Sunday, June 08, 2008
GOMES LEAL
GOMES LEAL
I
(Lápide para colocar no largo onde o
grande poeta Gomes Leal foi apedrejado
pelos garotos de Lisboa)
Aqui,
onde passaram rodas e enterros,
olhos e ventos...
(E urinaram os perros
nos excrementos...)
Aqui,
onde a mesma andorinha
repete há séculos a mesma primavera de realejo...
(E cai uma chuva miudinha
nas manhãs de bocejo...)
Aqui,
onde os trens e as bestas
arrancaram estrelas com os cascos...
Foi aqui
que tombou o Príncipe das Horas Funestas
num suor de chascos.
Sim, foi aqui que te viram rolar na sarjeta,
apedrejado na alma pelos garotos.
(A chorar, a chorar, com alegria secreta
dos anjos bebados nos esgotos.)
E a tua sombra ficou para sempre no chão,
incrívelmente branca,
que nenhum espectro, nenhum vento, nenhum braço sem mão
apaga ou arranca.
Impregnou-se de lágrimas no solo
e aqui ficou na pedra onde caíste
__tu, poeta, que trazias no olhar meninos ao colo
e na voz um fantasma de lança em riste.
Tu que foste católico, jacobino e ateu
só para enfeitar de lua e bebedeiras
o teu instinto de querer rasgar o Véu
que esconde nas rosas as caveiras.
Ah! esse Véu, esse Véu maldito,
que todos os poetas, mesmo sem pensarem nele,
sentem na imprecisão de cada grito
e no calafrio da pele.
Esse Véu, esse Véu que o tédio solda
às mãos, à cara e às fazendas...
E pouco a pouco nos amolda
a este mundo de cárcere sem fendas.
Mas tu não te resignaste e quiseste rompê-lo
de pé, de joelhos, de bruços,
com lágrimas de cutelo
e punhais de soluços.
Tudo em vão, poeta tudo em vão !
Ninguém pode talvez rasgar este Véu maldito que oculta e desvenda
o esqueleto de silêncio em fogo que nos ilumina !
A cada rasgão,
a cada nova senda,
aberta às unhadas na solidão,
sobe sempre do chão
mais neblina
num sufocar de vala
na escuridão...
E depois outra cortina !
Sempre outra cortina !
(Eh ! Poetas: vamos nós rasgá-la ?)
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