Friday, April 17, 2009

JACK KEROUAC

Jack Kerouac e o primeiro On the road

Claudio Willer

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Quando Jack Kerouac morreu a 21 de outubro de 1969, aos 47 anos de idade, em Saint Petersburg, Flórida, famoso, porém isolado, decadente, pesadamente alcoólatra, deixou 19 dólares em sua conta bancária. Havia publicado alguns textos de circunstância como Satory in Paris, que saiu na Playboy, para fazer caixa. Dilapidara, é certo, o que ganhara, por beber de modo desenfreado e por mudar-se a toda hora – ele e sua mãe Gabrielle, a memére, em seu último ano de vida acompanhados por sua terceira esposa, Stella Sampas, movidos por uma difusa inquietação, não conseguiam residir por muito tempo no mesmo lugar.

Em maio de 2001, passadas pouco mais de três décadas da morte de Kerouac, o rolo com a primeira versão de On the Road – aquela escrita em três semanas, em abril de 1951 – seria arrematado em leilão por nada menos que dois milhões e quatrocentos e vinte mil dólares. Bateu o recorde do valor de originais literários. Mereceu cada dólar desse valor. Esse rolo original de On the Road acabaria sendo publicado em 2007, pela Viking Press, assim comemorando os 50 anos do lançamento da sua versão final pela mesma editora.

On the Road na versão editada – aquela finalmente publicada em 1957, aqui traduzida como On the Road: Pé na Estrada (L&PM Pocket, 2008, tradução de Eduardo Bueno reedição, com mudanças, do que foi publicado pela Brasiliense em 1984 na tradução de Bueno e Antonio Bivar) – exerceria uma influência única.

No prefácio dessa edição brasileira, Bueno comenta esse impacto:

Bob Dylan fugiu de casa depois de ler On the Road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de Pixote, também. Jim Morrison fundou The Doors. No alvorecer dos anos 90, o livro levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob Dylan, filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Jack em Lowell, Massachusets, como o próprio pai o fizera, vinte anos antes. Em 1992, Francis Coppola (o produtor), Gus van Sant (o diretor) e Johnny Depp (o ator) envolveram-se numa filmagem nunca concretizada do livro – e, apesar da diferença de idade, os três compartilharam o mesmo fervor reverencial pela obra.

Aliás, esse projeto de filmagem de On the Road por Coppola vai se transformando em novela infindável ou saga inconclusa. Pelas notícias mais recentes, a direção agora ficaria a cargo de Walter Salles. Acredito que, apesar da paixão e empenho de Coppola, o filme nunca será realizado. Pelo seguinte: é muito; as centenas de páginas de On the Road, narrando os cinco ciclos de viagens de Jack Kerouac, Neal Cassady e amigos pelos Estados Unidos e México, se viessem a ser filmadas como merecem, com atenção ao detalhe, incorporando o estilo de Kerouac, são cinematograficamente inviáveis. Iriam requerer a dimensão dos filmes-epopéia, divididos em episódios, a exemplo do que os japoneses fizeram no momento de maior prosperidade de sua indústria cinematográfica, por volta de 1960. A forma para dar conta da transposição de On the Road para o meio audiovisual seria antes aquela das novelas e séries de TV: só assim caberia, sem trair o original. O criador de Apocalipse Now devia pensar nisso: afinal, hoje as mídias convergem no DVD.

Bueno ainda trata, no prefácio aqui citado, de repercussões propriamente literárias e artísticas de On the Road:

[...] toda uma legião de escritores, artistas, cineastas, dramaturgos e músicos – a geração que se multiplicou em muitas – seria profundamente influenciada pelo estilo e pelas visões de Jack Kerouac. Difícil imaginar a obra de Sam Shepard, de Bob Dylan, de Charles Bukowski, de Jim Morrison, de Lou Reed, de Tom Wolfe, de Bret Easton Ellis, de Joni Mitchell, de Wim Wenders, de Hunter Thompson, de Neal Young, de Jim Jarmush, de Jack MacInerney, de Beck, de Bobo, de Tom Waits, de Gus Van Sant, de Bob Wilson sem On the Road. Todos eles pagaram tributo à fraqueza fluídica e generosa do católico louco e místico que viu a luz nos trilhos e trilhas da América.

On the Road, inspirou autores, é certo; mas, principalmente, projetou-se na vida, na sociedade, contribuindo para mudanças de valores, de comportamentos. O que estava sendo oferecido, naquele leilão de 2001, não era apenas um original de obra, porém a matriz de um mito. Mais que qualquer outra obra literária, contribuiu para realizar a profecia de uma revolução de jovens de mochila às costas tal como proclamada em outra das narrativas de Kerouac, The Dharma Bums, Os Vagabundos Iluminados (tradução de Ana Ban, L&PM Pocket, 2007), em uma fala atribuída ao poeta Gary Snyder (Japhy Rider no livro):

Pense na maravilhosa revolução mundial que vai acontecer quando o Oriente finalmente encontrar o Ocidente, e são caras como nós que podem dar início a essa coisa. Pense nos milhões de sujeitos espalhados pelo mundo com mochilas nas costas, percorrendo o interior e pedindo carona e mostrando o mundo como ele é de verdade para todas as pessoas. [...] eu quero que meus vagabundos do Darma carreguem a primavera no coração.

in AGULHA-REVISTA DE CULTURA www.jornaldepoesia.jor.br

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