Wednesday, January 14, 2009
LUTA SOCIAL
A crise do capitalismo, um tema para 2009
A crise do capitalismo, um tema para 2009
Um pano de fundo
Todos sabemos que o momento é delicado. O desencadear da crise financeira, com os novos episódios que se lhe seguirão demonstra, na prática, a falência do neoliberalismo. Falido e francamente desacreditado ideologicamente mas, não morto ou enterrado.
Esta crise, seguindo-se a várias outras mais localizadas umas (colapso da banca japonesa em 1995, crise russa de 1998, entre outras) ou, mais alargadas, outras (a dos “tigres asiáticos” em 1997, a bolha dos “dot.com” em 2000/2004, por exemplo) era francamente previsível quer por analistas anticapitalistas e, mais envergonhadamente, por defensores do modelo keynesiano do capitalismo. Entre os primeiros, esta crise e a dimensão que assumiu, vem acelerar a necessidade de crítica do sistema capitalista, agora em fase de readaptação e recuperação dos seus próprios fracassos. Entre os que defendem a utilização maciça da intervenção de medidas de carácter keynesiano destacam-se os conceituados Krugman e Stiglitz. Na sua senda atropelam-se em pânico, os naufragados mandarins, os seus mandantes da alta finança, os “investidores”. A questão que discutem é se iremos ter uma combinação de neoliberalismo com um tempero de keynesianismo (os mais à direita) ou de keynesianismo com concessões neoliberais (os menos à direita).
Na nossa opinião, apesar de desgastado como modelo de gestão do capitalismo, o neoliberalismo irá manter-se vivo, uma vez que é o único modelo que, hoje, permite a rápida acumulação capitalista. Pretendemos sublinhar, de modo bem claro, que a maciça intervenção dos Estados nacionais ou plurinacionais constitui apenas e tão somente um reforço da capacidade operacional do neoliberalismo e jamais um retorno a qualquer modelo do tipo social-democrata. Embora isso esteja nos planos de muitos elementos das esquerdas institucionais sempre em busca de argumentos para se arrumarem no doce recato dos partidos ditos socialistas, há muito convertidos em liberais.
É, evidentemente, menos difícil haver consenso entre anticapitalistas e keynesianos quanto à análise da crise actual do que, naturalmente quanto às receitas a aplicar. Os primeiros, entre os quais nos encontramos, defendem a destruição do capitalismo, sabendo de antemão que essa destruição exige sacrifícios, acerbos conflitos e, nesse contexto, muitas vidas humanas sendo, porém, uma destruição criativa. Já os segundos, procuram medidas para um capitalismo menos desumano, com mais preocupações sociais, num modelo entre a social-democracia e um assistencialismo que nada mudam e que perpetuarão o sacrifício de milhões de pessoas através do desemprego, da guerra, da fome, da doença, dos desastres ambientais, etc.
Há, naturalmente, quem já procedeu à sua reciclagem para posturas menos associadas ao descalabro actual e, os próximos tempos serão férteis nessas mudanças oportunistas e despudoradas de casaca. Vamos assistindo, mais lentamente, à reconversão do jurássico pensamento de muitos académicos, mormente da área da economia. Os mesmos empresários que despedem e promovem leis laborais adoptam um vocabulário mais “social” e clamam, emocionados, por apoios públicos ao pagamento de salários. Nas colunas dos jornais os notáveis dizem que desde sempre apontaram para os perigos do neoliberalismo, mesmo lambuzando a gamela do poder, como sempre. E, finalmente, mandarins como o pantomineiro Sócrates passam a afirmar as virtudes do papel do Estado, depois de passarem todo o seu tempo a privatizar, desregulamentar, favorecer o sistema financeiro e a elogiar o lucro fácil e fraudulento; a multidão, por seu turno, continua a ser ensinada a aceitar a virtuosa via do sacrifício, pois há tempos difíceis no horizonte e a contenção do deficit é um desígnio patriótico.
Sempre que se está em época de mudança eles, como os répteis, mudam de pele. Em 26 de Abril de 1974, foi espantoso como debaixo da cada pedra saltavam firmes defensores da democracia, do socialismo, do comunismo, adoptando as roupagens ideológicas que condenavam dois dias antes. O mais caricato talvez seja o CDS ter chegado a defender uma sociedade sem classes, por ocasião das nacionalizações de 1975!
Uma postura anti-capitalista para encarar a crise actual
Já neste blog afirmámos que a esquerda não detém ainda um corpus teórico capaz de produzir um modelo de análise global da crise capitalista de hoje, e, menos ainda de um leque de soluções globais exequíveis. E, isso, nomeadamente, porque entre as esquerdas e a grande massa da multidão há um fosso quanto à compreensão da realidade e às formas de a modificar.
Esse fosso é alimentado por ilusionistas da redenção no seio da “democracia” representativa das forças do mercado, a partir das virtudes de um aparelho de Estado nas mãos de “gente séria”; quaisquer ungidos na qualidade de redentores da humanidade não são aceitáveis para a multidão, que cada vez mais exige que a gestão social seja feita por gente normal e não por profissionais da política. Mesmo que gente séria e eleita democraticamente, ninguém se pode erigir num lugar acima dos demais, num qualquer aparelho de Estado alicerçado na violência e na autoridade.
A exequibilidade de um conjunto real de soluções da crise capitalista de hoje não passa pela intervenção maciça do Estado, da mobilização das receitas fiscais, ou de acordos políticos entre dirigentes políticos baseados numa legitimidade assente numa representação abusiva, consentida e não conquistada.
Politicamente, as sondagens lisonjeiras para a esquerda tradicional não dão relevo a duas coisas fulcrais. Uma é a grande margem de abstencionistas que retiram legitimidade aos partidos, no seu conjunto e que revelam o desinteresse, a desconfiança e a rejeição pelas suas propostas. Outra, é que o avanço da esquerda institucional é muito mais um custo calculado de Sócrates para proceder às tais “reformas” do que o produto de um enraizamento popular dessa esquerda. A esquerda institucional, privilegiando essa actuação nas instâncias do Estado e dos media corre o risco de ser esvaziada quando a conjuntura melhorar, como sucedeu durante a ascensão de Cavaco como primeiro-ministro e gerar, por conseguinte, um acrescido desânimo na multidão.
Para o evitar há que construir na base social uma cultura de protesto e desobediência, de boicote e perturbação do funcionamento das várias instâncias da máquina de acumulação e de sacrifício da vida de todos, em favor do interesse de uns poucos; e nesse contexto, aproveitar a crise económica, as dificuldades do capitalismo, para consolidar forças, habituar um grande número de pessoas, sobretudo jovens, trabalhadores e desempregados, à contestação, à luta, a uma cultura de exigência e desafio.
Não há soluções reais à margem da multidão, soluções que não sejam emanadas e testadas pela prática social, dos povos em luta por uma sociedade radicalmente diferente. Nenhuma solução pode surgir enquanto não houver uma grande faixa das classes trabalhadoras empenhadas e confiantes nas transformações exigidas; enquanto não surgir uma multiplicidade de forças sociais unidas num protagonismo colectivo e articulado de transformação social. E, em termos mais gerais e a longo prazo, nenhuma solução se pode tornar duradoura se confinada a um pequeno recanto do mundo; o princípio dessa transformação, para se consolidar, precisa de uma massa crítica de território, de população, de recursos capaz de fazer frente a todos os boicotes e atitudes agressivas do capitalismo, mesmo que este se encontre enfraquecido.
Não é grande compensação, no cenário actual, que as instituições capitalistas e os seus mandarins não tenham também verdadeiras alternativas para uma oleada continuidade do roubo organizado, como antes vinha ocorrendo. Na sobranceria neoliberal, atingido o fim da História (?) o Estado pretendia-se mínimo e, nesse contexto, o mandarinato pretendia-se constituído, basicamente, por instrumentos acéfalos, verdadeiras pegas, em ambas as acepções da palavra. E agora, vêm-se patetas sorridentes e impotentes, centuriões sem visão, à procura de soluções; Sarkozys, Merkels, Berlusconis burlões, o poliglota Barroso… e irá sentir-se, em breve, entre eles, a ausência da erudição do Bush!
Na ausência do tal corpus teórico à esquerda, é preciso combater os espíritos simples ou messiânicos que vierem anunciar a morte breve do capitalismo, que soube sobreviver à crise de 1929/33 com o New Deal, que soube construir o capitalismo de Estado, abafando as brasas da revolução de Outubro, que aproveitou a reconstrução do segundo pós-guerra para construir um temporário “modelo social europeu”, que contornou as ânsias libertadoras dos povos colonizados para gerar o neocolonialismo, etc. Cautelarmente diremos como Brecht, “devemos tomar o inimigo pelo seu lado mais forte”, para evitar sermos “comidos pelos percevejos”, também segundo Brecht.
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt
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