Wednesday, August 15, 2012

DA REVOLUÇÃO E DA VIDA

Hei-de trabalhar sempre na escrita. Aperfeiçoar-me, ser capaz de dar à luz. Vim para isto, para puxar pela cabeça. Não para as actividades domésticas. É isto, o papel, a mão, a caneta. Enfim, há-de vir a glória nem que seja depois da morte. Uns permanecem na vida, mesmo não vivendo, outros vão partindo. A vida vai-se desenrolando, dia após dia. Houve dias, noites de descoberta, outros vazios, deprimentes, mas o que é facto é que estamos aqui, que não nos limitamos a olhar os carros que passam lá fora, as pessoas que vão e vêm da praia, os que falam muito e os que falam nada, a alma que existe, pelo menos em alguns. Para ser um grande escritor preciso de escrever estórias mas eu limito-me a estes apontamentos. Deixei a engrenagem dos horários e do sacrifício. O primeiro-ministro que trabalhe! Trabalho, sim, já o disse, na construção do texto, na construção do poema. Preciso desesperadamente de uma mulher que financie a revolução. Entretanto vou questionando a vida. A vida diz-me que vale a pena continuar, apesar de tudo. Apesar de ter de aturar burgueses e mercadores. Eu tenho um percurso. Vim observar os outros mas também vim destruir e construir. Onde estás, mulher que me beijaste e me deste a morada? Talvez sejas a tal, a minha namorada. O que é facto é que a maior parte do tempo permaneço só. Talvez a minha profissão assim o exija. Vou deixando livros e performances pelo mundo. Quem quiser que os agarre. Porque te mataste, Rui Costa? Acreditavas em algo de poderoso e deixaste de acreditar. No fundo, eras outro solitário, com uma vida errante. Não podemos desligar o problema da revolução do problema da vida. Não nos podemos limitar a debitar uns “slogans” marxistas ou anarquistas. Temos de questionar a vida. A vida pertence-nos ou deveria pertencer-nos. A verdadeira questão é o quanto nos roubam da vida se seguirmos a via normal, se formos à escola, se nos obrigarem a competir pelas notas ou, se mais tarde, nos obrigarem a competir pelo pão, pelo lugar, pelo estatuto, pelo poder, pelo dinheiro. A revolução é precisamente a ultrapassagem da vida, o viver sem obrigações ou com o mínimo de obrigações possível mas também a superação do eu, a aventura do eu, a superação do homem no sentido de chegar a um estado de criação, a uma gravidez onde ele próprio é obra sua. Daí que me aproxime mais do super-homem de Nietzsche, mesmo sendo anarquista individualista. Estamos, portanto, aqui para aumentar a vida, como dizia Henry Miller. E, de facto o discurso económico é muito redutor. Nunca entenderá e combate a superação do homem, a alma, a própria vida. Claro que o desemprego aumenta, que o PIB baixa, que a maioria das pessoas têm cada vez menos dinheiro mas isso não é mais do que vida roubada. E depois quem é que mede a felicidade, o amor, a liberdade? Quem tem o direito de dispor das nossas vidas? Quem nos causa as depressões, os suicídios, as esquizofrenias? Quem tem o direito de nos fazer infelizes? Porque raio os elegemos? Porque raio lhes obedecemos? Só aqueles que se ultrapassam, só aqueles que questionam a vida, só aqueles que amam incondicionalmente, só os espíritos livres são verdadeiramente revolucionários. Não os que se limitam a exigir aumentos ou direitos, não os que seguem a via da economia. O homem é muito mais do que cálculo, o homem é hybris, festa, amor, amizade, poesia. Não se pode contentar com a vida menor que leva. Não se pode contentar com o trabalho, com a televisão, com a família. O homem não é negócio, não está à venda. O homem é Quixote, Hamlet, Zaratustra. O homem é aquele que cria, que brinca, que corre livre como as crianças. O homem é a criança sábia. Não deixemos mais que os inimigos do homem e da vida o destruam. Porque eles- governantes, comentadores, banqueiros, especuladores- são os inimigos do homem e da vida. Porque nos atiram com eles aos cornos todos os dias. Sigamos, pois, o caminho da revolução e da liberdade. Construamos, pois, o super-homem.

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