Wednesday, July 30, 2008

DADÁ


DA HISTÓRICA, DA POÉTICA E DA ESTÉTICA
SURREALISTA
Dr. Lúcio Coelho

Por breve que seja abordagem de Surrealismo e da importância que teve na História da Arte do Século XX, não é possível fazê-lo sem mencionar o fenómeno Dada (ou Dadaísmo) que imediatamente o precedeu.

Com efeito, é em pleno período da 1ª Guerra Mundial, ou no seu prelúdio, que têm lugar, em Nova York, as primeiras manifestações Dada, com chegada e fixação nesta cidade de Marcel Duchamp e de Francis Picabia. Na mesma, tinha acabado de acontecer (1913) a mais fantástica e 1ª Exposição de Arte de Vanguarda Europeia - a Armory Schow. E contra a mesma já se levantavam vozes dissonantes, não só as daquelas dois artistas Europeus, como doutros artistas locais entre os quais sobressaí o fotógrafo, cineasta e pintor Man Ray.

Não só a guerra, por si só, poria em causa toda a cultura internacional, como aquelas figuras e o movimento que as haveria de congregar levam à contestação absoluta de todos os valores, a começar pela própria arte.

A redacção de manifestos, a autonomia criativa de cada uma das figuras envolvidas, o seu desejo de modificar radicalmente a abordagem mental do produto artístico, o seu carácter anarquisante e niilista tendente a destruir todas as convenções, a escolha do acaso e do absurdo como temas preferênciais, espalham ràpidamente o espirito dadaista a outras partes do Mundo.

É em Zurique, e à volta do cabaret "Voltaire" que, em 1916 se juntam, numerosos intelectuais, poetas, pintores e filósofos, dos quais se destacam Tristan Tzara, Hans Arp e Hugo Ball. É aí que se institucionaliza o movimento e se lhe dá o nome. Dada, palavra encontrada ao acaso em dicionário aberto ao acaso também.

E é nesse espaço que têm lugar espectáculos de carácter escandaloso e provocatório, "sessões culturais" de cunho anti-nacionalista e antibelicista, tudo numa estética de aparente banalidade, perversidade sexual e indiferença contra a solenidade e a monumentalidade.

Marcel Duchamp já havia dado a conhecer os seus "ready-made" mais famosos : "A Roda da Bicicleta" (1912), "O Secador de Garrafas" (1914), "A Fonte" - urinol invertido (1916). Dá-nos depois "A Gioconda com Bigode" (1919).

Em, 1917, o movimento irradia para a Alemanha. Após o encerramento do Cabaret Vontaire por decisão das autoridades é fundado em Berlim o "Club Dádá" pelo agitador Hulsenbeck. Dele se aproximam os pintores George Grosz e Otto Dix que na altura praticam uma arte de critica contundente aos valores instituídos, misturada de acutilante humor macabro. Outros se dedicam à "fotomontagem" que privilegia a crítica política.


(33% da dimensão original)

"Cada um dos cinco pintores que intervieram na sua realização - António Dominques (n. 1921), Fernando de Azevedo (n. 1923), António Pedro (1909-1966), Vespeira (n. 1926), J. Moniz Pereira (1920-1989) -, preencheu a sua parte da tela antecipadamente dividida, sem saber o que os outros tinham pintado, ocultado, limitando-se a encadear, em extremidades das formas por eles deixadas visíveis, as que lhe apeteceu pessoalmente pintar." (José Augusto França, Pagela dos CTT, 1999)

A emissão comemorativa dos 50 anos do surrealismo em Portugal, com cores manifestamente diferentes do original (ver Jornal de Filatelia nº 61, Julho 2000) foi o pretexto para este artigo.


Em Berlim é erguido o monumento à Internacional Dádá, feito em cartão e papel velho, parodiando Tatllin e o seu monumento à Internacional Socialista. Aqui é proclamada a "morte da Arte".

Em Hannover, e na mesma altura, cresce a personalidade impar de Kurt Schwitters que funda a revista "Merz" em 1923 (a própria palavra Merz surge ao acaso, retirada do meio da palavra Comerz Banck). Pratica uma "arte de recolagem do mundo destroçado", fundamentada nas colagens cubistas mas recorrendo a desperdícios e objectos inúteis do quotidiano para os agrupar segundo um imaginário de extrema delicadeza e sensibilidade à qual acrescia a côr da sua paleta. Eram assim os seu MerzBilder, hoje procurados por autenticas fortunas. Foi assim o seu Merzbau, espécie de construção edificada no interior de um apartamento, destruído pelos bombardeamentos e cuja memória se tornou percursora das modernas e recentes "Instalações"

Duas Personagens Silenciosamente Sempre Presentes

Karl MARX (1818-1883), alemão, filósofo, economista e político. Denuncia a exploração na sociedade capitalista, fundamenta o fim do capitalismo como fase inevitável do processo histórico e define a estratégia política de construção do socialismo. (Selo da URSS, 1958, 75º aniversário da sua morte, YT 2046)

Sigmund FREUD (1856-1939), austríaco, neurologista. Estudou e desenvolveu teorias sobre a camada profunda da nossa mente, o inconsciente. Chama a atenção para a importância da sexualidade infantil. Funda a Psicanálise, com grandes impactos na Psicologia e na Psiquiatria. (Selo da Austria, 1981, 125º aniversário do seu nascimento, YT 1497)


Pela mesma época em que, em Hannover, Kurt Schwiterz apresentava as suas colagens dos objectos mais díspares e casuais (o 1º Merzbild data de 1914), em Colónia, o seu compatriota Max Ernest inicia o seu trajecto artístico com outro tipo de colagens, conjugando figurações provenientes de diferentes contextos, com frases extraídas das mais diversas situações, fundindo tudo numa poética de aparente estranheza e sem sentido e levando à destruição da relação entre a palavra e a imagem.

Lider do Movimento Surrealista

André Breton (1896-1966), poeta e crítico francês. Representado na série de poetas franceses do século XX, 1991, YT 2682

Terminada a 1ª Guerra Mundial, regressam a Paris os maiores artistas de Movimento Dada: Arp, Duchamp, Ernst, Picábia, Man Ray, Tristan Tzara. A eles se junta André Breton, escritor , filósofo, psiquiatra e estudioso de Freud. Surge a revista "Literatura" e é através dela também que surge o fim da Experiência Comum do Dadaismo com o conflito que entretanto opôs Tzara e André Breton em 1922 e que haveria de dar lugar ao nascimento do Surrealismo. Um pouco na sua base estaria a crítica ao carácter destrutivo, anarquista e niilista do primeiro dos referidos movimentos que tudo negava e nada afirmava. Que não sugeria alternativas. Se de facto isso tem um fundo de verdade, também é verdade que sem a espícula irritativa do escândalo dadaísta seriam inimagináveis muitos dos desenvolvimentos posteriores da história de arte, como a arte conceptual, a arte informal e a arte "pobre", sem falar, naturalmente, na sua filiação mais directa, na sua verdadeira herança que seria o surrealismo.

É pois com a revista "Literatura" e com as poetas e ensaístas que à volta da mesma gravitavam -- e de que é justo destacar André Gide (Prémio Nobel), Paul Valery e Louis Aragon - que a personalidade e André Breton se agiganta. Ele próprio companheiro dos Dadaístas já falados da Escola de Paris, deles se vai distanciando na busca de uma sistematização da transgressão. Para ele, o escândalo é um meio para atingir um fim e não um fim em si mesmo. Daqui diferia profundamente de Tristan Tzara que era um dadaista inconsequente, que apenas queria o escândalo pelo escândalo. A rotura com este poeta Romeno e coma aventura que ele representava, era inevitável.

O prelúdio do Surrealismo acontece pois nesta altura (1920-1924), coincidindo cronologicamente, por um acaso quase irónico, com o pensamento nacionalista, com o rigor formalista, de eficácia técnica e produtividade económica, do racionalismo e do funcionalismo, no chamado Ciclo Cultural da Necessidade, conotado, em termos artísticos, com o construtivismo Russo, com o "De Stijl" holandês e com a Bauhaus germânica.

E a ele se opunha com o Ciclo Cultural da Liberdade, apostando na plenitude individual, na autenticidade existencial, valorizando sempre a parte lúdica, irracional e aleatória da vida. Era o "homo-ludens" a opôr-se ao "homo-faber". Era a condenação dos princípios da direita nacionalista (pátria, família, ordem) com a valorização exaltante da "poesia, amor e revolução".

Aos núcleos centrais da poética dadaista, os surrealistas acrescentaram dois pensamentos fundamentais: o psicanalítico e o marxista.

E estes, tantas vezes encarados como dogmáticos, acabarão, no decorrer dos anos, por justificar as roturas e cisões que haveriam de acontecer no seio do grupo, como a seu tempo falaremos.

A influência da psicanálise de Freud, do seu caracter de revelação das forças ocultas do inconsciente, da libertação de uma série de tabus e de imposições vigentes no domínio da sexualidade, levam André Breton e os seus companheiros de aventura à recriação de todos os aspectos da existência humana e que, no domínio artístico, se traduziu na execução de obras cuja componente temática fundamental é evidentemente erótica e cujo resultado técnico mais relevante consistiu em elevar à categoria de método o autoproclamado "automatismo psíquico".

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