Monday, July 13, 2009

E.M. DE MELO E CASTRO

Claro que tudo isto fazia parte do processo experimental. Era uma forma de ultrapassa as dificuldades e de resolver os problemas da falta de uma tecnologia adequada para o queríamos fazer e inventar. Era uma forma criativa, e laboratorial que nós tínhamos de ultrapassar essas dificuldades. E tudo isto custava muito dinheiro, custava muito tempo e requeria inventividade. Escrever quadrinhas e sonetos sentimentais, encher sonetos, como dizia o Jorge de Sena, era bastante mais fácil. Eu dizia que para ser poeta convencional basta um bocadinho de papel [risos] e o toco de um lápis. Não é preciso mais nada. Agora nós, não. Até há um texto em que eu digo, nessa altura colaborava no Diário de Lisboa e acho que esse artigo foi publicado no Diário de Lisboa, em que eu ponho a pergunta:”Se eu precisar de uma máquina que custa mil contos para produzir um poema, onde é que eu vou buscar esses mil contos?” Este problema ainda hoje se põe a todos os artistas... Simplesmente, só que mil contos hoje não é dinheiro. Hoje diria: Se eu precisar de 50 mil contos, 100 mil contos para produzir um poema, quem é que vai financiar? Esse problema ainda existe. Mas hoje existem os coleccionadores, existem os bancos que compram obras embora em Portugal não exista ainda um verdadeiro sistema de mecenato.

Toda a minha proposta ideológica - porque a Poesia Experimental tem uma proposta ideológica... é uma volta ao humanismo, embora já não esteja na moda falar em humanismo... Mas eu falo. E digo. Por exemplo, a exposição que vou fazer aqui tem um fundo muito violento que está expresso no texto do catálogo várias vezes. “Contra a guerra. Contra a estética do supermercado e tudo o que isso representa.” Por isso eu tenho máquinas leves que não produzem nada, pinturas inúteis, desenhos inúteis e outras coisas assim do género. Porque eu estou farto das coisas úteis que não servem para nada. Tudo o que a gente compra no supermercado acaba no lixo... e espero que o meu trabalho não acabe no lixo. Eu vou acabar no lixo, evidentemente. Os cemitérios são depósitos de lixo humano. Mas espero que o meu trabalho...não ! Por isso é que eu estou a investir, porque eu também estou a investir na Fundação Serralves, não é só a Fundação Serralves que me convida para eu vir cá fazer uma exposição. Eu aceitei porque acredito que as pessoas que estão aqui na Fundação Serralves são pessoas que comungam das mesmas ideias que eu. E toda a proposta pedagógica da Fundação Serralves de trazer cá as crianças, as visitas guiadas, promover discussões, fazer exposições de artistas que não poderiam expor em mais parte nenhuma, mesmo artistas internacionais. Evidentemente que de vez em quando têm que trazer os grandes nomes, porque isso é fundamental para cotar o museu, para o museu circular no circuito da Europa... porque, francamente, o circuito da Europa não passa pelo museu do Chiado, nem passa sequer pela Culturgest, nem passa pelo Centro Cultural de Belém. O mundo cultural da Europa passa por Serralves. Não passa pela Culturgest... pela Culturgest é que passam alguns dos artistas comerciais que andam no mundo. O Centro Cultural de Belém também está ao serviço do capitalismo. Portanto, há realmente que distinguir as águas. E, se você quiser, a exposição que vou fazer aqui é uma exposição política, embora seja tratada em termos estéticos, fundamentalmente em termos estéticos. E a Poesia Experimental sempre teve esse cunho.

A poesia experimental inseria-se nesta luta, neste problema e todos nós éramos muito conscientes, cada um ao seu modo. Mas havia uma coisa que nós não fazíamos, porque achávamos isso ridículo, era lutar contra o Salazar. O Salazar para nós nunca existiu. A gente chamava-lhe “o botas” e o meu pai chamava-lhe “o guarda-livros” (o meu pai era um homem que não era politicamente activo). Portanto, nós não lutávamos com as armas dos neo-realistas que se fartavam de escrever poemas contra o sistema, poemas para lutar pela liberdade, pelo operariado e disto e daquilo. O nosso instrumento era a língua. Nós descobrimos, esse foi o elemento fundamental do Experimentalismo português e nisso é diferente da poesia concreta brasileira. Porque a poesia concreta brasileira está hoje integrada na reconstrução de um novo Brasil que acompanha a construção de Brasília e do Presidente como chefe do governo. Portanto, está associada a uma espécie de um mundo, de um PSD um pouco mais à esquerda... vá lá, um partido socialista... que os partidos no Brasil têm outras nomenclaturas. Nós não. Nós éramos ferozmente independentes e a nossa descoberta é fundamental. Descobrimos que o regime de Salazar se aguentou 40 anos pela produção de uma linguagem específica do sistema e, evidentemente, do Estado Novo e a linguagem do Estado Novo é que mantinha aquela união. Toda a gente falava a linguagem do Estado Novo. Então nós dedicávamo-nos a desconstruir o discurso salazarento, como a gente lhe chamava, e quando lhe chamava salazarento já estávamos a desconstruir. Essa foi a grande descoberta. Trabalhámos na linguagem. E os neo-realistas, que nos combateram ao princípio, que nos consideravam um produto da burguesia, a certa altura calaram o bico. Por volta do final dos anos 60 já os neo-realistas não escreviam nada contra nós e olhavam-nos com o terror estampado nos olhos, porque diziam: “Nós não descobrimos isto, que era óbvio. Nós achámos que era a luta política contra o sistema, ou a luta ideológica. Aí fomos buscar, para fazermos essa luta, (O quê?) os padrões de escrita do século XIX. Ah! Ah! Ah!” Escrever como o Guerra Junqueiro e escrever como o Eça de Queirós era o ideal dos neo-realistas. Nunca nenhum escreveu como o Guerra Junqueiro, nunca nenhum escreveu como o Eça de Queirós. E nós sempre nos estivemos nas tintas. Eu escrevi três artigos contra o Eça de Queirós, que são artigos políticos... mas passaram pela censura! Porque disseram assim: “Olha, este não gosta de Eça de Queirós. Oh, deixa-o estar. É um pateta. Não gosta de Eça de Queirós! Possivelmente até nem sabe escrever português.” Porque o padrão era outro. O Fernando Pessoa era um acto revolucionário, porque o padrão da língua portuguesa era o Eça de Queirós. Não era o Fernandinho Pessoa que escrevia bem. “O Fernando Pessoa era um louco, coitado. Então, até tinha várias personagens. Ele sabia lá o que é que queria.” E depois, passados uns aninhos, qual é o padrão do português que nós hoje todos falamos? É o Livro do Desassossego. Está lá tudo! A linguagem que nós utilizamos hoje, que os jovens usam no dia a dia … ou então a estética visual-literária que a poesia experimental introduziu e propôs já há mais de 50 anos mas que cada dia nos parece mais adequada e certeira perante a velocidade e o sincronismo sinestésico da vida contemporânea.

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