Monday, October 05, 2009
ODISSEIA NA PADEIRINHA
És boa. És mesmo boa. Venho ao café por tua causa. Percorres as mesas. Não me dás bola. És boa. És mesmo boa. Bebo cerveja por tua causa. Ficas ao balcão. Tiras café. Corpo de gata. Dá mesmo gozo vir aqui. As mamas salientes. O sorriso. És mesmo boa. Matas o tédio na minha cabeça. Só não tenho dinheiro para te dar. Sou um poeta solitário. É mesmo pena. Agora estás ao balcão, pensativa. Róis as unhas, tatuada. Ver-te gingar é uma festa. Agora estás muito divertida. Traz-me outra cerveja que ainda vamos celebrar. Se calhar já topaste que só tenho olhos para ti. As mulheres apercebem-se de coisas de que nós não damos conta. O Tavares, o homem que se dá com toda a gente, também te chama. Pareces ser de poucas palavras. Talvez se eu te dissesse que já actuei em Paredes de Coura e que já apareci nos jornais me desses bola. és boa. És mesmo boa. Agora refugiaste-te na padaria. Deves ter namorado, concerteza. No fundo, só queria uns beijos e uns apalpões. Agora comes uma mista. Ris-te, de vez em quando, para o mundo. E o mundo agora és tu. Só queria estar aos beijos à tua mesa. Convidar-te para as minhas cenas. Eh! Menina, olha para mim. Ri-te para mim. Estes gajos são uns chatos. Só falam de bolas. Poderíamos ter uma conversa interessante. Falar do que falas com a tua amiga. No fundo, é tudo uma questão de solidão. Deixa esse sumo. Anda beber uns copos comigo. Vamos ficar noite fora. Já nem penso em sexo. É só a cerveja a subir. Olha para mim como eu olho para ti. Já me apetece ficar aqui a beber noite fora. Que se foda a bola! A asma já passou. A cerveja anima sempre um gajo. Por muito que se fale, por muito que me venham dizer, a cerveja põe um gajo em cima. Pode durar pouco, pode até pesar negativamente no dia seguinte mas o que é facto é que a cerveja põe um homem em cima. E tu permaneces aí, a beber café, aparentemente indiferente à minha prosa. Gasto o meu latim e tu aí, indiferente, a receber trocos. Até bebia mais uma. Mas não sei se tu mereces. O Sporting a empatar com o Belenenses. E tu na arrecadação. Estes cafés, no fundo, são uma seca. Não se ouve uma conversa interessante. E tu desapareces e reapareces, passeias-te no tapete como se fosses uma estrela. Os gajos chateados com a bola e tu passeias-te no tapete, indiferente. Até te peço mais uma cerveja. Dou dinheiro ao teu patrão. Há gajos que têm carros e conta bancária. Que correram atrás do dinheiro. Eu não segui essa via. Agora arrumas os gelados. Acabou o Verão. Se eu fosse um artista remunerado é que vos dizia. Se eu fosse um artista remunerado passava os dias a whisky nos vossos cafés de tédio. Se eu fosse um artista remunerado, como vou ser em Novembro, olhavas para mim e davas-me um beijo na boca. Tens uma calma, uma paciência impressionante. Se eu fosse um artista remunerado gozava com os vossos futebóis. Mas se não fosses tu e as tuas coxas e o teu umbigo isto era uma seca monumental. Esta zona de Vilar do Pinheiro e de V.N. Telha é uma seca monumental. Não se ouve uma conversa de jeito. Vá lá que existes tu e a cerveja. Eram conversas de jeito aquelas que eu tinha com o Jaime Lousa, com o Joaquim Castro Caldas. Agora dialogas em desafio com os clientes. Isto realmente é uma grande seca. Estar aqui tantas horas deve ser para ti uma grande seca. Não se passa nada- já dizia o outro. Agora até olhaste para o meu caderno. Deves ter alguma curiosidade. Mas isto deve ser uma grande seca. Passar aqui tantas horas é uma grande seca. A vida assim é uma grande seca. Mas, ao menos, posso olhar para ti. Observo os teus estados de espírito. Além disso, hoje tive dinheiro para beber três cervejas. Isso permite-me combater a grande seca. Eles querem fazer da vida uma grande seca. Ajuda-me, querida! Ajuda-me a vencer a grande seca. Isto não passa de uma sucessão de jogos de futebol e de longos bocejos. Aliás, os jogos são exteriores a nós, não temos interferência neles. Limitamo-nos a ser espectadores na sociedade do espectáculo. Bebemos umas drogas (cervejas) para contornar a coisa. Bebemos umas drogas quando temos dinheiro para elas. E os que trabalham? O trabalho é também, muitas vezes, sacrifício ou seca. E temos sempre de continuar a trabalhar para sacar mais dinheiro. A vida torna-se, de facto, uma seca. Vá lá que existes tu para eu me distrair, para eu me excitar. Mas a vida é, de facto, muitas vezes, uma grande seca.
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