MADRUGADA
Na madrugada do 25 de Abril de 1974, quando o MFA prepara o derrube do Governo, o director da PIDE transmite aos seus funcionários uma interessante nota de serviço. Segundo esta, os agentes da polícia política deverão continuar "a trabalhar como habitualmente", abstendo-se de qualquer acção hostil às Forças Armadas. Podemos hoje entender que a PIDE, cuja colaboração era íntima com a CIA ou com os serviços secretos franceses, estava a par dos projectos do MFA. É provável que o golpe militar tenha sido organizado com a concordância, ou a tolerância, pelo menos, dos serviços secretos ocidentais, em particular com os norte-americanos.(...)O regime português afundava-se desde havia treze anos numa longa guerra nas colónias africanas, parecendo incapaz de se reformar para corresponder às exigências duma economia moderna. As despesas militares representavam encargos esmagadores para o conjunto da economia, penalizando a necessária modernização do Estado, e a ameaçade quatro longos anos de serviço militar levava muitos jovens trabalhadores a emigrar, fugindo da pobreza e da farda. Por outro lado, apesar da forte repressão policial as lutas operárias não haviam diminuido desde meados dos anos 60 e os sectores capitalistas modernos aspiravam abertamente a uma transição democrática, a um regime parlamentar legitimado pelo voto. Aos olhos desta fracção das classes dominantes, o jogo sindical deveria poder canalizar para a negociação os movimentos reivindicativos, evitando a sua constante politização. Era uma evolução tanto mais necessária quanto o peso do capital multinacional se tornara predominante na economia portuguesa. A guerra já não podia ser ganha militarmente; para a população, a guerra era um factor de imobilismo. Impunha-se virar a página.Mas, uma vez desencadeado o golpe, a sequência dos acontecimentos não se desenrolou como previsto. A população de Lisboa e do Porto vem para a rua em massa, desafiando as ordens militares que dizem às pessoas para ficarem em casa a ouvir a rádio e a assistir aos acontecimentos como telespectadores. (...) A amplitude desta participação popular, a energia e a dinâmica dela decorrentes, não tinham sido prevista pelos conspiradores agaloados, para quem a resignação criada por quase cinquenta anos de regime autoritário constituía um seguro de vida.(...)Depois disso, vai ser necessário um golpe militar às avessas, para permitir que as forças políticas burguesas fiquem de novo senhoras da situação e levem a cabo a reforma do Estado, em conformidade com os interesses do capitalismo privado.(...)As utopias, os desejos, a generosidade e o imaginário colectivo desse tempo não podem evidentemente ser reduzidos a uma miserável opção entre o pior e o menos mau de dois males. Naquele momento, a história estava cheia duma variedade de possíveis, de probabilidades e projectos. (...) Vivia-se aquilo que a pintora Vieira da Silva soube exprimir quando disse: "a poesia está na rua".
Crónicas Portuguesas, Charles Reeve (Trad. de Júlio Henriques), Fenda, 2001, pp.9-11
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"NÃO QUERO MORRER AOS QUARENTA", A. Pedro Ribeiro
No sábado passado, o saloon encheu, isto é, a sala da Sargadelos encheu, para ouvir os “manos” Calórica. A loiça ficou intacta, é certo, mas as palavras do António, foram, como sempre, provocantes. Para mim, o verso mais rebelde foi: “não quero morrer aos 40”. Poderíamos começar logo pelo advérbio de desobediência, “não”, ou pelo “não quero”, mas isso seria ficarmo-nos por uma ínfima parte da interessante frase.Por um lado, a forma como estamos organizados em sociedade (grosso modo, o sistema capitalista e uma das suas expressões, a sociedade de consumo), sugere que a nossa vida é unicamente emprego, utilidade (“como vamos empregar/ ocupar o nosso tempo?”, “tempo só pode ser dinheiro”). Por outro lado, o sacrifício e a obrigação penosa (talvez de inspiração católica), está latente nalgumas expressões que usamos amiúde, no quotidiano, “tem que estar” ou “tem que ser”, geralmente em resposta a: “tudo bem com o senhor?” ou “vai para o escritório?”.Certo dia, uma colega confessou-me que trabalhava, simultaneamente, em dois locais, não sabendo o que fazer nos seus dias de folga, angustiantes para si, embora tivesse marido e amigos, com quem poderia passear e divertir-se. E eu achei triste.
Recordo, pelo contrário, com um sorriso, o que disse um amigo meu, quando o questionaram sobre a idade: “Quarenta…”(fez uma breve pausa)”…mas bem vividos”.
André Martins
Crónicas Portuguesas, Charles Reeve (Trad. de Júlio Henriques), Fenda, 2001, pp.9-11
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"NÃO QUERO MORRER AOS QUARENTA", A. Pedro Ribeiro
No sábado passado, o saloon encheu, isto é, a sala da Sargadelos encheu, para ouvir os “manos” Calórica. A loiça ficou intacta, é certo, mas as palavras do António, foram, como sempre, provocantes. Para mim, o verso mais rebelde foi: “não quero morrer aos 40”. Poderíamos começar logo pelo advérbio de desobediência, “não”, ou pelo “não quero”, mas isso seria ficarmo-nos por uma ínfima parte da interessante frase.Por um lado, a forma como estamos organizados em sociedade (grosso modo, o sistema capitalista e uma das suas expressões, a sociedade de consumo), sugere que a nossa vida é unicamente emprego, utilidade (“como vamos empregar/ ocupar o nosso tempo?”, “tempo só pode ser dinheiro”). Por outro lado, o sacrifício e a obrigação penosa (talvez de inspiração católica), está latente nalgumas expressões que usamos amiúde, no quotidiano, “tem que estar” ou “tem que ser”, geralmente em resposta a: “tudo bem com o senhor?” ou “vai para o escritório?”.Certo dia, uma colega confessou-me que trabalhava, simultaneamente, em dois locais, não sabendo o que fazer nos seus dias de folga, angustiantes para si, embora tivesse marido e amigos, com quem poderia passear e divertir-se. E eu achei triste.
Recordo, pelo contrário, com um sorriso, o que disse um amigo meu, quando o questionaram sobre a idade: “Quarenta…”(fez uma breve pausa)”…mas bem vividos”.
André Martins
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