Monday, June 08, 2009

RIMBAUD



CARTAS DO VISIONÁRIO
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Para GEORGES IZAMBARD

Charleville, [13] de Maio de 1871

Caro Senhor:

Eis-vos de novo professor. Devemo-nos à sociedade, dissésteis-me vós; fazeis parte do corpo dos docentes: seguis por caminhos experimentados. -Também eu sigo o princípio: cinicamente, faço-me sustentar; desencaminho alguns imbecis antigos do colégio: tudo o que possa inventar de mais estúpido, porco e reles, por palavras ou acções, a eles o deixo: pagam-me com canecas e miúdas - Stat mater dolorosa, dum pendet filius, - Devo-me à sociedade, é justo, - e tenho razão. -Também vós tendes razão, por hoje. No fundo, vós nada vedes em vosso princípio senão poesia subjectiva: a vossa obstinação em retomar a manjedoura universitária - perdão- prova-o. Mas acabareis sempre como um satisfeito que nada fez, nada tendo querido fazer. Além de que a vossa poesia subjectiva será sempre horrivelmente fastidiosa. Um dia, espero, - muitos outros esperam a mesma coisa - verei no vosso princípio a poesia objectiva, vê-la-ei mais sinceramente que vós próprio a fareis! - Serei um trabalhador: é a ideia que me retém, quando a louca cólera me empurra para a batalha de Paris - onde tantos trabalhadores morrem agora mesmo que vos escrevo. Trabalhar agora, nunca, nunca; estou em greve.

Agora, mergulho na maior devassidão possível. Porquê? Quero ser poeta e trabalho para me tornar visionário: vós não compreendeis nada e eu não sei se saberei explicar-vos. Trata-se de atingir o desconhecido através do desregramento de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes mas é preciso ser-se forte, ter nascido poeta, e eu reconheci-me poeta. Não é de modo algum culpa minha. É falso dizer-se: eu penso. Deveria dizer- se: sou pensado. - Desculpe o trocadilho. -

Eu é um outro. Tanto pior para a madeira que se descobre violino e zomba dos inconscientes que discreteiam sobre aquilo que pura e simplesmente ignoram. Não sois Mestre para mim. Dou-vos isto: será uma sátira como vós diríeis? É poesia? Fantasia, é-o sempre. - Mas, suplico-vos, não a sublinheis com o lápis nem - demasiado - com o pensamento:


Coração Supliciado
(..................................)
Isto não quer dizer nada. - RESPONDA-ME: para casa do sr. Deverrière, para A. R.

Saúdo-o, de todo o coração,


Art. Rimbaud

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Para PAUL DEMENY em Douai

Charleville, 15 de Maio de 1871

Resolvi dar-vos uma hora de literatura nova; começo de imediato com um salmo de actualidade:


Canto de Guerra Parisiense
(................................................)
Eis agora alguma prosa sobre o futuro da poesia -

Toda a poesia antiga desemboca na poesia grega; Vida harmoniosa. Da Grécia ao movimento romântico, - Idade Média, - há alguns letrados, alguns versificadores. De Ennius a Theroldus, de Theroldus a Casimir Delavigne, tudo é prosa rimada, um jogo, relaxamento e glória de inúmeras gerações de idiotas: Racine é o puro, o forte, o grande. -Tivessem-lhe soprado sobre as rimas, baralhado os hemistáquios, e o Divino Idiota seria hoje tão desconhecido como o primeiro vindo, autor de Origens (1). -Após Racine, o jogo criou bolor. Durou dois mil anos!

Nem zombaria, nem paradoxo. A razão inspira-me mais certezas sobre esta matéria que fúrias teria tido um Jeune-France (2). De resto, os novos! têm por regra a liberdade de execrar os avoengos: estamos à vontade e temos tempo livre.

Nunca se julgou adequadamente o romantismo; quem o teria julgado? Os críticos!! Os românticos, que provam tão bem ser a canção raramente a obra, quer dizer o pensamento cantado e compreendido, do cantor?

Porque Eu é um outro. Se o cobre se descobre clarim, não há aí nada de culpa sua. Isso é evidente para mim: assisto à eclosão do meu pensamento: vejo-a, escuto-a: lanço um movimento com o arco: a sinfonia vai abalando as profundezas, ou salta de repente para o palco.

Se os velhos imbecis não tivessem encontrado do Eu apenas a significação falsa, não tínhamos que varrer esses milhões de esqueletos que, desde há um tempo infinito!, acumularam os produtos da sua inteligência vesga, proclamando-se autores!

Na Crécia, já o disse, versos e liras ritmam a Acção. Depois, música e rimas são jogos, refrigério. O estudo deste passado encanta os curiosos: muitos aprazem-se a renovar estas antiguidades: - é para eles. A inteligência universal sempre arremessou as suas ideias com naturalidade; os homens recolhiam uma parte desses frutos do cérebro: agia-se em conformidade, escreviam-se livros: tal era o sentido das coisas, o homem não se trabalhando, não estando ainda desperto ou não ainda mergulhado na plenitude do grande sonho. Funcionários, escreventes: autor, criador, poeta, esse homem nunca existiu!

O primeiro estudo para o homem que quer ser poeta é o seu próprio conhecimento, por inteiro; ele procura a sua alma, inspecciona-a, experimenta-a, apreende-a. Desde que a sabe, deve cultivá-Ia; isso parece simples: em todo o cérebro se dá um desenvolvimento natural; tantos egoístas se proclamam autores; muitos outros atribuem-se o seu próprio progresso intelectual! - Mas do que se trata é de tornar a alma monstruosa: a exemplo dos comprachicos (3), pois! Imagine um homem implantando e cultivando verrugas no seu próprio rosto.

Digo que é necessário ser visionário, fazer-se visionário.

O Poeta faz-se visionário por um prolongado, imenso e calculado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele próprio procura, esgota em si todos os venenos para deles guardar apenas as quintessências. Inefável tortura em que ele precisa de toda a fé, de toda a sobre-humana força, em que ele se torna entre todos o grande enfermo, o grande criminoso, o grande maldito, - e o supremo Sábio! - Pois ele atinge o desconhecido! Uma vez que cultivou a sua alma, já de si rica como nenhuma! Ele atinge o desconhecido e, acaso, enlouquecido, acabasse por perder a inteligência das suas visões, tê-las-à visto! Que ele estoire no seu sobrevôo pelas coisas inauditas e inomináveis: virão outros horríveis trabalhadores; começarão pelos horizontes onde o outro se abateu!

- A sequência dentro de seis minutos -

Aqui intercalo um segundo salmo fora do texto: queira dispensar um ouvido complacente, - e toda a gente ficará encantada. - Tenho o arco na mão, começo:


As Minhas Pequenas Apaixonadas
(..........................................................)
Pronto. E repare bem que se eu não receasse fazer-vos desembolsar mais de 60 c. de portes, - eu, pobre assombrado, que desde há sete meses não embolso uma única moeda de bronze! - enviar-vos-ia ainda os meus Amantes de Paris, cem hexâmetros, caro senhor, e a minha Morte de Paris, duzentos hexâmetros! -

Retomando:

É pois o poeta, verdadeiramente, ladrão de fogo.

Ele tem a seu cargo a humanidade, os animais mesmo; deve fazer sentir, palpar, escutar as suas invenções; se aquilo que ele transmite de lá tem forma, ele dá a forma; se é informe, ele dá o informe. Achar uma língua;

- De resto, sendo toda a palavra uma ideia, o tempo de uma linguagem universal virá! É preciso ser-se académico - mais morto que um fóssil, - para compilar um dicionário, seja de que Iíngua for. Um ser fraco que se meta a pensar sobre a primeira letra do alfabeto, e poderá rapidamente precipitar-se na loucura! -

Esta língua será de alma para alma, compreendendo tudo, perfumes, sons, cores, o pensamento enganchado no pensamento, desfiando-o. O poeta definiria a quantidade de desconhecido despertando em seu tempo na alma universal: ele daria mais - que a fórmula do seu pensamento, que a marcação da sua marcha para o Progresso. Enormidade tornando-se norma, absorvida por todos, ele será verdadeiramente um multíplícador de progresso!

Este futuro será materialista, bem o vedes. - Sempre repletos do Número e da Harmonia, estes poemas serão feitos para permanecer. - No fundo, será ainda um pouco a Poesia grega.

A arte eterna teria as suas funções; assim como os poetas são cidadãos. A Poesia não ritmará mais a acção; ela estará na dianteira.

Estes poetas serão! Quando for quebrada a infinda servidão da mulher, quando ela viver por ela e para ela, o homem, - até aqui abominável, - tendo-lhe rendido a vez, ela será poeta, também ela! A mulher penetrará no desconhecido! Os seus mundos de ideias diferirão dos nossos? - Ela achará coisas estranhas, insondáveis, repugnantes, deliciosas; nós tomá-las-emos, nós compreendê-Ias-emos.

Entretanto, exijamos aos poetas o que for de novo, - ideias e formas. Todos os habilidosos pensariam rapidamente ter já satisfeito esta exigência. - Não é isso!

Os primeiros românticos foram visionários sem disso se darem bem conta; o cultivo de suas almas começou nos acidentes: locomotivas abandonadas, mas a queimar, que a espaços retomam ainda os carris. - Lamartine é por vezes visionário, mas a forma velha estrangula-o. - Hugo, por demais cabeçudo, soube bem ver nos seus últimos volumes; Os Miseráveis são um verdadeiro poema. Folheio Os Castigos; Stella oferece mais ou menos o alcance da vista de Hugo. Demasiado Belmontet e Lamennais, demasiados Jéhovahs e colunas, velhas enormidades perimidas.

Musset é catorze vezes execrável para nós, gerações dolorosas e tomadas de visões, - que a sua preguiça de anjo insultou! Oh! os contos e os provérbios fastidiosos! oh as noites! oh Rolla (4), oh Namouna, oh a Coupe! tudo é francês, quer dizer detestável no supremo grau; francês, não parisiense! Ainda uma obra desse odioso génio que havia já inspirado Rabelais, Voltaire, Jean La Fontaine, comentado pelo Sr. Taine! Primaveril, o espírito de Musset! Encantador, o seu amor! Eis aí pintura sobre esmalte, poesia sólida! Saborear-se-á durante muito tempo a poesia francesa, mas em França. Qualquer rapaz talhista está à altura de desbobinar uma apóstrofe Rollastra, qualquer seminarista transporta as suas quinhentas rimas no segredo de um canhenho. Aos quinze anos, estes impulsos de paixão põem os jovens a uivar à lua; aos dezasseis anos, eles contentam-se já em recitá-los com coração; aos dezoito anos, aos dezassete anos mesmo, todo o colegial dispondo dos meios, faz o Rolla, escreve um Rolla! Talvez alguns ainda morram disso. Musset não soube fazer nada: tinha lá algumas visões por detrás da gaze dos cortinados: fechou-lhes os olhos. Francês, Pavoneador, arrastado do botequim para as estantes das escolas, o belo morto está morto e, agora, não nos demos sequer ao trabalho de o despertar com as nossas abominações!

Os segundos românticos são bem visionários: Th. Gautier, Leconte de Lisle, Th. de Banville. Mas sendo a prospecção do invisível e a escuta do inaudito coisas diversas de retomar o espírito das coisas mortas, Baudelaire é o primeiro visionário, rei dos poetas, um verdadeiro Deus. Ainda viveu porém num meio demasiado artista; e a forma, que lhe é tão louvada, é mesquinha: as invenções de desconhecido reclamam formas novas.

Afeitos às velhas formas, entre os inocentes, A. Renaud, - criou o seu Rolla; - L. Grandet, - criou o seu Rolla; - os gauleses e os Musset, G. Lafenestre, Coran, CI. Popelin, Soulary, L. Salles; Os académicos, Marc, Aicard, Theuriet; os mortos e os imbecis, Autran, Barbier, L. Pichat, Lemoyne, os Deschamp, os Desessarts; os jornalistas, L. Cladel, Robert Luzarches, X. de Ricard; os fantasistas, C. Mendès; os boémios; as mulheres; os talentos, Leon Dierx e Sully Prudhomme, Coppée; - a nova escola, dita parnasiana, tem dois visionários, Albert Mérat e Paul Verlaine, um verdadeiro poeta. - Eis, pois (5). - Trabalho assim para me tornar visionário. - E terminemos por um canto piedoso.


Prostrações
(................................................)
Seríeis execrável se não me respondêsseis: rapidamente, pois dentro de oito dias estarei talvez em Paris.

Até à vista.

1 comment:

Claudia Sousa Dias said...

pró_ostrações de poetas em crise


:-)


csd

se fores a paris avisa-me...vou querer que me tragas algo de lá...