Wednesday, February 13, 2013

O GRITO PLENO

Edição 85, sexta-feira, 8 Fevereiro 2013


O GRITO PLENO E A INOCÊNCIA

O fracasso das manifestações de 2 de Fevereiro 2013 prova que o 15 de Setembro 2012 já lá vai, abafado pelo bombardeamento diário da máquina dos media, dos mercados e dos políticos ao serviço destes. Também é falso que esteja tudo dito acerca do capitalismo como alguns advogam porque todos têm acesso à net, etc. O capitalismo é mesmo o contrário da vida, quer reduzir-nos à condição de escravos, destrói-nos com privatizações e sacrifícios. O capitalismo quer reduzir-nos ao infantilismo, atira-nos filmes e programas imbecilizantes, quer reduzir-nos ao primarismo intelectual, à futebolite aguda. O capitalismo droga-nos de modo a que não discutamos, a que não pensemos os problemas, a que não desenvolvamos as nossas potencialidades. E é necessário, mais do que nunca, pensar, debater, discutir. Sem dúvida que é também necessário discutir o que fazer. Teremos que fazer chegar a palavra. Continuamos a dizer que há gente irremediavelmente perdida. Que há gente até onde a palavra nunca chegará, de tal modo está contaminada pela máquina. Mas há também certamente gente angustiada, cheia de dúvidas. É a esses que teremos de chegar. Em todos os palcos que pisamos. Assim a vida não é vida. Assim a vida são filmes menores, telenovelas. Assim a vida é, na maior parte das vezes, obrigação, castração. Não é liberdade, amor, poesia. Não é experimento permanente, não é banquete. É sempre o homem e a mulher violentados, o homem e a mulher cheios de medo de perder o dinheiro, de perder o emprego, de perder a vida. Raramente há o grito pleno, primordial, inaugural do homem que nasce, do homem que cresce, do homem que reina. Apesar da amabilidade de alguns, há sempre o dinheiro que tens de dar, há sempre o cálculo, há sempre a mercearia. Com alguns e algumas ainda manténs conversas elevadas mas, de resto, é o deserto, é a vidinha. Ainda depositas esperanças nas crianças que brincam. Ainda há a inocência. Inocência que ainda tens, em parte, apesar das patadas.


CONTRA A MÁQUINA

Há os que estão irremediavelmente perdidos para a vida. Eu questiono. Eu desmonto a máquina tanto quanto me é possível desmontá-la. Não percebo nada de mercados nem de finanças mas sei que esse é o mundo que nos sufoca, que reduz o homem ao gélido, ao entediante, ao mecânico. Sei que não nasci para isso. Vim para me realizar, para desenvolver as minhas potencialidades, para criar. Vim para pensar, para puxar pela cabeça mas também para intervir no mundo. Mas para pensar convenientemente tenho de ter a mente liberta de contaminações. Daí que tenha de me afastar da TV dominante, da máquina. Daí que vá de encontro ao amor e à poesia. Há muito que me deixei de americanices. Há muito que coloquei certos venenos de lado. Vejo nos meus semelhantes o desejo de ganhar. Eu não vim para ganhar nada. Não vim para competir nem para ganhar taças. Vim, como dizia Jim Morrison, para performear a minha arte e para completar ou perfectibilizar a minha vida. Vim enriquecer-me, vim aumentar a minha alma. Não penso só na próxima refeição, como muitos fazem. Por isso leio, estudo, escrevo, recito. Não faz sentido vir ao mundo para estar permanentemente preocupado com o dinheiro e com a próxima refeição. É preciso desfrutar, é preciso gozar, é preciso celebrar. Para tal não são necessárias grandes viagens. Às vezes bastam as viagens interiores. O diálogo que mantemos connosco próprios, como dizia Henry Miller.


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