Saturday, December 25, 2010
POETAS ABJECCIONISTAS
Alguns poetas fazem questão de não elidir as entranhas da poesia nos poemas que publicam. Poetas viscerais, apresentam-se ao mundo como um eco dos infernos de onde (também) brotam os poemas. Não tendo nada a esconder, mostram tudo. Ou assim parece. Pois, por vezes, esse tudo esconde ainda uma literatura, como outra qualquer, com a sua história e a sua tradição. Falar de abjeccionismo é apenas uma forma de enquadrar academicamente tais poetas, por si só não enquadráveis, resistentes, como a rocha à força das marés, a qualquer tipo de academismo que esvazie esta poesia dos seus intentos mais directos: viver em conflito com todo e qualquer sistema de valores que tente impor-se pela repulsa do desejo. Em tempos, foram estes poetas considerados heréticos, blasfemos, pervertidos, heterodoxos, malditos, marginais, abjectos, etc. Mas é importante entender que, hoje em dia, estar à margem é também estar dentro, ainda que possa ser não estar com. É estar dentro de um universo cultural que vive e alimenta-se dos cultos, um universo que é já ele próprio a margem de um tecido social indiferente a tudo o que sejam poesia, literatura, arte, em suma cultura. O que temos hoje é um mundo que olha todo aquele que escreve poesia, seja que poesia for, da mesma forma que olha os marginais, os chamados inúteis, pois escrever poesia, mais ainda lê-la, já não é senão um acto de excepção. Fica o sentimento, no caso português, de um desconforto a reter mais pelo que manifesta do que pelo que pretende. Pois se em tempos os poetas podiam dar-se ao luxo de ambicionar a dinamitação das barreiras literárias, isso era porque as barreiras existiam. Legitimados por essa existência, tais poetas ameaçavam os paradigmas com uma força que lhes era inerente porque reconhecida. Hoje, podem apenas limitar-se à manifestação do seu desconforto. A força que têm é nula, as barreiras foram derrubadas, o mais que pode ser feito é impedir que voltem a ser erguidas. O espectáculo está circunscrito, com sorte, a uma, duas ou três centenas de curiosos, muitos deles também artistas neste circo que é o de quem escreve e o de quem lê poesia. Penso em poetas como A. Dasilva O., A. Pedro Ribeiro ou, o mais novo dos três, Vítor Vicente.
HENRIQUE MANUEL BENTO FIALHO
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