Tuesday, May 26, 2009
DADA
DADA
Os burgueses consideram o dadaísta um monstro dissoluto, um canalha revolucionário, um bárbaro asiático, conspirando contra suas campainhas, suas contas bancárias, seu código de honra. O dadaísta engendrou armadilhas para tirar o sono dos burgueses...
O dadaísta transmitiu ao burguês sentimentos de confusão e de um estrondo formidável, se bem distante, que fez as campainhas dele zumbirem, seus cofres franzirem a testa e seu código de honra se reduzir a pontinhos.
"A Garrafa Umbilical" - por Hans Arp.
AO PÚBLICO
Antes de baixar entre vocês para arrancar seus dentes decadentes, seus ouvidos supurados, suas línguas cobertas de feridas,
Antes de quebrar os ossos pútridos de vocês,
Antes de abrir o ventre contaminado de cólera de vocês para usar como fertilizantes e o seu fígado, gordo demais, o seu esplin ignóbil e os seus rins diabéticos,
Antes de dilacerar os genitais feios de vocês, viscosos, incontinentes,
Antes de saciar o seu apetite de beleza, êxtase, açúcar, filosofia, pimenta e pepinos metafísicos, matemáticos e poéticos,
Antes de desinfetar vocês com vitríolo, de limpar e untar vocês com paixão,
Antes de tudo isso,
Tomaremos um grande banho anti-séptico,
Estamos prevenindo:
Que somos assassinos.
(Manifesto assinado por Ribemont-Dessaignes e lido por sete pessoas na demonstração do Grand Palais dos Champs Élysées, Paris, 5 de fevereiro de 1920.)
Todos Vocês estão acusados: levantem-se! De pé, como fariam para ouvir a Marselhesa ou Deus Salve o Rei...
Dada, sozinho, não cheira a nada; não é nada, nada, nada.
É como as suas esperanças: nada.
como o seu paraíso: nada.
como os seus ídolos: nada.
como os seus políticos: nada.
como os seus heróis: nada.
como os seus artistas: nada.
como as suas religiões: nada.
Vaiem, gritem, esmurrem meus dentes, e daí? Continuarei dizendo que vocês são uns débeis mentais. Daqui a três meses, meus amigos e eu lhes estaremos vendendo os seus retratos, por uns poucos francos.
(Manifesto canibal Dada, de Francis Picabia, lido na noite Dada do Théâtre de la Maison de I’Oeuvre, Paris, 27 de março de 1920.)
Os dadaístas acreditavam que o artista era o produto e o balangandã tradicional da sociedade moderna, por sua vez anacrônica e condenada. A guerra veio finalmente demonstrar a podridão da sociedade, mas, em vez de preparar-se para criar alguma coisa de novo, o artista foi mais uma vez envolvido pelos espasmos agônicos dessa sociedade. Ele constituía, portanto, um anacronismo cujo trabalho era totalmente irrelevante, e os dadaístas queriam provar em público essa irrelevância. Dada era uma expressão de cólera e frustração. Mas os dadaístas eram pintores e poetas, afinal e sobreviviam numa situação de paradoxal ironia, clamando pelo colapso de uma sociedade e de uma arte das quais eles mesmos se encontravam dependentes sob muitos aspectos, e que, ainda por cima, se haviam mostrado masoquistamente ansiosas para acolher Dada e pagar algum dinheiro em troca das suas obras, a fim de transforma-las também em Arte.
Os dadaístas escreveram inúmeros manifestos, cada qual representando o seu conceito de Dada segundo as cores do próprio temperamento. De que outra maneira poderiam exprimir cólera e frustração? Dada voltou-se em suas direções; de um lado para um ataque violento e niilista à arte, e, de outro, para o piadismo, a pose, a palhaçada. “O que chamamos Dada é uma arlequinada feita de nadas, que implica todas as questões fundamentais, um gesto de gladiador, uma peça cujos despojos apodrecem, uma execução de posada moralidade e plenitude”, escrevia Hugo Ball em seu jornal, Die Flucht aus der Zeit. Picabia e Man Ray produziram perfeitas obras dadaístas de agressão através de objetos como o Retrato de Cézanne: um macaco empalhado; ou Presente, um ferro de engomar comum, com pregos afiados soldados na base que, combinados com a sugestão de Duchamp para um readymade recíproco -Use um Rembrandt como tábua de passar roupa- funcionam como uma metáfora para Dada.
A Arte tornara-se moeda aviltada, coisa feita para o especialista, o conhecedor, que por sua vez se apoiava na tradição e no hábito. Jacques Vaché, que morreu por haver ingerido excesso de ópio em 1918, sem jamais ter ouvido falar de Dada, mas cujo caráter extravagante e cartas cheias de desespero e senso de humor iriam influir poderosamente nos futuros dadaístas parisienses, escrevia ao seu amigo André Breton em 1917: A arte não existe, é claro -daí ser inútil o canto- entretanto nós fazemos parte dela, porque é assim que as coisas são, e não de outra maneira... Logo, não gostamos nem de Arte, nem de artistas (abaixo Apollinaire) E COMO TOGRATH TEVE RAZÃO AO ASSASSINAR O POETA!. Picabia escrevia desrespeitosamente em Jésus-Christ Rastaquouère: “Vocês estão sempre procurando emoções já experimentadas, do mesmo modo que gostam de receber da lavanderia um par de calças velhas, que parecem novas para quem não as olhar com atenção. Artistas são tintureiros, não se deixem enganar por eles. As verdadeiras obras de arte moderna não são feitas por artistas mas por homens, simplesmente. Ou mesmo pelas máquinas, poderia ter acrescentado.
Quando Marcel Duchamp, em 1913, montou uma roda de bicicleta de cabeça para abaixo num banquinho, e em 1914 escolheu o primeiro readymade, um
porta-garrafas, no Bazar do Hôtel de Ville, deu-se o primeiro passo em direção ao debate que Dada iria alimentar efusivamente: este gesto do artista promovia o objeto ordinário, produzido em massa, a obra de arte, ou era o cavalo-de-Tróia que penetrava nas fileiras da arte para reduzir ao mesmo nível todos os objetos e obras de arte? Na realidade, estas são duas faces da mesma moeda. De qualquer modo, no princípio, os readymades ficaram espelhados pelo seu estúdio, e, quando ele se mudou para Nova Iorque em 1915, sua irmã jogou o Porta-garrafas justamente com o resto do lixo que ele havia acumulado. (Ele conseguiu outro depois).
Duchamp só denominou esses objetos de readymade na América, onde começou a destacar outros objetos manufaturados. O Próprio Duchamp quis deixar bem claro que não se tratava de transforma-los em objetos de arte. Explicou que a escolha do readymade dependia, em geral, do objeto. Era necessário resistir à “aparência”. É muito difícil escolher um objeto porque, depois de umas duas semanas, a gente começa a gostar dele, ou a odiá-lo. Temos que alcançar um estado de tamanha indiferença, que se torne impossível sentir emoções estéticas. A escolha de readymades baseia-se sempre na indiferença visual, assim como numa total ausência de bom gosto ou mau gosto... (Gosto é) um hábito: a repetição de uma coisa que já foi aceitas. Assim, os readymades eram exercícios destinados a evitar a arte (hábito).
Duchamp exibiu certa vez um readymade, Cabide, e o público participou inconscientemente do jogo, por não tê-lo reconhecido como peça da mostra ao pendurar nele seus casacos e chapéus. Numa recente exposição londrina Pioneiros da Escultura Moderna, a Roda de Bicicleta e o Porta-garrafas se mantiveram intactos e enigmáticos cinqüenta anos após, toda uma tradição de antiarte.
Duchamp interpreta igualmente os seus desenhos mecânicos (no início pinturas representando órgãos semelhantes a máquinas, como a Passagem da Virgem a Noiva e depois obras de crescente execução mecânica, com a conseqüente eliminação do interesse por suoerfície pictória movimentada, matéria densa, textura, etc., como em Moedor de Chocolate n.º 2, 1914) como formas de escapar à tirania do gosto. Estas pesquisas chegam ao ponto culminante com uma das pinturas mais deliberadamente obscuras e herméticas do século, a Noiva desnudada pelos seus Celibatários, mesmo, executada sobre vidro entre 1915 e 1923, quando ele a deixou .
Essa obra vem acompanhada de algumas notas de Duchamp, esclarecendo tratar-se de uma "máquina de amor" composta de duas partes: a superior, domínio da Noiva, a inferior, dos Celibatários. Cada parte foi escrupulosamente planejada de antemão (existem numerosos estudos dos elementos individuais), e depois colocada dentro de uma perspectiva muito rígida, quase idiossincrática, que possui o perturbador efeito, na metade inferior do trabalho, de fazer com que partes da máquina pareçam literalmente tridimensionais, ao mesmo tempo que sublinham a lisura e a transparência da superfície de vidro. Duchamp incorporou então o acaso a vários experimentos.
Por exemplo, deixou um vidro perto da janela aberta do seu estúdio em Nova Iorque durante muitos meses, para que apanhasse pó, que depois limpou (uma vez fotografado por Man Ray), deixando que as partículas permanecessem apenas nas peneiras, formas cônicas dispostas em meio círculo, onde ele fixou a poeira com cola.
Depois de 1913, exceção feita do único registro do readymades, Tu m’, de 1918, Duchamp abandonou para sempre a pintura convencional de óleo sobre tela. Em 1923 ele aparentemente abandonara toda atividade artística (à exceção de objetos isolados como Folha de Figueira Feminina e exposições surrealistas) preferindo jogar xadrex.
Seu silêncio constituiu talvez o mito mais poderoso e inquietante de Dada.
Entretanto, depois da sua morte, ocorrida em 1968, foi revelado que ele passara cerca de vinte anos, de 1944 a 1966, trabalhando secretamente numa assemblagem, um quarto chamado Uma vez que: 1 A queda d’água, 2 Gás de iluminação, que remetia, por sua vez, às anotações do Grande Vidro.
Duchamp e Francis Picabia haviam-se encontrado e se tornando imediatamente amigos íntimos no final de 1910. Picabia era efervescente, rico e totalmente niilista, e gostava do humor grotesco de Alfred Jarry. Duchamp era retraído, irônico e esotérico em suas predileções. Ambos procuravam um meio de se subtrair ao rótulo da vanguarda parisiense, predominantemente cubista, e ambos nutriam profunda aversão pela atitude de reverência em relação à natureza especial do artista. Em 1911, logo depois de contactar o principal porta-voz de vanguarda, o poeta Guillaume Apollinaire, ele assistiram à encenação de impressions d’ Afrique, de Raymond Roussel, que lhes pareceu um monumento ao humor do absurdo. (que pré-íncrivel coleção de objetos e máquinas (que pré-figura os melhores objetos surrealistas), há uma máquina de pintar, ativada pelos raios do sol, que resolve executar uma obra-prima. A desmitificação da obra de arte promovida por Roussel, e a destruição sistemática da ordem, através da busca do absurdo, reforçaram os seus objetos comuns. Os bizarros jogos lingüísticos que Roussel descreve Como Escrevi Alguns dos Meus Livros, não diferem muito da maneira esotérica com que Duchamp inicia a execução de suas obras.
Francis Picabia começou a fazer desenhos de máquinas por influência de Duchamp, desenvolvendo o potencial blasfematório da metáfora máquina /sexo. Ele conduziu o desenho da máquina a uma conclusão lógica em 1919, em Zurique, quando, muito adequadamente, desmontou um relógio, mergulhou cada uma das suas peças em tinta e as imprimiu no papel (página de rosto para Dada 4-5). Ele havia publicado seu primeiro desenho de máquinas na revista de Alfred Stieglitz, Câmera Work, por ocasião do Armory Show em Nova Iorque, 1913. O Armory Show fora a primeira amostragem da arte européia de vanguarda para o público americano, e o tumulto se formara em torno da pintura de Duchamp Nu descendo a escada. Quando Picabia e Duchamp chegaram da Europa a Nova Iorque em 1915, este já gozava de uma certa notoriedade. Picabia vinha incumbido, em comissão militar, de comprar molossos em Cuba, mas abandonou imediatamente a idéia. Eles se reuniram a um grupo de poetas e pintores igualmente contestatários, que incluía John Covert e Man Ray. Arthur Cravan aparecia entre eles intermitentemente.
Em Paris, fora autor de alguns panfletos cáusticos, chamados Maintenant, e uma vez desafiara o ex-campeão mundial de pesos-pesados, Jack Johnson, para uma desastrosa luta em Barcelona, conseguindo escapar mediante pagamento. Duchamp e seus amigos arranjaram-lhe uma série de conferências sobre arte moderna, destinadas a uma polida audiência nova-iorquina. Mas Cravan apareceu bêbado na primeira palestra, e, sem entender direito o que estava fazendo ali, começou a despir-se. Desapareceu sem deixar vestígio, quando procurava atravessar a remo o Golfo do México, infestado de tubarões.
O grupo não tinha conhecimento do europeu denominado Dada, assim batizado em Zurique, em 1916. Picabia foi a Barcelona por alguns meses, para se recuperar do excesso de bebida e de ópio, tendo ali produzido, em 1917, os primeiros números da sua revista itinerante 391, o periódico de melhor qualidade e maior duração dentre todos os que apareceram informados pelo espírito de Dada. As atividades do grupo de Nova Iorque tiveram o seu ponto alto com a publicação dos números de 391, em 1917, que coincidiram com um gesto espetacular de Duchamp.
Convidado para participar do júri de uma mostra na GrandCentral Gallery, que, seguindo o exemplo dos Indépendants de Paris, dava a qualquer pessoa o direito de exibir os seus trabalhos, Duchamp enviou para lá um vaso sanitário de porcelona branca com o pseudônimo de R. Mutt toscamente pintado num dos lados. Quando a peça foi rejeitada, ele pediu demissão do júri, e o incidente foi divulgado nos tablóides The Blind Man e Rongwrong.
Dadá em Zurique
Muita gente foi Dada por algum tempo, e o próprio Dada variou, dependendo do lugar, ocasião e pessoas nele envolvidas. Dada era essencialmente um estado de espírito, transformando pela guerra de descontentamento em náusea. Esta náusea foi dirigida contra a sociedade responsável pelos estragos da guerra e contra a arte e a filosofia, que apareceram tão impregnadas de racionalismo burguês, a ponto de se tornarem incapazes de criar novas formas, através das quais se pudesse veicular qualquer tipo de protesto. Opondose à paralisia a que esta situação parecia conduzir, Dada voltou-se para o absurdo, para o primitivo, para o elementar.
Dada foi batizado em Zurique em 1916, embora as circunstâncias -e a significação da palavra- ainda sejam discutidas. Richard Huelsenbeck, então um jovem poeta refugiado, afirma que ele e Ball descobriram a palavra acidentalmente num dicionário alemão-francês, e que o vocábulo infantil (que significaria cavalinho-de-pau) . A palavra foi adotada pelo grupo de jovens exilados, na sua maior parte pintores e poetas, abrigados na Suíça para se refugiarem da guerra num terreno neutro, e reunidos no cabaret Voltaire, um night-club literário organizado por Hugo Ball nos inícios de 1916. Houve por algum tempo muita discussão em torno do que seria uma arte nova, uma nova poesia, que revitalizasse uma linguagem gasta e aviltada.
Um membro do grupo, Hans Arp, a um tempo pintor e poeta, descrevia a situação: Em Zurique, em 1915, quando perdemos o interesse pelos matadouros da guerra mundial, nós nos voltamos para a belas-artes. Enquanto o trovão das abaterias ressoava a distância, fazíamos colagens, recitávamos, versificávamos, cantávamos, pondo a alma inteira nisso. Buscávamos uma arte elementar que pudesse, pensávamos, salvar a humanidade da loucura furiosa daqueles tempos. Aspirávamos a uma nova ordem, que restauraria o equilíbrio entre Céu e Inferno. Esta arte se tornou gradualmente objeto de uma geral reprovação. Surpreende que os bandidos na pudessem entender-nos? Sua mania pueril de autoritarismo leva-os a esperar que a própria arte sirva de instrumento para emburrecer a humanidade.
Os dadaístas de Zurique compreendiam Hugo Ball, Emmy Hennings, Hans Richter e Richard Huelsenbeck, da Alemanha, Hans Arp, da Alsácia, Marcel Janco e Tristan Tzara, da Romênia, e ocasionalmente o enigmático Dr. Walter Serner. As manifestação públicas de Dada tiveram lugar em noites de amotinação no cabaret Voltaire. Tzara descreve uma, no seu Diário Dada:
1916, 14 de julho. – Pela primeira vez em todo mundo. Waag Hall. Primeira noite Dada. - (Música, danças, teorias, manifestos, poemas, pinturas, figurinos, máscaras.)
Diante de uma compacta multidão Tzara demonstra, nós pedimos, nós pedimos o direito de mijar em cores diferentes, Huelsenbeck demonstra, Ball demonstra, Erklärung (Declaração) de Arp, meine Bilder (minhas pinturas) de Janco, eigene Kompositionen (composições originais) de Heusser, os cães latem e a dissecação do Panamá no piano e nas docas –poema gritado- gritaria e engalfinhamentos no hall, primeira fila aprova, segunda fila se declara incompetente para julgar, o resto berra quem é mais forte... Luta de boxe reassumida: dança cubista, figurinos de Janco, cada homem com seu grande tambor na cabeça, barulho, música negra/tabajá bonú ú úúúú/5 experimentos literários: Tzara de fraque, em pé, na frente da cortina... explica a nova estética; poema ginástico, concerto de vogais, poema ruidista, poema estático, arranjo químico de idéias, Biribum, biribum... poema vogal a a o, i e o, a i i...
Outra noite parecida com esta atingiu o clímax com a leitura do novo poema abstrato-fonético de Ball, O Gadji Beri Bimba. Trazendo por invólucro um apertado cilindro de papelão azul brilhante, com um comprido chapéu de doutor-feiticeiro listado de azul e branco, Ball teve que ser içado até o palco. Quando começou a declamar os sons sonoros, a audiência explodiu em risos, palmas miados. Ball agüentou firme, e levantando a voz acima da barulhada começou a entoar adotando a milenar cadência da lamentação sacerdotal: zinzin uralala zinzin uralala zinzin Zanzibar zinzala zam.
Era como se ilustrasse a descrição que fizera de Dada no seu jornal Die Flucht aus der Zeit: O que estamos celebrando é ao mesmo tempo uma cena bufa e uma missa de réquiem... Como a falência das idéias destruiu o conceito de humanidade até o seu último reduto, os instintos e as infraestruturas hereditárias estão agora emergindo patologicamente. Já que nenhuma arte, política ou fé religiosa parece adequada para represar esta torrente, restam-nos apenas a blaque e a pose ensangüentadas.
As obras de Dada devem a sua única existência real a atitudes, declarações públicas ou provocações. Tanto nas exposições como nas demonstrações (e a distinção entre estas não existia, do ponto de vista de Dada) o objeto, pintura ou construção Dada constituíam um ato que esperava por uma reação definida.
Como seria inevitável alguns dos experimentos dadaístas na poesia e nas artes plásticas parecem tomar emprestado, até certo ponto, as vozes de outros movimentos. O auto-Retrato Visionário, de Hans Richter, é uma obra expressionista. Dada se mostra, particularmente, povoando de ecos do futurismo italiano, na linguagem violenta de seus manifestos, e em suas experiências com ruído (bruitism) e a simultaneidade. A Procissão Fúnebre, Dedicada a Oscar Panizza, de 1917, do George Grosz dadaísta , e a pintura do futurista Carla Carrà Enterro do Anarquista Galli (1910-1911), sugerem um funeral que descambou para a baderna. As linhas dinâmicas a entrecruzar-se e as casas, luzes e pessoas que se interpenetram também ficam devendo ao conceito de simultaneidade, mais sofisticado, de Umberto Boccioni. Arp se referia, em termos futuristas, ao tantã dinâmico das marcadas diagonais das suas primeiras colagens abstratas. O Porto tísico de Arthur Segal, co a sua paródia das facetas cubistas também revela um débito para com o futurismo. Um estilo é, com freqüência, o artifício de que se lança mão para transformá-lo em sátira, em paródia grotesca. O Poema Simultaneísta de Tzara é um exemplo disso –um poema composto de versos banis em três idiomas, lido com o acompanhamento simultâneo de ruídos fora de cena, macaqueando a idéia de exprimir impressões simultâneas. As tentativas sérias e otimistas dos futuristas para retratar o dinamismo, ou o heroísmo, da vida moderno, constituíram uma presa fácil para os dadaístas, que consideravam como a mais fútil de todas essa tendência particular da atividade artística.
Houve, contudo, uma separação entre o artista na intimidade do seu estúdio e a sua pessoa como aderente às atividades públicas de Dada. Marcel Janco, por exemplo, realizava pesquisas experimentais como relevos de gesso puramente abstratos, ao mesmo tempo que fazia máscaras para as demonstrações Dada, que Arp evoca com alegria em Dadaland : Elas (as máscaras) eram aterrorizantes, a maior parte manchadas de vermelho cor de sangue. Com papelão, papel, crina de cavalo, arame e pano, você fazia seus fetos lânguidos, suas sardinhas lésbicas, seus ratos extáticos.
Arp era um dos membros mais leais do grupo; embora não tivesse muita afinidade com a violência a alarido do Cabaret, percebera de maneira definitiva o alcance, o valor e o significado de Dada.Neste particular, sua posição era muito semelhante à de Hugo Ball. Num ensaio chamado Fiquei Cada Vez mais Afastado da Estética, ele escreveu: Dada desejava destruir os enganos lógicos do homem para recuperar uma ordem natural, irracional. Dada queria substituir o absurdo lógico dos homens de hoje pelo irracional destituído de sentido. É por isso que tocamos com toda a força que pudemos o grande tambor de Dada e trombeteamos o elogio do ilógico. Dada aplicou uma lavagem intestinal na Vênus de Milo e permitiu que Laocoonte e seus filhos se aliviassem depois de milhões de anos de luta coma boa salsicha Píton. Filosofias valem menos, para Dada, do que uma escova de dentes velha, jogada fora, e Dada as deixa para os grandes líderes da humanidade. Dada denunciou as artimanhas infernais do vocabulário oficial do saber. Dada é para os sem-juízo, o que não é nada absurdo, Dada é como a natureza, desprovido de sentido. Dada é pela natureza e contra a arte. Dada é direto como a natureza. Dada é por um sentido infinito e objetivos definidos.
Descontente com a textura gorda da pintura expressionista, Arp começou a construir obras com linhas e estruturas simples. Fez várias colagens severamente geométricas, e também desenhos abstratos que Sophie Taeuber (com quem depois se casou) executou em tapeçaria ou bordado. Ele e Sophie trabalhavam sem conhecer as experiências similares de Mondrian com as linhas retas e os quadrados e retângulos coloridos, e foi apenas em 1919 que viram reproduções delas na revista holndesa De Stifil.
Uma das possíveis razões que quase tornou Dada em Zurique um movimento de arte moderna foi que a capital suíça, ao contrário de Paris, se chocava e se horrorizava diante de tudo que fosse novo em arte. Richter lembra a ocasião em que solicitaram a Arp e Otto van Rees que pintassem o sanguão de uma escola para meninas: De cada um dos lados do saguão da escola apareceram grandes frescos abstratos (os primeiros a serem vistos tão perto dos Alpes), executados com a intenção de consistirem uma festa para os olhos das menininhas e um signo glorioso do progresso da sua cidade para os cidadãos de Zurique. Tudo isto foi, infelizmente, mal compreendido. As famílias das menininhas se enraiveceram, os pais da cidade se tornaram furiosos com aquelas bolhas de cor que não representavam nada e que haviam maculado não só as paredes mas quem sabe o próprio pensamento das crianças. Ordenou-se que os afrescos fossem imediatamente substituídos por pinturas adequadas. O que foi feito, e Mães levando as crianças pela Mão aparecem nas paredes, enquanto o trabalho de Arp e Van Rees morria.
Arp logo abandonou a pintura a óleo sobre tela para utilizar outros materiais, como madeira, desenho, papéis cortados, jornal, partilhando freqüentemente com Sophie o desejo de distanciar-se do monstruoso egoísmo do artista, em função de um ideal de trabalho comunal. Descreveu ele alguns destes trabalhos como arranjados segundo as leis do acaso (embora pareçam cuidadosamente planejados, se comparados aos papéis rasgados dos anos 30). Rejeitamos tudo que fosse cópia ou descrição, permitimos que o Elementar e o Espontâneo reagissem em plena liberdade. Uma vez que a disposição dos planos e as proporções e cores acaso, declarei que essas obras, como a natureza, se ordenavam “segundo a lei do acaso”, o acaso constituindo para mim apenas a parte limitada de uma insondável raison d’être, de uma ordem inacessível em sua totalidade.
Na poesia que fez nessa época, Arp recorreu ao acaso de uma maneira mais radical, mais dada, colhendo a esmo palavras e frases de jornais e montando-as em poemas.
Alguns dos seus relevos em madeira eram feitos de pedaços de pau estragados, aparentemente lixo. Muitos dos relevos de 1916-17 foram deliberadamente deixados com a madeira sem pintura ou polimento, com cabeças de prego aparecendo. Outros relevos em madeira, com a Floresta e Tabuleiro de Ovos, receberam pintura brilhante e se compõem de forma altamente concentradas, que mais tarde se desdobrarão na abstração biomorfa das suas esculturas. Era uma morfologia flexível. Richter se lembra de pintar, com Arp, um enorme pano de fundo para demonstração Dada. Começando de pontas opostas, diz ele, nós cobrimos o rolo de papel com metros e metros de uma plantação de pepinos gigantes. O desenvolvimento de Arp em direção à abstração orgânica era enfatizado pelos desenhos automáticos com que ele fazia experiências na época, técnica que mais tarde seria retomada e sistematizada, com diferente motivação, pelos surrealistas.
Durante os dois primeiros anos em Zurique, Dada ainda era visto, particularmente por Ball e Arp, como passível de oferecer saídas para uma nova direção em arte. O propósito de restaurar a magia da linguagem em Ball, a busca de Arp pela objetividade, pode ser encarada desta maneira. Ball dizia: O concreto e o primitivo aparecem (ao dadaísta) nesta descomunal antinatureza, como o próprio sobrenatural.
Chegava a ser apresentado sob este prisma, de maneira pública. Tzara descreveria a revista de Zurique –Dada- quando a introduziu a Picabia, como uma publicação de arte moderna. Com a chegada de Picabia a Zurique, em 1918, no entanto, operou-se uma mudança radical. Os dadaístas nunca se haviam deparado com alguém que nutrisse pela arte tamanha descrença, e que evidenciasse de maneira tão aguda a falta de sentido da vida. Richter diz que, para ele, o encontro foi como a experiência da morte, e que, depois de reuniões semelhantes, os seus sentimentos de desespero eram tão intensos que percorria o estúdio chutando e furando os seus quadro. Tzara, o principal empresário e publicista de Dada em Zurique, sucumbiu imediatamente ao fascínio da personalidade dominadora e magnética de Picabia; e no seu famoso Manifesto Dadá 1818, coloca a sua incrível agilidade verbal a serviço do niilismo.
Filosofia, eis a questão: de que lado olharemos a vida, Deus, pensamento, ou que outro tipo de fenômeno? Tudo o que vemos é falso. Não considero o resultado relativo mais importante do que a escolha entre bolo e cerejas depois do jantar. O sistema de considerar com presteza o outro aspecto de uma coisa a fim de impor indiretamente uma opinião é chamada de dialética; em outras palavras, regatear em torno do espírito que anima as batatas fritas enquanto se baila um método ao redor delas.
Se eu gritar:
Ideal, ideal, ideal,
Conhecimento, conhecimento, conhecimento,
Bumbum, bumbum, bumbum,
Terei dado uma versão bastante fiel de progresso, lei, moralidade e várias outras excelentes qualidades que muitos homens altamente inteligentes discutiram em livros inumeráveis.
Dada em Paris
Foi o Manifesto de 1918, de Tzara (Escrevo um manifesto que não visa a nada, mas apesar disso digo umas tantas coisas, e em princípio sou contra manifestos e contra princípios), que conquistou André Breton e outros membros do grupo parisiense Littérature. Tzara chegou a Paris bem no principio de 1920, e imediatamente, com a ajuda de Picabia, Breton, os poetas Louis Aragon, Philippe Soupault, Georges Ribemont-Dessaignes e outros, lançou-se à divulgação, para um público maior, da revolta Dada, através de obras ultrajantes como Penas, de Picabia, por exemplo. A primeira demonstração Dada teve lugar a 23 de janeiro, no Palais dês Fêtes, e, como deu o tom às manifestação subseqüentes, vale a pena descreve-la pormenorizadamente. Uma palestra anunciada como "A Crise do Câmbio", por André Salmon, que atraíra os pequenos lojistas do bairro, desejosos de esclarecimento financeiro, revelou-se a demolição dos valores literários a partir do simbolismo. A audiência começou a debandar. Mas foi com a apresentação, feita por Breton, de alguns quadros de Picabia (Picabia nunca gostara de se apresentar no palco), que a coisa realmente começou. Uma enorme tela, sobre rodinhas foi empurrada para o palco, coberta de inscrições: alto, embaixo, e baixo, em cima, com o letreiro em grandes letras vermelhas, da piada obscena L.H.O. O. Q. (Elle a chaud au cul).
Quando os insultos principiaram a chover, o público começou a berrar, invectivando os manifestantes, e, depois de uma segunda apresentação da obra, deu-se a balbúrdia. Apareceu um quadro-negro coberto de mais letreiros, sob o título de Riz au Nez (Arroz no Nariz), que Breton imediatamente apagou com um espanador. Além de não se tratar de obra de arte, a proposta foi também destruída debaixo do olhar do público. O clímax da noite consistiu na aparição, no palco, de Monsieur Dada, de Zurique: Tristan Tzara, que passaria a exibir os seus trabalhos. Ele começou imediatamente a ler o último discurso de Leon Daudet na Câmara dos Deputados, acompanhado nos bastidores por Breton e Aragon, tocando campainhas com a maior energia. O público, que incluía personagens como Juan Gris, que comparecera para estimular a nova geração, reagiu com violência. Um editor de vanguarda começou a gritar: Voltem para Zurique! Paredão com eles!. Dada armara uma boa armadilha, e depois disso o público ficou prevenido.
Postado por David Rock
Marcadores: Dadaismo
retirado de http://esteticadoteor.blogspot.com
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