ouças os que te falam em concórdia, em empreendorismo, na competividade, no mercado sacrossanto. Manda foder o mercado! Queimemos o dinheiro! Organizemos uma grande festa, uma grande orgia e queimemos o dinheiro. Acabemos com os podres todos desta merda. Construamos um novo mundo. Um mundo novo nascerá dos escombros. Um mundo de paz e amor. Sim, e aí falaremos do amor, do amor, do amor, da merda do amor.

Detesto gajos sérios. Detesto moralistas. Detesto racionalistas. Fazem-me impressão aquelas caras afectadas na televisão. Detesto o ar sério e ponderado dos apresentadores do Telejornal e a gravata dos jornalistas. Quero rir! Desatar às gargalhadas. Gozar com esta merda toda. Quero rir como ria na infância. Não me venham com notícias! Não me venham com polícias! Não me venham com depressões. Afastem de mim o espectro repressivo da razão! Não quero ter razão! Não quero ser o coitadinho que tinha razão. Não me venham com conselhos. Não me venham com funerais. Não quero ser determinado por nada, nem pelos relógios. Quero rir como um homem livre, como um Super-Homem. Quero exterminar o Governo, o primeiro-ministro, o Presidente e todos os filhos da puta que nos vêm dizer o que devemos fazer, todos os profetas da eficácia, do empreendorismo, do realismo, do rumo certo para o país. Não quero gajos cinzentos! Quero rir a valer como na infância.

LOUCURAS


Eh, pá! Apetece-me cometer loucuras
insultar o público
berrar para toda a gente

Eh, pá! Estou farto da razão
e das coisas alinhadinhas
porque raio terei de explicar tudo?

Eh, pá! Quando era puto portava-me bem
agora apetece-me portar-me mal
esta merda parece um quartel
ou uma prisão
toda a gente a fechar-se no grupo
a falar só para o grupo
faz falta um profeta que fale
para toda a gente

Eh, pá! A minha liberdade é sagrada
não venhas com normas
não me venhas foder a cabeça
com aquilo que devo fazer

Eh, pá! Apetece-me cometer loucuras.

Porto, Piolho, 24.9.2008

CANTOS

Cantarei também o caos. Cantarei também a decadência do mercado e do capitalismo. Cantarei o fim do dinheiro e da bolsa. Cantarei o fim do império.

UM POEMA


Quero escrever um poema
que não seja banal
um poema que morda
e não me deixe mal
um poema incisivo
que convença as gajas
e as faça vir ter comigo
um poema à Do Vale
que ria sarcasticamente
um poema estridente
que ponha toda a gente demente
um poema que entre
nos soutiens
um poema dadá
que fique por cá
um poema-bomba
que rebente com o Governo
um poema terno e violento.

Thursday, April 09, 2009

O HOMEM PEQUENO E O ESPÍRITO LIVRE


"Dou o nome de Estado ao lugar em que todos, bons e maus, gostam de veneno.
Vede, pois, esses que estão a mais! Estão sempre doentes, vomitam a sua bílis, e a isso chamam jornal. Devoram-se uns aos outros e nem sequer se podem digerir.
Vede, pois, esses que estão a mais! Adquirem riquezas e só conseguem tornar-se mais pobres. Esses impotentes querem o poder e, antes de tudo o resto, a alavanca do poder, ou seja, muito dinheiro!
Vede-os trepar, esses àgeis macacos! Sobem uns por cima dos outros e empurram-se para a lama e para o abismo."
(Nietzsche, "Assim Falava Zaratustra")

Eis a que se resume o Estado, o poder e a competição na sociedade capitalista. Nietzsche descreve-o magistralmente há mais de 100 anos. Macacos que "sobem uns para cima dos outros" e se empurram para a lama e para o abismo. Acontece na política. Acontece na sociedade. Luta-se por um lugar, por um emprego, por uma carreira, por um cargo. O deus-dinheiro, o mercado e a economia comandam todas as relações. Os que perdem são empurrados para o fracasso, para o desemprego, para a miséria, para a lama. É a lei do mercado e do homem pequeno. A vida faz-se de intriga, de ganância, de contas de mercearia. É a sociedade da gentalha e da canalha. E essa gentalha odeia o espírito livre, "aquele que não presta adoração e vive no meio das florestas, livre da felicidade dos servos e dos deuses", portador de uma vontade "intrépida e terrível, grande e solitária". Essa gentalha goza da felicidade da maioria e é servil para com os seus "superiores" porque está hierarquizada, levando uma vidinha de tédio, rotinas e obrigações. À lei das massas e da maioria, à democracia burguesa opõe-se o indivíduo soberano, o espírito livre de Nietzsche. Ao deus-dinheiro opõe-se a liberdade absoluta dos surrealistas. A gentalha, o homem pequeno, preocupa-se essencialmente com a sua comodidade e sustento, não procura o conhecimento. É um homem de meias-medidas, não se preocupa com o que é grande e inteiro como o espírito livre. "Vede, pois, como estes mesmos povos imitam agora os merceeiros: para juntar as mais pequenas vantagens, dão volta a todas as sujidades!". A sua "felicidade" é uma felicidade falsa que não sabe dançar: "E que por nós seja considerado perdido o dia em que não dançamos!" O espírito livre, o criador ou vive segundo a sua vontade ou não vive. O homem pequeno não tem vontade própria, age de acordo com o poder ou com a maioria. Segundo Michel Onfray, "contra o soberano que deseja o grupo, o número e uma quantidade, ele (libertário/ espírito livre) realiza a sua própria soberania e autoriza uma palavra susceptível de dizer "eu" e trata de possibilitar o mesmo exercício para cada um".

Sunday, April 05, 2009

ZONA AUTÓNOMA PROVISÓRIA

Zona Autónoma Provisória

AUTOR
Hakim Bey


TÍTULO ORIGINAL
Temporary Autonomous Zone


Anti-©1999
Discordia! Edições
Apartado 2354, 4700 Braga
discordia@mail.pt

***




“… porém, desta vez, venho como o vitorioso Dioniso, que transformará o mundo num feriado permanente… não que eu tenha muito tempo…”

- Nietzche (na sua última carta “louca” a Cosima Wagner)

UTOPIAS PIRATAS

Os vagabundos do mar e corsários do século XVIII criaram uma “rede de informação” que percorria o planeta: ainda que primitiva e originariamente dedicada a negócios sujos, a rede funcionava admiravelmente. Espalhadas pelo globo estavam ilhas, esconderijos remotos onde os navios se podiam abastecer de água e outras provisões, onde os espólios de ataques se podiam trocar tanto por artigos de luxo como por bens de primeira necessidade. Algumas destas ilhas sustentavam “comunidades intencionais”, mini-sociedades que viviam resoluta e conscientemente fora do amplexo da lei, mesmo que a sua vida alegre fosse curta.
Há algum tempo atrás andei a pesquisar material acessório sobre pirataria, esperando encontrar algum estudo sério sobre estes enclaves — aparentemente nenhum historiador achou este tópico digno de análise (William Burroughs já o mencionou, bem como o falecido anarquista Inglês Larry Law, mas nunca se conduziu nenhum estudo sistemático). Voltei às fontes iniciais e desenvolvi a minha própria teoria, sobre a qual discutirei alguns aspectos neste ensaio. Chamei a estas sociedades “Utopias Piratas”.
Recentemente, Bruce Sterling, um dos expoentes da ficção científica CyberPunk, publicou um romance localizado num futuro próximo que se baseia na seguinte premissa: a decadência dos sistemas políticos levar-nos-á a uma proliferação descentralizada de experiências sociais: gigantescas corporações geridas pelos seus trabalhadores, enclaves independentes dedicados à “pirataria de dados”, enclaves eco-social-democratas, enclaves onde o trabalho foi abolido , zonas anarquistas livres, etc. A economia de informação que sustenta esta diversidade é a Rede; os enclaves (tal como o título do livro) são Ilhas na Rede.
Os Assassinos medievais fundaram um “Estado” que consistia numa rede de vales remotos e castelos, todos separados por milhares de quilómetros. Estrategicamente invulnerável a qualquer invasão, cujas ligações se efectuavam pelo fluxo de informação proveniente de agentes secretos, estava guerra com todos os governos e era dedicado apenas ao conhecimento. A tecnologia moderna, culminando no satélite-espião, transforma este género de autonomia num sonho romântico. Não haver mais ilhas piratas! No futuro, esta mesma tecnologia, liberta de todo o controlo político, poderia tornar possível todo um mundo de zonas autónomas. Por enquanto este conceito não é mais que ficção científica — especulação pura.
Estaremos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca passear numa terra governada apenas pela liberdade, nem que seja por momentos? Estaremos limitados apenas a nostalgias do passado ou do futuro? Teremos que esperar até que o mundo inteiro se liberte do controlo político para que (nem que seja) um de nós possa afirmar um conhecimento da liberdade? A lógica e a emoção unem-se para condenar tais suposições. A razão postula que ninguém pode lutar por aquilo que não conhece; e o coração revolta-se ao imaginar um universo tão cruel que permita perpetrar tais injustiças na nossa geração humana. Dizer “Não serei livre até que todos os seres humanos (ou criaturas com entendimento) o sejam” não é mais que ceder a um torpor abençoado, abdicar da nossa humanidade, definirmo-nos como derrotados.
Creio que, ao efectuarmos extrapolações a partir de histórias passadas e futuras sobre “ilhas na Rede”, podemos colher provas de que um certo tipo de “enclave livre” não só é possível na nossa época como também existe. Todas as minhas pesquisas e especulações se cristalizam no conceito da ZONA AUTÓNOMA PROVISÓRIA (a partir daqui referida pela sigla ZAP).
Apesar da síntese que faz do meu pensamento, não pretendo que a ZAP seja tomada por mais do que um ensaio (“tentativa”), uma sugestão, quase um delírio poético. Apesar do entusiasmo por vezes exorbitante da minha linguagem, não tento construir um dogma político. De facto, evito deliberadamente definir a ZAP — contorno o assunto, disparando feixes de luz exploratória. Por fim, a ZAP explica-se a si própria. Se a expressão se tornasse algo corrente seria compreendida sem dificuldade… compreendida em acção.


AGUARDANDO A REVOLUÇÃO


Como é que o “mundo às avessas” consegue sempre endireitar-se? Porque é que a reacção segue sempre a revolução, como temporadas no inferno?
Um Levantamento, ou a forma mais próxima do Latim, Insurreição, são palavras usadas pelos historiadores para rotular revoluções falhadas — movimentos que não coincidem com a curva esperada, a consensual revolução, reacção, traição, a criação de um Estado mais forte e ainda mais opressivo — é o girar da roda, uma e outra vez, ao seu ponto mais alto: a bota militar esmagando a face humana para sempre.
Ao estabelecer uma recusa da curva, o Levantamento sugere a possibilidade de um movimento exterior à espiral Hegeliana desse “progresso” que subrepticiamente não é senão um ciclo fechado. Surgo — subir, erguer. Insurgo — levantar-se a si mesmo. Uma prova de força. Um adeus a essa paródia infeliz da roda Kármica, futilidade revolucionária exibida pela História. A palavra de ordem “Revolução!”, de toque de alarme, converteu-se em toxina, uma armadilha maligna e pseudo-Gnóstica do destino, um pesadelo em que não importa quanto lutemos, porque nunca escaparemos a essa Era malévola, esse íncubo, o Estado, um a seguir ao outro, todos os “céus” governados por mais um anjo maléfico.
Se a História é “Tempo”, como se pretende, então o levantamento é um momento que transcende o tempo e viola as leis da História. Se o Estado é História, como reclama, então a insurreição é o momento proibido, uma negação imperdoável da dialéctica — trepando pelo poste acima para sair do buraco fumarento, uma manobra xamânica executada num ângulo que parece “contradizer” o Universo. A História diz que a Revolução atinge “permanência”, ou pelo menos duração, enquanto que o levantamento é temporário. Desta forma, um levantamento é algo que atinge um auge, um extremo em comparação com os padrões habituais da consciência/experiência. Tal como os Festivais, os levantamentos não são uma coisa de todos os dias – de outro modo, não transcenderiam a normalidade. Contudo, tais momentos de intensidade dão forma e significado a toda uma vida. O xamã regressa, porque não se pode ficar empoleirado no telhado para sempre, mas entretanto as coisas mudaram, houve deslocações e integração, ocorreu a diferença.
Podem bem dizer que isto é a sabedoria do desespero. Então e o sonho anarquista, o Não-Estado, a Comuna, a Zona Autónoma com duração, uma sociedade livre, uma cultura livre? Teremos que abandonar essa esperança a troco de algum acte gratuit existencialista? Não interessa mudar a consciência, interessa mudar o mundo.
Aceito esta crítica, é justa. Tenho contudo duas coisas a acrescentar; em primeiro lugar, a revolução ainda não chegou a lado nenhum no que toca à consecução destes sonhos. A visão ganha vida na altura do levantamento — mas assim que triunfa a “Revolução” e regressa o Estado, o sonho e o ideal já foram traídos. Não abdiquei da esperança nem deixei de esperar que ocorram mudanças — mas desconfio da palavra revolução. Em segundo lugar, mesmo que proponhamos em vez da atitude revolucionária uma ideia de insurreição que floresce espontaneamente como cultura anarquista, a nossa situação histórica não é propícia a tão vasta empresa. Nada, a não ser um martírio fútil, adviria de uma colisão frontal com o Estado em fase terminal, o Estado macrocapitalista ultra-informado, o império do espectáculo e do simulacro. Ele tem as armas apontadas para nós, ao passo que as nossas pistolinhas não encontram outro alvo que não uma histeria, uma vacuidade rígida, um espectro capaz de sufocar qualquer faísca num ectoplasma informativo, uma sociedade rendida, governada pela imagem do polícia e o olho absorvente do ecrã televisivo.
Resumindo, não apresentamos a ZAP como fim em si própria, substituta de todas as outras formas de organização, tácticas, objectivos. Recomendamo-la porque pode providenciar as qualidades enriquecedoras que encontramos no levantamento sem necessariamente levar à violência e ao martírio. A ZAP é como um levantamento que não entra em confronto directo com o Estado, uma operação guerrilheira que liberta uma área (física, temporal, imaginária) e em seguida dissolve-se para se materializar noutra altura, noutro lugar, antes que o Estado possa esmagá-la. Como o Estado está mais preocupado com simulacros do que com verdadeira substância, a ZAP pode “ocupar” estas áreas clandestinamente e prosseguir nos seus propósitos festivos durante algum tempo em paz relativa. Talvez algumas ZAPs pequeninas tenham durado vidas inteiras por ninguém reparar nelas, como enclaves de saloios – porque nunca houve interacção com o Espectáculo, nunca emergiram dessa vida real que os agentes da Simulação não conseguem ver.
A Babilónia toma essas abstracções por realidades; é precisamente dentro desta margem de erro que a ZAP pode existir. Dar à luz uma ZAP pode exigir tácticas de violência e de defesa, mas a sua maior força está na sua invisibilidade — o Estado não pode reconhecê-la porque a História nunca a definiu. Assim que a ZAP for categorizada (representada, mediada) deve desaparecer, e desaparecerá, deixando para trás uma casca vazia, para aparecer noutro lado qualquer, invisível uma vez mais, porque o Espectáculo não sabe defini-la com os seus termos limitados. A Zap é assim uma estratégia perfeita para uma era em que o Estado é omnipresente e todo-poderoso e ao mesmo tempo cheio de falhas e zonas obscuras.
Como a ZAP é um microcosmos desse “sonho anarquista” que é uma cultura livre, não posso imaginar melhor táctica para começarmos a perseguir esse sonho enquanto nos fazemos experimentar alguns dos seus benefícios aqui e agora.
Em suma, o realismo exige que desistamos não só de esperar pela “Revolução” como também que deixemos de a querer. O “Levantamento”, sim — sempre que possível e mesmo que haja violência. Os “espasmos” do Estado serão “Espectaculares”, mas na maioria dos casos a melhor política, a mais radical, será a recusa de participar na violência espectacular, efectuando uma retirada da área do Espectáculo, do simulacro, desaparecer.
A ZAP é um acampamento de guerrilheiros ontológicos: atacam e fogem. A tribo toda anda sempre em corropio, mesmo que a tribo seja composta de dados informáticos na rede. A ZAP deve ser capaz de se defender; só que tanto o “ataque” como a “defesa” devem, se possível, evitar a imitação da violência do Estado, que não tem significado nenhum. O ataque desencadeia-se sobre as estruturas do controlo, essencialmente sobre ideias; a defesa é a invisibilidade, que é uma arte marcial, e a “invulnerabilidade”, uma “arte oculta” entre as artes marciais. A Máquina de Guerra Nómada conquista sem que ninguém perceba e deixa o local antes de se ajustar o mapa à nova realidade. Quanto ao futuro — só os autónomos podem planear a autonomia, organizá-la, criá-la. É uma prova de força. O primeiro passo tem semelhanças com o satori — a percepção de que a ZAP começa com um simples acto de consciência.



A PSICOTOPOLOGIA DA VIDA QUOTIDIANA


O conceito da ZAP surge em primeiro lugar duma crítica da Revolução e dum apreço pela Insurreição. A primeira afirma que a última é um falhanço; porém, achamos que o Levantamento é uma possibilidade bem mais interessante, partindo do padrão de uma psicologia da libertação, do que todas as revoluções “bem sucedidas” da burguesia, dos comunistas, dos fascistas, etc.
A Segunda força generativa que sustenta a ZAP desenvolve-se a partir desse acontecimento histórico a que chamo “o fecho do mapa”. O último pedaço de terra não reclamado por qualquer Estado-Nação foi comido em 1899. O nosso é o primeiro século sem terra incognita, sem uma fronteira. A Nacionalidade é o mais alto princípio no governo do mundo — não há um penedo nos mares do Sul que ainda esteja aberto, não há um vale remoto, nem mesmo a lua ou os planetas estão livres. Esta é a apoteose dos gangsters do território. Não há um metro quadrado da Terra sem polícias ou impostos... em teoria.
O “mapa” é uma grelha politica abstracta, uma vigarice gigantesca mantida pelo condicionamento do cavalo que segue a cenoura (condicionamento criado pelo Estado, que é um perito); até que o mapa se converta em território para a maioria das pessoas — acaba-se a “Ilha das Tartarugas”, que passa a ser “Estados Unidos”. Ainda assim, como o mapa é uma abstracção, não pode cobrir a terra com a precisão de 1:1. Nas complexidades fractais da verdadeira geografia o mapa só vislumbra grelhas dimensionais. Escondidas, imensidades inexploradas escapam às sondas. O mapa não é exacto porque o mapa não pode ser exacto.
Assim, fica fechada a porta à Revolução, mas não à insurgência. Por enquanto, concentrar-nos-emos em emergências súbitas de energia, procurando não nos emaranhar nas malhas das soluções permanentes.
E o próprio mapa está fechado, mas a zona autónoma está em aberto. Metaforicamente, desdobra-se nas dimensões fractais que a Cartografia do Domínio não vê. Aqui devemos introduzir o conceito de psicotopologia ( e -topografia) como uma ciência alternativa a essa que o Estado tem ao reconhecer o terreno e fazer mapas, perpetuando um “imperialismo psíquico”.
Só a piscotopografia pode desenhar mapas da realidade à escala 1:1, porque só a mente humana fornece complexidade suficiente para moldar o real. Mas um mapa nessa escala não pode “controlar” o seu território porque é virtualmente idêntico ao seu território. Apenas pode ser utilizado para sugerir, num certo sentido, apontar para certas características. Estamos à procura de “espaços” (geográficos, culturais, sociais, imaginários) com potencial bastante para florescerem como zonas autónomas — e procuramos tempos em que estes espaços estejam relativamente abertos, quer por negligência do Estado quer por terem escapado à atenção dos cartógrafos; não importa realmente a razão. A Psicotopologia é a arte de procurar uma ZAP em potencial, como a arte do vedor (adivinho que pressente a água com um ramo de árvore bifurcado).
Os fim da Revolução e do mapa não é mais que a fonte negativa da ZAP; ainda resta muito para ser dito sobre as inspirações positivas. A reacção só por si não consegue fornecer a energia necessária para “manifestar” uma ZAP. Um Levantamento tem que servir para qualquer coisa.
1. Em primeiro lugar, podemos falar de uma antropologia natural da ZAP. A família é a
unidade-base da sociedade consensual, mas não da ZAP (“Famílias! Como as detesto! Açambarcadoras do amor!” — Gide). A família nuclear, com as suas “neuras edipianas” inerentes, parece ter sido inventada no Neolítico, como uma resposta à “revolução agrícola” com a sua escassez e hierarquia impostas. O modelo do Paleolítico é ao mesmo tempo mais essencial e mais radical: o bando. As sociedades típicas de caçadores/recolectores, nómadas ou semi-nómadas, são constituídas por bandos de cerca de 50 pessoas. No interior de sociedades tribais maiores a estrutura do bando é ocupada pelos clãs, ou por grupúsculos como sociedades secretas/iniciáticas, sociedades caçadoras ou guerreiras, sociedades baseadas no sexo, “repúblicas infantis”, e por aí fora. Se a família nuclear é produto da escassez (daí o açambarcamento), o bando é resultado da abundância – tendo a generosidade por resultado. A família é fechada: pela genética, pela posse masculina da mulher e das crianças, pela totalidade hierárquica da sociedade agrícola/industrial. O bando está aberto — não a toda a gente, certamente, mas a quem sinta afinidades com ele, os iniciados que juraram preservar laços de amor. O bando não é parte de uma hierarquia maior, é antes integrante de um padrão horizontal gerado por costumes, parentescos alargados, contratos e alianças, afinidades espirituais, etc. (mesmo agora, as sociedades Índias da América preservam certos aspectos desta estrutura).
Na nossa sociedade da Simulação pós-Espectacular, há forças operantes — a maioria invisíveis — tentando destruir a família para ressuscitar o bando. Abalos na estrutura do Trabalho ressoam na “estabilidade” arruinada da unidade-lar e da unidade-família. O “bando” de cada um, hoje em dia, inclui amigos, ex-esposos/as e amantes, pessoas que conhecemos em empregos e reuniões diferentes, grupos afins, redes de interesses especiais, redes de correspondência postal, etc. A família nuclear torna-se cada vez mais uma armadilha, um buraco na estrada cultural, uma implosão neurótica e secreta de átomos divididos – e a contra-estratégia mais óbvia emerge espontaneamente na redescoberta quase inconsciente da possibilidade mais arcaica e também mais pós-industrial do bando.
2. A ZAP como festival. Stephen Peral Andrews ofereceu como imagem de uma sociedade
anarquista o jantar de convívio, no qual todas as estruturas da autoridade se dissolvem na convivialidade e no festejo (ver Apêndice C). Aqui podemos também invocar Fourier com o seu conceito dos sentidos como bases do desenvolvimento social — “toque-rotina” e “gastrosofia”, e o seu elogio às implicações esquecidas do paladar e do olfacto. Os antigos conceitos de Jubileu e Saturnália têm a sua origem numa intuição de que certos acontecimentos se colocam fora do alcance do “tempo profano”, a vara de medição do Estado e da História. Estes feriados ocupavam literalmente fissuras no calendário — intervalos intercalares. Por volta da Idade Média, perto de um terço do ano era para feriados. Talvez os motins contra a alteração do calendário tivessem menos a ver com os “onze dias a menos” do que com a percepção de que a ciência imperial conspirava para fechar estas fissuras no calendário, nas quais se tinha acumulado a liberdade das pessoas — um coup d´état, uma cartografia compulsiva do ano, a captura do próprio tempo, transformando o cosmos orgânico num Universo-relógio. A morte do festival.
Os participantes na insurreição não podem deixar de notar os seus aspectos festivos, mesmo no meio do perigo, do risco, da luta armada. O Levantamento é como uma Saturnália que se libertou (ou que foi forçada a desaparecer) do seu intervalo intercalar e agora tem toda a liberdade de aparecer como e quando lhe apetecer. Liberto de tempo e lugar, ainda assim possui um faro para a maturidade dos acontecimentos, e uma afinidade com o genius loci. A ciência da psicotopologia indica o “fluir de forças” e os “locais de poder” (para nos apropriarmos de algumas metáforas ocultistas) que localizam a ZAP no espaço e no tempo, ou que pelo menos nos ajudam a definir a sua relação com o tempo e o local.
Os Media convidam-nos a “celebrar os momentos da nossa vida” com a unificação falsificada do bem de consumo e do espectáculo, o famoso Não-Acontecimento de pura representação. Como resposta a esta obscenidade temos, por um lado, o espectro da recusa (explorado pelos Situacionistas, por John Zerzan, Bob Black, etc.) – por outro lado, a emergência de uma cultura festiva retirada e até escondida daqueles que pretendem gerir o nosso lazer. “Fight for the right to party” (“Luta pelo direito a festejar”) não é realmente uma paródia das lutas radicais mas uma nova manifestação das mesmas, bem apropriada a uma era que oferece televisões e telefones como meio de “alcançar e tocar” outros seres humanos, maneiras de se estar presente...
Pearl Andrews tinha razão: o jantar de convívio é já “a semente da nova sociedade que toma forma no casulo da velha” (. A “reunião tribal” ao estilo da década de 60, o conclave florestal de eco-sabotadores, o Beltane idílico dos neo-pagãos, as conferências anarquistas, os círculos gay … festas no Harlem de 1920, casas nocturnas, banquetes, pic-nics libertários de outrora — devemo-nos dar conta de que estes espaços já são, de certa forma, zonas libertas, ou pelo menos ZAPs em potência. Quer esteja aberta a um grupo restrito de amigos, como o jantar, ou milhares de convivas, como numa Rave, a festa é sempre “aberta” porque não é “ordenada”; pode ser planificada, mas senão acontecer por acaso, é um falhanço. A espontaneidade é um elemento crucial.
A essência da festa: cara a cara, um grupo de seres humanos conjugam esforços para atingir desejos comuns, quer sejam desejos de boa comida e alegria, dança, conversas, as artes da vida, quer seja o desejo erótico, ou o desejo de criar uma obra de arte comunal, ou chegar a um extâse bem-aventurado — resumindo, uma “união de egoístas”, como disse Stirner, na sua forma mais simples — ou então, nas palavras de Kropotkine, um impulso biológico básico de ajuda mútua (aqui também devíamos mencionar a “economia do excesso” de Bataille e a sua teoria da cultura do potlatch ).
3. De importância vital para a expressão da realidade ZAP é o conceito de nomadismo
psíquico (ou como lhe chamamos por piada — “cosmopolitanismo sem raízes”). Aspectos deste fenómeno foram já discutidos por Deleuze e Guattari em Nomadology and the War Machine, por Lyotard em Driftworks e outros autores na edição sobre o tema do Oásis na publicação Semiotext(e). Usamos o termo “nomadismo psíquico” em detrimento de “nomadismo urbano”, “nomadologia”, “trabalho de dispersão (driftwork)”, etc., apenas para que possamos reunir todas estas ideais num complexo vagamente estruturado, para ser estudado à luz da aparição da ZAP.
“A Morte de Deus”, que de certo modo funcionou como uma descentralização do projecto
civilizacional Europeu, gerou uma mundividência multi-perspectivada e pós-ideológica capaz de se movimentar sem estar presa às suas raízes entre filosofia e mito tribal, entre ciências da natureza e Taoísmo — possibilitando a capacidade de ver pela primeira vez como se através dos olhos de algum insecto dourado, cada faceta mostrando um mundo inteiramente diferente.
Esta visão foi todavia conquistada por vivermos numa época em que a velocidade e o “fetichismo do bem de consumo” criaram uma unidade falsa e tirânica que tende a diluir a diversidade cultural e individual, fazendo com que um lugar “seja tão bom como outro qualquer.” Este paradoxo cria “ciganos”, viajantes psíquicos impelidos pelo desejo ou pela curiosidade, vagabundos com lealdades pouco arreigadas (e verdadeiramente desleais ao “projecto Europeu”, que perdeu já todo o charme e vitalidade), não acorrentados a nenhum tempo ou local particulares, procurando diversidade e aventura… esta descrição não cobre só a classe-X que são os artistas e intelectuais mas também os trabalhadores migrantes, os refugiados, os desalojados, os turistas, a cultura das roulottes — e ainda as pessoas que “viajam” pela Internet, que talvez nunca venham a sair dos seus quartos (ou aqueles que, como Thoreau, “viajaram muito – em Concord ”); e por fim “toda a gente” está incluída, todos nós, que vivemos num percurso por automóveis, férias, televisões, livros, filmes, telefones, mudamos de emprego, de “estilo de vida”, religiões, dietas, etc., etc.
O Nomadismo Psíquico como táctica, aquilo a que Deleuze e Guattari metaforicamente chamam “a máquina de guerra”, transforma o paradoxo passivo num paradoxo activo e talvez até “violento”. As últimas agonias e estertores de “Deus” no seu leito de morte já se fazem ouvir há tanto tempo — materializados no Capitalismo, no Fascismo e no Comunismo, por exemplo — que ainda sobra muita “destruição criativa” a empreender por parte de comandos pós-Bakuninistas e Pós-Nietzcheanos ou apaches (literalmente “inimigos”) do velho consenso. Estes nómadas praticam a razzia, são corsários, são um vírus; desejam a ZAP e precisam dela, acampamentos de tendas negras debaixo das estrelas do deserto, interzonas, oásis secretos, fortificados, ligados por caravanas em rotas ocultas, pedacinhos de selva e terra-má “libertados”, zonas de acesso não recomendado , mercados negros, bazares clandestinos.
Estes nómadas cartografam as suas rotas olhando para estrelas bizarras, que podem ser cachos luminos de informação no ciberespaço, ou alucinações, quem sabe. Abram sobre a mesa um mapa da terra; sobreponham um mapa das mudanças políticas; por cima desse, um mapa de Rede, especialmente da Contra-Rede com típico ênfase no tráfico de informação e logística clandestinas — e finalmente, cobrindo tudo, o mapa 1:1 da imaginação criativa, a estética, os valores. A grelha resultante anima-se com explosões energéticas inesperadas, coágulos de luz, túneis secretos, surpresas.